Como um doutorado em História me fez um profissional de marketing melhor
Eu após ser aprovado na defesa do doutorado em História, na Universidade do Minho, Portugal, 2017.

Como um doutorado em História me fez um profissional de marketing melhor

Em fevereiro de 2017 eu defendi minha tese de doutorado em História na Universidade do Minho, em Portugal. De lá para cá, entretanto, minha carreira seguiu um caminho um pouco inesperado, estilo Joseph Climber ("a vida, ah, essa sim é uma caixinha de surpresas"). De professor de high school em 2018, passei a assistente de marketing em 2019, analista no ano seguinte e coordenador em 2021. Mas será que foi uma surpresa mesmo?

Muitas vezes as pessoas não entendem esse caminho que eu segui e acham que alguma coisa deu errado. Eu mesmo acho que as coisas estão indo muito bem. O que normalmente passa despercebido é que muitas das competências mais desenvolvidas por pesquisadores acadêmicos (como historiadores) são extremamente úteis para quem trabalha na área de marketing - e, na verdade, para muitas outras áreas também!

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Essas competências são o que as pessoas gostam de chamar de Habilidades do Século 21 e que eu passei a conhecer e entender bem melhor depois que comecei a trabalhar com Aprendizado Baseado em Projetos, uma importante metodologia ativa que vem mudando a educação no mundo.

Andreas Schleicher, diretor de educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) diz que o século XXI viu o surgimento de pessoas que ele chama de versatilistas. Para ele, os versatilistas são capazes de "aplicar habilidades de maneira profunda para aumentar progressivamente o escopo de situações e experiências, ganhando novas competências, construindo relacionamentos e assumindo novos papéis".

Ele acredita que a pessoa que usa essas habilidades está sempre se adaptando, aprendendo e crescendo, o que nem sempre é fácil em um mundo de constantes mudanças. As pessoas se tornaram o verdadeiro foco dessa versatilidade. Com o avanço da tecnologia e da globalização, Andreas lembra, "a competição mais importante não é mais aquela entre empresas ou países, mas aquela entre nós mesmos e nossa imaginação".

Como disse lá no começo, eu acredito que muitas dessas Habilidades do Século 21 são desenvolvidas dentro das universidades. É no acadêmico, que se dedica ao mestrado e ao doutorado, que as empresas vão encontrar alguém que vai além do básico, que tem a versatilidade desejada pelo mundo corporativo. Vou dar alguns exemplos abaixo.

Pensamento Crítico

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Uma das coisas mais importantes no mundo corporativo é ser capaz de refletir e de encontrar soluções para problemas e entender como os resultados vão impactar a situação.

Sem exageros, é possível dizer que isso é o básico do mundo acadêmico. O próprio método científico exige que exista um problema e que o pesquisador tente resolvê-lo pensando em possíveis soluções e testando-as. Um acadêmico está sempre em busca de um problema, desenvolvendo uma hipótese e testando possibilidades para desenvolver uma tese. E no final, para saber se fez isso bem, é avaliado por pares mais experientes do que ele.

A diferença do mundo acadêmico para o mundo corporativo, algo que sempre penso com um certo humor, é que na academia medimos os prazos em anos, e no mundo corporativo em dias, ou até horas!

Comunicação

Um problema do qual quase a totalidade dos historiadores sofre é não conseguir público para suas teses. A escrita acadêmica é muitas vezes pesada, complexa e, sinceramente, cansativa. Assim, como fazer pessoas "normais" lerem uma tese de 400 páginas? Minha inspiração, interessantemente, veio de alguém que não é historiador de formação, mas fez tremendo sucesso publicando livros de História.

O jornalista Laurentino Gomes ganhou o Brasil e o mundo com o livro 1808 e agora com a trilogia Escravidão, e fez isso escrevendo de maneira séria, porém agradável. Passar uma mensagem de maneira que as pessoas entendam é importante, então. E hoje vemos as novas gerações de pesquisadores - como eu! - questionando os modelos antigos e criando textos muito mais acessíveis e dinâmicos. Não só isso, como vemos universidades e universitários tomando a internet com eventos online, podcasts, lives e muito mais, mostrando que há muita coisa interessante a ser dita.

Foi pensando nessa necessidade de comunicação que eu aprendi a desenvolver websites e criei sozinho o História Capixaba, uma página para compartilhar e divulgar documentos históricos do Espírito Santo, minha terra natal, que acabou premiado pela secretaria de cultura para ter seu acervo ampliado. Também fiz um canal no Youtube, criei um podcast para entrevistar historiadores e até mesmo montei e realizei uma exposição de mapas históricos que foi exibida no Arquivo Público e na Assembleia Legislativa - exposição que, inclusive, foi realizada através de uma campanha de financiamento coletivo que alcançou 179% da meta estabelecida.


Com essa experiência toda, comunicar-me bem no mundo corporativo acabou sendo um passo natural e se mostrou uma de minhas mais importantes forças, pois me permitiu crescer dentro da área de marketing e comunicação.

Curiosidade

Quando perguntado sobre qual seria uma habilidade importante para ser competitivo no mercado de trabalho em 2030, Bill Gates respondeu "Curiosidade". Segundo ele, "para o aprendiz curioso, esse é o melhor momento porque suas condições de atualizar constantemente o seu conhecimento com podcasts ou palestras disponíveis online nunca foram tão boas."

Segundo um relatório da Harvard Business Review (HBR), curiosidade é tão importante quanto inteligência. Para eles, pessoas com "quoeficiente de curiosidade" alto tendem a ser mais inquisitivas, ter mais ideias originais, e ter altos níveis de aquisição de conhecimento. Por fim, diz que a curiosidade é a "ferramenta ideal para produzir respostas simples para problemas complexos."

Para o acadêmico, mais uma vezes, curiosidade deveria ser senso comum. Sem curiosidade, não existe pesquisa. Nem ciência. Já no mundo corporativo, essa curiosidade pode ser usada para "pensar fora da caixinha" e encontrar soluções diferentes, descobrir como fazer coisas novas e assumir funções inesperadas.

Posso dizer que foi assim pra mim, com o meu salto de Professor Assistente para Assistente de Marketing. Eu consegui dar esse passo porque estou sempre tentando aprender coisas novas para solucionar problemas. Foi assim que aprendi a desenvolver sites, usar ferramentas como Photoshop e Canva para criar designs e até montar e analisar campanhas pagas em redes sociais.

Iniciativa

Uma coisa que qualquer aluno de universidade pública vai dizer para você é que lá nenhum professor vai fazer o seu trabalho por você. Quando você cai em um orientador ruim, então, pode esquecer qualquer ajuda.

Eu e meu amigo Thiago fazendo pesquisa histórica no arquivo da Assembleia Legislativa

Aprender a ler e analisar um texto acadêmico de forma crítica, por exemplo, não é algo que se ensina no ensino básico. Nem como saber onde encontrar as respostas que você precisa, escrever dezenas ou centenas de páginas sobre um assunto, formatar o seu texto usando a ABNT e por aí vai. No mundo acadêmico é preciso ter iniciativa. Ninguém vai fazer a sua pesquisa por você. Se você não agir, você vai ficar parado. E se você ficar parado, não vai ter uma monografia, dissertação ou tese para defender no final.

Foi aí que eu realmente aprendi a solucionar os meus próprios problemas. Posso admitir que a graduação não foi tão complicada, mas o mestrado só deu certo porque assumi todas as rédeas que existiam na vida. As coisas deram tão certo no final que antes mesmo de defender a dissertação eu já estava aprovado e com malas prontas para fazer o doutorado na Universidade do Minho, em Portugal.

Agora, no mundo corporativo, sei bem quando eu preciso tomar a iniciativa e fazer as coisas acontecerem - porque aparentemente existe um jeito certo e um jeito errado de ser proativo: o "paradoxo da proatividade", segundo a HBR, diz que tomar a iniciativa na empresa só é uma coisa boa mesmo quando corresponde às expectativas dos superiores. Para a revista, ao ser proativo, você tem que levar em consideração: 1) o gerenciamento do seu tempo, para não deixar outras atividades de lado nem se esgotar; 2) levar em consideração como suas ações vão impactar o resto do seu time; e 3) se as suas ações estão alinhadas com os objetivos da organização.

Mais uma vez, não é muito diferente do mundo acadêmico, onde o pesquisador precisa considerar: 1) se seu projeto de pesquisa poderá ser concluído no tempo e nas condições estabelecidas; 2) se sua pesquisa afeta ou copia a de outras pessoas; e 3) se não está indo contra as regras estabelecidas pela instituição ou pelo próprio orientador.

E muito mais!

Eu poderia falar de muitas outras habilidades aqui, que estão todas relacionadas às anteriores, como Criatividade, por exemplo, Colaboração e Trabalho em Equipe, Produtividade, Tecnologia... mas vocês já entenderam.

Minha conclusão, por fim, é que o mundo acadêmico e o mundo corporativo têm mais em comum do que muitas vezes imaginam e poderiam aproveitar um pouco mais do que cada um tem a oferecer.

Isso é o que eu tento fazer diariamente. E eu acho que estou fazendo isso muito bem.

Victor Renzo

Customer Success Manager | Prevenção à Fraude | CSI

3 a

Você é sensacional, sou muito seu fã!

Ludmila Alcuri (PhD)

COO at AnthropIA | Professor & Researcher | Future Trends | Applied AI & Innovation | Customer Experience Strategy | PhD in History

3 a

Fabio, estamos juntos, meu amigo! Aconteceu o mesmo comigo! 😳

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