Como uma criança: valorize suas dúvidas. Desconfie das certezas.
Todos nos encantamos com as crianças de 3 a 4 anos em seu processo de aprendizagem. Isso inclui as próprias crianças, que se divertem enquanto absorvem, encantadas, tudo o que vivenciam. Por que essa magia parece que vai se perdendo ao longo do tempo? Por que muitos de nós acabamos deixando de querer aprender mais, iludidos pela pretensa ideia que já sabemos o suficiente?
Geralmente, quando um assunto é novo e ao mesmo tempo relevante - realmente importante, a ponto de interferir fundamentalmente na vida das pessoas -, como é, atualmente, os casos do Marketing Digital, Transformação Digital e tudo que envolva novas tecnologias, é natural que exista uma demanda latente por conhecimento, uma vez que todos temos uma propensão a buscar uma rota, um porto seguro, preferencialmente que nos seja indicado por alguém que consideremos (mais) experiente no assunto.
Em tempos assim, é comum o surgimento repentino de especialistas dos mais variados temas. Mas o que é um expert?
Eu gosto muito da definição do físico Niels Bohr, prêmio Nobel:
"Um especialista é alguém que cometeu todos os erros que podem ser cometidos em um campo muito restrito."
Portanto, para alguém ser especialista em um tema, não basta apenas conhecimento operacional e/ou superficial. É preciso que ele tenha testado e, mais do que isso, retido o resultado das suas experiências, vivências, ao longo do tempo (entre erros e acertos, mas, quase sempre, mais erros que acertos) em uma determinada área de atuação.
Eu, particularmente, costumo duvidar um pouco sobre "experts", porque as pessoas mais brilhantes com quem convivi, pessoal ou profissionalmente, sabiam tanto sobre um assunto (frequentemente, mais de um aliás), que sabiam, ao mesmo tempo e paradoxalmente, o quanto desconheciam daquele tema sobre o qual detinham profundo conhecimento.
Ou seja, quanto mais sabiam, menos pensavam saber em relação a tudo que sabiam existir. E mais, admitiam as suas dúvidas quando surgiam e eram elas que os impulsionavam a ir além. Por outro lado, conheci pessoas com conhecimento limitado sobre os mais variados temas que sentiam-se seguras o suficiente para se posicionarem com certeza absoluta em suas colocações, embora não tivessem muita noção sobre aquilo que falavam. Essas pessoas geralmente não admitem que não sabem, ou por ignorância ou vaidade - não importa -, e além de poder levar os outros a conclusões equivocadas, também tendem a não ir além pois contentam-se com o seu saber. Valorizam as suas certezas.
E, pensando sobre isso, quase que coincidentemente, tomei ciência sobre o efeito Dunning-Kruger. Uma teoria nascida no campo da psicologia nos anos 1990, através do trabalho de Justin Kruger e David Dunning e Soullesz, da Universidade de Cornell.
Resumidamente, eles realizaram uma investigação científica para descobrir por que pessoas que sabem menos se sentem mais confiantes em assumir tarefas que demandam alto nível de conhecimento e prática. "Indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem preparados, tomando decisões erradas que tendem a obter resultados indevidos; é a sua própria incompetência que os restringe da habilidade de reconhecer os próprios erros. Estas pessoas sofrem de superioridade ilusória" (definição copiada e levemente adaptada do Wikipedia).
Por que isso importa?
Além da possibilidade de sua ação gerar o resultado indevido, a pessoa que valoriza as suas certezas mais do que suas dúvidas perde uma grande oportunidade. Porque se torna muito difícil transmitir conhecimento para alguém com esse perfil, já que, como disse Epicteto: "é impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe".
Outro dia, André Kassu, publicitário brilhante que sigo há anos, escreveu uma nota explicando porque estava deixando de escrever no Meio & Mensagem:
"Saio porque há gente demais com muitas certezas, e eu resolvi valorizar as minhas dúvidas."
Eu concordo. O mundo digital (o mundo atual, em verdade) é caracterizado pela sigla VICA: Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade. No entanto, a gente quer repostas rápidas e saídas miraculosas para os nossos desafios no dia-a-dia. É mais cômodo, eu sei. Eu incorro nesse erro com alguma frequência. Mas será que dá mesmo para acreditar em receita de bolo e seguir pessoas que dizem as ter - muitas delas sem mostrar quaisquer evidências que de fato as têm -, ainda mais considerando que vivemos em um mundo com tais características - Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade?
Portanto, acostume-se com as incertezas. Valorize quem não te dá sempre respostas prontas. Significa que ele está sendo humilde e honesto com você em relação ao limite do seu conhecimento; mais do que isso, que vai dedicar mais tempo para lhe trazer uma reposta acurada e, possivelmente, como todo sábio, ensinar e aprender com você.
Aliás, se pensarmos bem, essa é uma das possibilidades de interpretação sobre o que disse Sócrates, célebre filósofo grego, quando lhe contaram que a Pitonisa havia lhe indicado como o homem mais sábio da Grécia: "tudo que sei é que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa."
Talvez, e apenas talvez, possamos dizer que aquele que sabe, sabe que não sabe tudo e, por isso, assume as suas dúvidas. Já quem não sabe, nem ao menos isso sabe e atesta a sua ignorância quando defende as suas certezas.
O que é uma pergunta?
Existem perguntas e perguntas.
Ela pode ser consequência de preguiça mental ou, por outro lado, a manifestação da ambição da mente.
A pergunta preguiçosa se faz para obter resposta pronta, para saltar à conclusão não por uma via de inspeção própria, mas que lhe seja dada.
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A boa pergunta impulsiona o conhecimento.
A pergunta preguiçosa é feita para fora e deseja que a resposta venha de fora para dentro.A pergunta ambiciosa é feita para dentro.
As boas perguntas são mais importantes que as respostas.
É por isso que, segundo Picasso, "os computadores são inúteis. Só sabem te dar respostas".
Boas perguntas importam porque são o motor propulsor da humanidade e do autoconhecimento.
A começar com "Quem sou eu? Onde estou" e daí tudo mais se encaminha.
Uma pergunta ambiciosa leva ao estudo e o estudo leva à uma verdade, ainda que possa ser relativa, mas fundamentada: uma crença verdadeira e justificada sobre algo.
Disso, se segue o conselho de Paulo, "Examinai tudo. Retende o "kal".
Kal pode ser traduzido entre Belo/Bom/Bem.
Há várias traduções.
"Julgai todas as coisas, retende o que é bom."
"Mas ponde tudo à prova, retende o que é bom."
"Todas as coisas ponde à prova, e aquilo que é bom retende vós".
O problema da pergunta preguiçosa e da certeza genérica é a mesma.
Além de geralmente serem superficiais, elas não buscam examinar nada realmente a fundo, não levam à contemplação.
E o problema de quem ousa dar uma resposta para selar a pergunta preguiçosa é que ela dificilmente vai expressar a magnitude de um conhecimento, sendo sempre relativa ao limite de quem responde.
Como escreveu Wislawa Szymborska: "Peço desculpa às grandes perguntas pelas pequenas respostas”.
Platão e Sócrates sugerem que a "o maior bem do homem é interrogar-se sobre si mesmo e, sem tal feito, a vida não é digna de ser vivida” (Apologia de Sócrates – 38 a).
Disso se segue a frase do Milan Kundera: "a estupidez das pessoas vem de ter resposta para tudo" e a sabedoria de saber que nada sabe.
O que nos faz humildes para aprender, mudar e evoluir. Não de pergunta em pergunta, mas de processo em processo.
Afinal, já dizia Epíteto, ninguém pode aprender aquilo que pensa que sabe. O famoso senhor sabe tudo (Mr. Know it All).
Quem não aprende, não muda: está fadado a repetir o passado e as respostas prontas recebidas, como um papagaio.
M.SC | Mestre em Gestão da Inovação | Sócio & Diretor de Criação na KACHI Comunicação Científica e Marketing Farmacêutico | Professor de Marketing Digital | Filósofo
6 aObrigado Nileyde Gomes ! Sempre generosa com as palavras! :)