COMODITIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR – PARTE 2

COMODITIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR – PARTE 2

José Salibi Neto e Sandro Magaldi, na obra “Estratégia Adaptativa: o novo tratado do pensamento estratégico”, diferenciam as estratégias de longo e de curto prazo, conforme o pensamento de Gary Hamel e C. K. Prahalad. Na estratégia de curto prazo, a competitividade é determinada predominantemente pelo preço e pela performance do produto.

 Por outro lado, as estratégias de longo prazo bem-sucedidas baseiam-se na capacidade das organizações de consolidar tecnologias e habilidades para criar as competências essenciais, com o menor custo e a maior rapidez possíveis. Tais competências geram valor aos clientes na medida em que propiciam a criação de produtos de qualidade superior e/ou reduzem significativamente os custos de produção. O que se espera, a partir da aplicação das estratégias de longo prazo é que o consumidor perceba o benefício que o produto lhe traz, que a empresa tenha acesso a novos mercados e que os concorrentes da empresa tenham mais dificuldade de imitar os seus produtos.   

 O cenário atual da educação superior revela uma profunda e crescente comoditização. Os cursos online de R$ 99,00 (noventa e nove reais) – promovidos, notadamente, por grandes grupos educacionais – são a maior evidência de que diplomas de graduação se tornaram commodity. Tais cursos, entretanto, podem não desenvolver as competências que se espera de um profissional graduado.

 John Erpenbeck, no artigo “Competency-based quality securing of e-learning (CQ-E)” prevê quatro dimensões de competências individuais a serem desenvolvidas também no e-learning: a) competências pessoais, como criatividade, responsabilidade pessoal, autenticidade etc; b) competências sociocomunicativas, como tolerância, persuasão e outras habilidades de comunicação; c) competências activity-related, como energia, resiliência etc; d) competências profissional-metodológicas, como know-how específico de uma atividade.

 A educação por competências consiste em conduzir os estudantes para que esses interiorizem, mobilizem e articulem conhecimentos, habilidades e valores necessários para o desempenho de atividades profissionais, bem como para o exercício da cidadania. Assim, o graduado deve ser capaz de se auto-organizar para fazer uso dos conhecimentos, habilidades e valores assimilados na sua trajetória acadêmica para lidar com as diversas situações nas esferas pessoal e social. 

 Passar quatro anos na frente de uma tela de computador clicando “AVANÇAR”, como se estivesse a instalar um software, não me parece a melhor forma de se conquistar a capacidade de auto-organização acima mencionada. Paulo Freire posicionava-se contra aquilo que denominou “educação bancária”, caracterizada pelo constante depósito de conhecimentos na cabeça dos alunos. Cursos de graduação online 100% assíncronos e impulsionados tão somente pelo propósito de baratear os custos e os preços (estratégia de curto prazo) podem substituir a “educação bancária” por uma “educação download”, tão ineficiente quanto a primeira, em que pese o seu véu de modernidade.

 No quadro atual do mercado da educação superior, as grandes corporações educacionais sairão fortalecidas com a venda e o descredenciamento de centenas (talvez milhares) de faculdades isoladas. Nesse cenário, as demais instituições de educação superior da livre iniciativa podem ser tentadas a igualar a oferta dos grandes grupos, adotando a estratégia de curto prazo de reduzir os preços. Na guerra de preços, contudo, as grandes corporações sempre terão vantagem competitiva.       

 Ao fim e ao cabo, creio que aqueles alunos que apostarem na educação superior puramente assíncrona, sem acompanhamento por parte de professores, não conseguirão desenvolver as competências que o mercado já demanda. Entendo que as faculdades privadas isoladas que priorizarem a estratégia de desenvolvimento de competências essenciais (longo prazo) terão mais condições de atravessar esse momento difícil. Tais instituições terão mais chances de se adaptar rapidamente para oferecer novos serviços educacionais, a partir das tecnologias disponíveis.

 Em suma, a atual conjuntura do mercado da educação superior impele algumas instituições de ensino superior a adotar uma estratégia de preços, a partir da concessão de descontos e do corte indiscriminado de custos. A estratégia de desenvolvimento de competências essenciais, contudo, parece favorecer mais a longevidade dessas instituições, razão pela qual considero fundamental priorizá-la.     

 


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