A complexidade da gestão hospitalar e a sua profissionalização.
Por Carlos Amaral
Numa das disciplinas que compuseram o meu curso de pós-graduação em gestão hospitalar, deparei-me com a seguinte frase escrita em destaque na sala de aula:
“SAÚDE NÃO TEM PREÇO – MAS TEM CUSTO”
Estas emblemáticas palavras podem ser interpretadas como um grande pano de fundo para tudo que compõe a gestão de um hospital, estendendo-se também para outros estabelecimentos de saúde, como clínicas, laboratórios e afins.
Antes de adentrarmos no tema que dá título ao artigo, é importante lembrar que o entendimento da administração como ciência que trata da gestão de empresas e organizações, é relativamente recente. Assim, quando os hospitais com as atuais características surgiram com força, no final do século XVIII, não existia nenhuma base científica para fornecer suporte à sua gestão.
Não seria exagero afirmar que, dentre todas as atividades da vida moderna, nenhuma possui o nível de complexidade da gestão hospitalar. Isto se acentua quando pensamos em algo em que o produto final é a saúde e, portanto, a manutenção da vida, conferindo à unidade hospitalar um aspecto único neste sentido.
Todavia, para a sua atividade-fim lograr êxito, é imprescindível a coexistência um conjunto de atividades-meio, atuando de forma entrelaçada e, portanto, demandando os conceitos clássicos da administração (planejamento, organização, gestão e controle), que deverão ser utilizados em todo o transcurso da gestão.
A administração hospitalar só foi regulamentada no Brasil como uma especialidade da administração geral a partir dos anos 70 do século passado, quando surgiram os primeiros cursos de graduação, pós-graduação e especialização na área. São assim mais recentes ainda que a sua ciência-mãe.
Durante quase dois séculos a prática comum foi a de “hospitais dirigido por médicos”. Afinal, como condutores da atividade-fim, acreditava-se que estariam melhor preparados do que qualquer profissional para ocupar tal cargo. Infelizmente este foi um grande equívoco, que perdurou por muito tempo e levou ao insucesso e até à falência um bom número de estabelecimentos.
Cabe aqui salientar que, em nenhum momento, está sendo minimizado ou desmerecido o trabalho do médico; ao contrário, todos estamos cientes do seu protagonismo na assistência prestada ao paciente. Ocorre, contudo, que isto não pode se confundir, em nenhuma hipótese, com gestão hospitalar, conceito muito mais amplo e que envolve o conhecimento de outras áreas com as quais a grande maioria dos médicos não está familiarizada.
Importante acrescentar que existe uma lacuna muito grande neste aspecto nas grades curriculares das faculdades de medicina, ao contrário do que ocorre em outras áreas assistenciais, como a enfermagem, nas quais o acadêmico tem contato com o campo da gestão ao longo do seu curso.
Esta guinada ocorrida nas últimas décadas, hoje evidenciada de forma cada vez mais presente nos hospitais de ponta, gerou alguns conflitos no início, felizmente já em vias de superação. Tanto é que, no sentido inverso, observamos um bom contingente de médicos frequentando os cursos de especialização em administração hospitalar, qualificando-se para exercer tal gestão.
Hoje parece-nos cada vez mais claro que a atividade hospitalar incorpora de forma decisiva a necessidade de integração entre todas as áreas, desde as puramente assistenciais (medicina, enfermagem, fisioterapia, nutrição, psicologia, serviço social e outras), passando pelas chamadas facilities (cozinha, farmácia, lavanderia, manutenção, esterilização, higienização, segurança, tecnologia da informação, etc.) e chegando até as atividades puramente administrativas, como recepção, financeiro, faturamento, compras, contabilidade, recursos humanos, jurídico e outras afins.
Sem esta ação integrada e, principalmente, harmônica, nenhum processo se completa no hospital. Pensemos, por exemplo, num médico que ingressa num centro cirúrgico para operar um paciente: existe uma imensa logística por trás daquela cirurgia, que vai desde a disponibilização da roupa em condições perfeitas de esterilização até a correta higienização das salas, para criar um ambiente com a assepsia necessária ao procedimento, passando pela gestão da agenda cirúrgica, da autorização do plano de saúde responsável pelo custeio da cirurgia e tantas outras.
Nesse contexto, é fácil de perceber que a administração de todos estes processos demanda cada vez mais profissionais com sólido conhecimento do tema, algo que requer uma dobradinha de formação técnica e experiência. Isto abre um imenso leque de alternativas de trabalho para os especialistas na matéria. E acreditamos ser este um caminho sem volta.
Retornando à frase citada no início deste artigo, fica evidente que todo o trabalho desenvolvido pelos gestores jamais deverá perder de vista que a saúde tem custo. Conciliar este conceito com o primeiro, que afirma corretamente que a mesma não tem preço, representa o seu grande desafio.
Carlos Amaral é atualmente consultor independente em gestão de estabelecimentos de saúde, tendo atuado durante doze anos como dirigente de hospitais.