Compliance: muito além das leis
Se leis fossem suficientes o Brasil não estaria mergulhado na Lava Jato.
Um dos pilares do Programa de Compliance é a Comunicação e Treinamento. Simples: depois que todas as preliminares aconteceram – os riscos foram avaliados, as políticas e controles internos estão definidos, os mecanismos de investigações internas, monitoramento e auditoria foram criados e, efetivamente, o Código de Conduta foi desenhado com o apoio da alta administração – chega a hora de oficialmente comunicar a todos os stackeholders e treinar os colaboradores da empresa.
Parece simples. Só que não. Isso porque a expectativa das empresas, na maioria das vezes, é a de que seus funcionários passem a conhecer todas as leis, decretos, portarias, convenções – toda a regulamentação, enfim, de combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Já vi um treinamento de 85 slides para funcionários de todos os níveis, sobre a legislação, facilitado por um técnico. Definitivamente esse não é o caminho.
Quer dizer que os funcionários não precisam conhecer as leis para agirem de acordo com as regras? Claro que podem. Alguns até devem. Mas as leis podem estar na intranet, organizadas de uma maneira lógica para que sejam acessíveis, facilitando a compreensão em todos os níveis.
Ocorre que conhecer leis não dá a segurança de que elas serão cumpridas. Se fosse simples assim viveríamos em um paraíso ético e justo.
Fazemos o que fazemos porque (1) somos obrigados pelas leis – medo da punição, (2) seguimos convenções sociais – desejo de pertencer, (3) escolhemos fazer porque nos sentimos bem – atender nossos valores.
No meio do caminho há o “jeitinho brasileiro”: encontrar a saída para o meio correto, meio certo, meio ético, meio justo – desde que as consequências sejam suportáveis, pelo menos para alguns.
Exatamente aí é que entra a discussão sobre treinamento em Compliance. Começo tendo dúvidas sobre a palavra correta a se usar: seria mesmo “treinar”?
Podemos treinar competências, habilidades, desempenho, técnicas, processos – capacitando as pessoas para que executem determinadas tarefas e funções. Mas comportamentos são treinados, como fazemos com cachorros, por exemplo, premiando e/ou punindo?
Encontrei vários autores que corroboram essa teoria. Outros que se abstém. Outros ainda que usam palavras como Capacitação.
Pelos vários significados de Treinamento (adestramento, treino, exercício, prática, etc) prefiro usar Desenvolvimento (crescer, progredir, aprimorar, avançar): acredito que o que se precisa mesmo em Compliance seja desenvolver novos comportamentos baseados em valores. E, como diz Chiavenato (2004), “os processos de desenvolvimento de pessoas estão intimamente ligados com a educação”.
Talvez seja esse o motivo de Programas de Compliance fracassarem em muitas empresas. E fracassaram mesmo. E continuarão fracassando enquanto não entendermos que o que deve acontecer quando se implementa um Programa de Compliance, é a mudança de percepção através da formação. Resumindo, informação + formação.
É como se adquire competência: primeiro há a busca pelo conhecimento (o saber); depois há o desenvolvimento da habilidade (o saber fazer) e, fechando o ciclo, o colocar em ação (o querer fazer). A pergunta é: conhecer a lei e saber de suas consequências necessariamente implica em querer segui-las?
Desenvolver pessoas tem a ver com ampliar sua consciência para que aperfeiçoem ou mudem seus comportamentos. Trata-se de agregar valor às atitudes.
Na raiz desse “desenvolver pessoas” está a motivação. Se quisermos provocar mudanças de atitudes com base em valores, precisaremos fazer muito mais do que mostrar leis e regras a serem seguidas – precisamos falar a uma instância do indivíduo que não entende slides: trata-se de despertar em cada um o interesse por fazer o que é correto. Simplesmente porque é O correto.
Nesse contexto, “treinamento” ou “desenvolvimento” de pessoas em Compliance requer uma atenção especial na forma, no conteúdo, na linguagem. Não há uma fórmula, mas há modelos e princípios básicos que podem tornar a experiência do aprendizado em algo transformador. Como o modelo Andragógico de educação.
Andragogia (Malcolm Knowles) é a educação ou ensino voltado para adultos, construído sobre algumas premissas básicas que, se bem aplicados, podem engajar os colaboradores da empresa no Programa de Compliance.
Não se pretende, aqui, discutir Andragogia, mas apenas lembrar quão importante pode se tornar nesse cenário:
1) Adultos têm necessidade de conhecer, mas antes de começar a aprender, precisam saber qual a necessidade e o que vão ganhar com aquele conhecimento;
2) As experiências anteriores dos adultos são a base que transformam o aprendizado e devem ser levadas em conta;
3) Como são responsáveis por suas vidas e tomam suas próprias decisões, os adultos devem ser tratados como pessoas responsáveis por suas escolhas;
4) A disposição para aprender é muito maior quando o adulto entende a finalidade de determinado conhecimento;
5) Aproximar o conteúdo da aprendizagem de situações reais, do dia-a-dia do adulto, facilita a aprendizagem;
6) Motivações internas, como satisfação e qualidade de vida, funcionam melhor com os adultos do que as motivações externas, como as promoções, na aprendizagem.
Conhecer, discutir, aprender, desenvolver e integrar realmente o que é Compliance e a importância que tem, não só para a organização onde trabalha, mas para a sociedade como um todo, pode ser efetivamente o começo de uma mudança que há de beneficiar a todos.
Um papel social que as organizações podem assumir.
Quer conversar sobre treinamento em Compliance? Entre em contato.
Sobre a autora
A jornalista Isabel Franchon atua desde 2008 como Coach, tem mais de 2.000 horas de atendimento e vários cases de sucesso. Ministrou mais de 1.000 horas de treinamentos e palestras. Criou e desenvolveu o COACHING PARA COMPLIANCE ® metodologia com foco no desenvolvimento de profissionais que têm interesse no relevante tema da ética-conduta dentro das empresas.
CONTATO para palestras, coaching, workshops e treinamentos: isabelf@q3agencia.com.br
Gostou desse artigo e acha que ele pode ajudar outras pessoas? Então curta, comente e compartilhe com a sua rede!