A comunicação e a Internet

A comunicação e a Internet

Como psicanalista bissexto e pessoa que acompanha a evolução das TICs, que quando comecei a segui-la há 43 anos se chamava processamento de dados, virou informática e deve mudar de tecnologias da informação e comunicação (TICs) para outro nome em breve, tenho um interesse fulcral por este tema. Penso muito e tenho escrito algumas coisas a respeito. Vou tentar resumir algumas coisas aqui, mas desde já peço perdão por que não serei tão competente a ponto de ser breve e esgotar a questão, ou o assunto não permite, sabe-se lá qual é a opção correta.

Desde o início da década de 1990, quando tive meu primeiro e-mail, um dos primeiros aqui no ES, diga-se de passagem, que senti que estávamos caminhando para a tão famosa aldeia global em passos céleres. Senti também que estaríamos por demais conectados com os mais distantes rincões e que iríamos perder nossa ligação com nossos vizinhos. E não deu outra coisa: estamos paulatinamente nos afastando e perdendo o contato com nosso próximo. E isto, psicanaliticamente pelo menos, é muito grave.

Somos produto do outro, como dizia Lacan, e, se não temos o outro como "espelho", o que iremos ser? Ou se este outro for falso, irreal ou virtual, dependendo de como queiramos rotular? Sei que sou alto porque conheço alguns baixinhos, as mulheres daqui sabem que são lindas porque conhecem outras feias e assim por diante. Sem o outro, nós não existimos!

Pouquíssimos de nós tem a percepção e a sensibilidade aguçada de tal forma a se emocionar de verdade com letras e palavras escritas. Sem ouvir a voz ou olhar nos olhos de uma pessoa, nossa percepção real cai a níveis irrisórios. Cria-se uma comunicação estéril e, na maioria das vezes, inútil. E destrói-se muitos valores que seriam sólidos em uma convivência menos virtual.

Consigo acreditar que vamos chegar a um momento de banalização tamanha na nossa comunicação que vamos ter cenas assim pelo Whatsapp: "Querida, quero o divórcio! kkkk..." e a resposta será: "Vou pedir ao papai para ver a papelada e te mando por e-mail. Manda mensagem para ele, estou te bloqueando do Face e aqui, kkkk...".

E outra consequência psíquica grave do processo também tem se apresentando com frequência cada vez maior. E não é a nomofobia (fobia causada pelo desconforto ou angústia resultante da incapacidade de comunicação através de aparelhos celulares ou computadores) ou qualquer outro sintoma de fácil associação, mas sim um deveras preocupante que não tem sido medido adequadamente nem identificado com a questão: a agorafobia.

"Viver" no mundo virtual faz com que as pessoas, as mais jovens principalmente, criem sensações em graus variados de pânico de viver no mundo real, com pessoas reais, e fogem do contato com públicos de tamanho tão variado quanto a intensidade da neurose, é o medo da Ágora (termo grego que significa a reunião de qualquer natureza). Tenho notado indícios dela em aproximadamente metade das pessoas que eu analiso ou com quem converso mais detidamente.

A fantasia da felicidade e da fama também andam juntas e tenho preocupações sérias com elas também. Não sei se a fama repentina conseguida por uns minutos não provoca uma ressaca pela falta de curtidas com mais intensidade do que o prazer daqueles minutos, o que é grave! E o não poder sofrer porque pega mal, a exibição de uma felicidade eterna e, portanto, falsa, pode levar a quadros terríveis de melancolia e tristeza, sentimentos que hoje, erroneamente, estão sendo rotulados de depressão.

Principalmente, porque a competição para ver quem é mais "feliz" tem nos concorrentes uma crença real de que o outro está falando a verdade, o que o faz sofrer muito por não ter o que o outro tem: a felicidade, e por sentir que está mentindo. Enfim, é uma armadilha por demais perigosa e difícil de ser desarmada! Vejam, a exposição exibicionista é tão absurda que faz com que as vítimas de morte tirando selfies seja maior do que as vítimas fatais dos tubarões!

E isto nos leva à uma característica marcante de todo o processo que envolve este uso indiscriminado da Internet: o altíssimo grau de compulsão envolvido! A compulsão pelo uso é tamanha que não consigo achar que ele nos faz ganhar tempo e não perder tempo. Os casos com que me deparo, quase que invariavelmente, são de pessoas que gastam tempo demais para economizar tempo de menos.

Mas, também, não posso deixar de comentar a maior falácia dos nossos tempos, a de que estamos em uma civilização da informação e do conhecimento. Da informação, sim, mas do conhecimento, jamais. Conhecimento é informação introjetada, entendida e usada como meio de nos transformarmos, o que não existe hoje com esta absurda abundância de dados e informação à disposição de todos. Isto cria um problema muito grande.

Na maioria das vezes quem tem mais facilidade de acessá-la são os mais jovens que se sentem poderosos e sem interesse em processá-la e transformá-la em conhecimento e muito menos em sabedoria. Este talvez seja o maior perigo da nossa época. Talvez seja o único perigo que nossa civilização ainda não tenha corrido e se safado dele anteriormente: os jovens deterem o poder, mesmo que fantasiosamente! E teremos multiplicado ao extremo o problema que o bufão da corte comunica ao rei Lear: “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio.” 

Muito sério pensar em uma humanidade com déficit de conhecimento e com ausência quase que total de sabedoria como dá para vislumbrar ali na esquina se não houver um "freio de arrumação" em muitas coisas neste planeta. Não só neste aspecto, como em vários outros como meio ambiente, utilização de energia, etc... sem o qual a humanidade vai ter que saltar dele ou perecer.

E, por fim, para não me alongar demais, quero dizer, utilizando o Millôr Fernandes, que o problema não é o meio, mas sim nós mesmos. Para ele, foi necessário que o homem inventasse o telégrafo, o telefone, a internet e que tais para descobrir que o maior problema da comunicação sempre foi, é e, creio eu, sempre será as duas pessoas envolvidas e não o meio usado.

Last but not least, não tenho dúvidas: a tecnologia pode ser bem-vinda para as pessoas que saibam usá-la, ela sempre acrescentará, mas, por outro lado, ela sempre será uma forma de fazer as coisas erradas com mais intensidade por quem não sabe, não consegue ou não quer usá-la a seu favor.

Precisamos discutir mais e sempre esta questão!

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