Confusões sobre a dívida pública

Certas visões, inclusive do governo, causam deseducação

No Brasil, confusões sobre a dívida pública ocorrem frequentemente. Não costuma ser o caso no mundo rico, onde sua adoção como instrumento de política econômica teve início na Grande Depressão dos anos 1930, em grande parte sob a influência da elevada taxa de desemprego, que alcançava 25% nos EUA. Ao mesmo tempo, cerca de 10 000 bancos quebraram, provocando contração na oferta de crédito e falência de milhares de empresas.

Três foram as causas básicas desse cenário devastador: (1) a crença de que falências eram benéficas, pois livrariam o país de bancos e empresas mal geridas; (2) a ideia de que o equilíbrio orçamentário restauraria a confiança, ampliando a demanda; (3) a convicção de que a contenção de importações fomentaria a atividade econômica e o emprego. A insistência nesses equívocos provocou o desastre.

O economista britânico John Maynard Keynes defendeu outro diagnóstico no livro Teoria Geral (1936): a depressão decorria das incertezas, que causavam redução do consumo e dos investimentos privados, cuja contrapartida era um excesso de poupança. Se o Estado preenchesse essa lacuna, o quadro depressivo seria revertido. Caberia ao setor público gastar, mesmo que fosse para cavar buracos e depois tapá-los. O déficit orçamentário era a saída. Havia poupança disponível e o endividamento era relativamente baixo (40% do PIB no início do governo Roosevelt).

Aqui, a maior confusão em torno do tema é cometida por economistas heterodoxos, os quais creem que o aumento do gasto público deve ser permanente e fonte básica do crescimento. Esse keynesianismo caboclo não percebe que as ideias de Keynes se aplicam apenas em quedas intensas de demanda, como nas crises e pandemias. De fato, a economia cresce essencialmente por elevação da produtividade, e não por mais gasto público, que não é vida, como acreditam a ex-presidente Dilma e gente do PT.

Outra confusão é achar que a dívida pública está exclusivamente nos bancos. Eles detêm apenas 29% da dívida. O restante se constitui de aplicações em títulos do Tesouro por fundos de investimento, fundos de pensão, previdência privada, seguradoras e investidores no Tesouro Direto.

Uma terceira confusão é realizar comparações sem sentido, como fazem membros da atual equipe econômica. Um diz que uma queda de 1 ponto de percentagem na taxa Selic equivale ao gasto do Bolsa Família. Outro afirma que os gastos com juros superam as despesas dos programas sociais. Mesmo que os cálculos estejam corretos, a forma como são usados reforça visões equivocadas e preconceituosas sobre tais temas.

Transmite-se a impressão de que a política monetária prejudica deliberadamente os mais pobres. Não seria imposição da realidade. É como dizer que uma empresa industrial comete erro de gestão quando faz seguro contra incêndio se o respectivo prêmio superar as despesas do refeitório. Tais raciocínios desinformam o grande público, prestando um desserviço ao país.

Atualizado em 11 ago 2023, 19h23 - Publicado em 12 ago 2023, 08h00


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Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854



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