Conheça o subsídio que reduz o payback da microgeração por mais da metade

Conheça o subsídio que reduz o payback da microgeração por mais da metade

Outra reclamação constante relacionada à microgeração de energia no Brasil é a de que não há incentivos para gerar sua própria energia. Quero tentar mostrar nesse artigo que existe sim um subsídio, porém oculto, que aumenta significativamente a viabilidade da microgeração.

Para esclarecer esse tema, primeiramente, devem ficar claros alguns pontos. Atualmente, para todos os consumidores atendidos em baixa tensão a conta de energia elétrica é baseada exclusivamente no consumo de energia da unidade consumidora, em kWh. Para os microgeradores não é diferente, a fatura é baseada apenas no consumo líquido (energia consumida da rede – energia injetada na rede). Adicionalmente, é necessário entender como é formada a tarifa de eletricidade, que custeia o funcionamento do sistema elétrico brasileiro. Basicamente, a tarifa é composta de quatro elementos: a) custo com aquisição de energia; b) custo de transmissão; c) custo de distribuição; e d) encargos setoriais (CDE, ESS, TFSEE, etc.). Adicionalmente, sobre a tarifa incidem os impostos para o consumidor final, mas não são relevantes para o propósito desse artigo.

Assim sendo, no momento em que uma unidade passa a ter um sistema de geração própria de energia, seu consumo líquido mensal diminui, e sua conta também, proporcionalmente. No entanto, a unidade consumidora continua utilizando a rede de distribuição para amparar sua geração, como uma bateria virtual. No caso da fotovoltaica, basta um momento sem sol para a unidade exigir o mesmo da rede que uma unidade idêntica, sem microgeração. Logo, o fato de gerar sua própria energia não diminui os custos da distribuidora com a distribuição e a transmissão, pelo contrário, é provável que até aumentem [1]. Quanto aos encargos, a maior parte deles se refere a obrigações cujo custo é fixo, como por exemplo, os programas de baixa renda e Luz para Todos [2]. Dessa forma, há uma parcela fixa dos custos que deixa de ser paga pelos microgeradores, tendo que ser rateada pelos demais consumidores (figura), através de aumentos na tarifa.

Ao instalar um sistema de geração distribuída, diminui-se o gasto com a compra de energia, mas os demais custos se mantém, devendo ser remunerados agora pelos demais consumidores. Detalhes do cálculo na nota “i”

Portanto, através da análise e do gráfico acima fica evidente que existe um subsídio cruzado entre os consumidores da mesma distribuidora. Os consumidores sem microgeração pagam para manter os serviços da rede aos geradores. Algo que a imprensa marrom chamaria de “Robin Hood às avessas”.

Para corrigir esse tratamento desigual, a maneira mais direta seria a utilização de tarifas binômias para as unidades consumidoras com microgeração, de forma a manter uma parcela fixa, referente à demanda exigida pela unidade consumidora, assim como é feita para as unidades consumidoras do Grupo A. Nesse caso, a mediana do retorno do investimento em microgeração fotovoltaica no Brasil, que hoje é de 9 anos, iria para 26 anos (detalhes do cálculo na nota “ii”). Logo, pode-se dizer que o modelo de net metering, em conjunto com a cobrança via tarifa monômia, é um excelente incentivo à microgeração.

Finalmente, cabe destacar que, apesar de conceitualmente ser algo injusto, na prática, um impacto significativo na tarifa de eletricidade seria percebido somente com uma grande entrada de microgeradores. Segundo as projeções realizadas pela ANEEL [3], mesmo no cenário mais agressivo (2,6 GW instalados até 2024) o aumento tarifário seria de pouco mais que 1% ao longo de 10 anos, em função dos microgeradores. Nesse sentido, pode ser considerado manter a estrutura tarifária atual, dado o baixo impacto previsto, com o intuito de difundir uma nova tecnologia e desenvolver um novo mercado no país, podendo trazer ganhos à sociedade de outras formas.

Notas:

i) O cálculo foi feito com base na distribuição da receita de quatro distribuidoras (Cemig, Coelba, CPFL e Ampla). Na média, 56% da receita requerida é independente do consumo. Foi simulado que o consumo da residência era de 400 kWh e com a instalação da geração distribuída (GD) passou para 100 kWh (referente ao consumo de disponibilidade - trifásico).

ii) O cálculo do payback foi feito utilizando os percentuais da tarifa apresentados na nota anterior, um valor de investimento de R$ 8,81/Wp [4], tarifas de março/2015, considerando a isenção do ICMS sobre a energia injetada na rede, e demais parâmetros utilizados na minha dissertação [5].

Referências

[1] MIT. The Future of Solar Energy - And Interdisciplinary MIT Study. Chapter 7. 2015

[2] PSR. Energy Report 77. Maio de 2013

[3] ANEEL. Nota Técnica n° 0017/2015-SRD/ANEEL – ANEXO V – AIR. 13 de Abril de 2015

[4] Instituto Ideal. O mercado brasileiro de geração distribuída fotovoltaica – Edição 2015

[5] KONZEN, G. Difusão de sistemas fotovoltaicos residenciais conectados à rede no Brasil: uma simulação via modelo de Bass. 108 p. Dissertação de Mestrado. Programa de PósGraduação em Energia, USP. São Paulo, SP., 2014

Stephanie Betz

Advisor for Regulation and Market Development @GET.transform

9 a

Isso é verdade, essa é uma análise importante - assim como das tarifas binômias, porém o que fica coberto pelo custo de disponibilidade então?

Luiz Gustavo Silva de Oliveira

Energy Transitions | Biogas | Innovation Systems | Public Policies

9 a

Muito bom, Gabriel! Só insisto na análise local dos benefícios/custos pra rede de distribuição. Aí tá um problema pro regulador, definir uma estrutura tarifária e considerar questões locais.

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