Conquistamos todo tempo do mundo. E agora?
Uma empresa parceira me convidou para participar de um projeto para compartilhar pílulas de positividade frente à crise do coronavirus que vivemos. Em tese, seria um desafio simples, só que ao colocar minhas ideias no papel não consegui enxergar tanta positividade como imaginei.
Engraçado como hoje, no meio dessa confusão, estamos com uma única oferta abundante: nosso tempo. Antes era algo escasso e almejado por todos, lembra? Agora que temos todo o tempo disponível, ele acaba instalando um caos interno. Caímos de paraquedas em um relacionamento forçado com nós mesmos e estamos desesperados por não termos um e-book pronto para aprender a lidar com esse vazio e acabar com a dor.
O que fazer com o tédio? O que fazer com o silêncio? O que fazer com esse vazio que todo ser humano tem dentro de si? No “antigo normal”, ele era preenchido por tarefas, encontros, trânsito, reuniões, atividades e mais atividades. E no tal do "novo normal"? Podemos falar que existe algo novo se nem sabemos ainda o que estamos vivendo? O que pode ser considerado novo para mim parece ser a ânsia de voltar para a zona de conforto da alienação criada pela rotina sem tempo. Agora estamos todos tendo que ir de encontro a nós mesmos, o que gera um baita medo. Dá-lhe meditação e Rivotril para lidar com mais uma ansiedade imposta pela sociedade da perfeição.
De qualquer forma, temos essa nova demanda de alienação digital, isolada. A partir disso, pipocam especialistas para trazer ideias do que ser feito, mesmo que nunca tenhamos vivido isso antes. Vida online, gestão de crise, novas ferramentas de trabalho, discussões políticas e politizadas sobre o que é ser humano e como trabalhar sem perder sua humanidade.
A banalização da produção de conteúdo para explicar o inexplicável é cansativa e pouco original na minha opinião. Parece que a solidão e a falta de vida social está deixando as pessoas mais narcisistas ainda e ninguém quer realmente ouvir nada, apenas falar muito, e de si mesmo, principalmente. Assumir imperfeição? Nunca. Agora é apenas mais uma nova oportunidade de mostrar desempenho, ai de quem apenas está apenas sobrevivendo sem realizar nada. Afinal, o tempo tem que ser preenchido de alguma forma produtiva não é mesmo?
Desconfio, por isso, de quem tem certezas demais. De quem se mostra perfeito demais. A única certeza que tenho é que NINGUÉM sabe nada do que está acontecendo e o que vai acontecer. Essa pandemia me escancarou que quem acha que prevê alguma coisa realmente não sabe nada. Pode ser que não estejamos passando necessariamente por um cisne negro, mas diante do ocorrido, todas as previsões que existiam foram para o brejo e todos estamos perdidos sem saber qual será o próximo vilão mundial a se instalar no mundo. Seriam abelhas gigantes assassinas? Não sei. Só sei que astrologia, tarô, futurismo e planejamentos de longo prazo não fazem mais tanto sentido para mim e não farão por um bom tempo.
Ok, mas temos que viver e passar por isso de alguma forma, se for de forma positiva melhor ainda. No entanto, como estou vivendo na incerteza, o que posso compartilhar é uma palavra e ela é mais realista do que positiva: CORAGEM. Coragem de encarar os monstros que surgiram com o tempo livre e tentar fazer uma festa exclusivamente com eles. Coragem para continuar trabalhando, ainda que sem foco nenhum. Coragem para sobreviver, ainda que sem saber o dia de amanhã. Acho que tendo essa coragem para encarar esses medos, temos uma pequena chance de sairmos mais humanos e sabermos lidar melhor com crises no futuro. E, talvez, o que sai de positivo nisso tudo é que com essa mudança de era, poderemos ter o fim da era da perfeição e o início da valorização do banal, conseguindo conviver bem com o vazio que a abundância de tempo nos trás. Aí sim, ficaremos mais bem dispostos para enfrentarmos as crises que vierem pela frente. Afinal, se tudo já é imperfeito, não é necessário se preocupar em tudo dar perfeitamente certo.