A consciência coletiva

A consciência coletiva

Este texto é um pronunciamento de Bert Hellinger em outubro de 2001 num workshop de Kyoto- Japão. (Acompanhado por Harald Hohnen) com os seguintes temas abordados:

* A consciência oculta

* As diferenças culturais entre o ocidente e o oriente

* A Consciência coletiva esquecida

* A vinculação pelo sexo

* A noite escura da alma

* A atitude terapêutica

Podemos aprender muito com as belíssimas falas de Hellinger, que são sempre recheadas de sabedoria e profundidade:

Eu quero dizer algo sobre este tipo de trabalho. É conhecido como constelação familiar. A constelação familiar é um método que visto de fora parece muito simples. Se um cliente tem um problema, é então solicitado a selecionar representantes para membros de sua família e colocá-los uns em relação aos outros. Tão logo isto é feito, os representantes sentem-se como as pessoas que estão representando, mesmo sem saber nada sobre elas. Isto é um fenômeno muito estranho. Se nós o tomamos seriamente, nós temos que dizer adeus a muitas de nossas noções sobre a alma humana.

Eu quero explicar agora algo sobre o que está por trás de importantes insights que vem à luz através neste método.

A consciência oculta

Durante um período de anos eu tenho visto que somos guiados por uma consciência coletiva oculta (inconsciente). Isto significa que os membros de uma família estão sob a influência de uma consciência que é comum a todos eles. Esta consciência é oculta, inconsciente. Eu tenho pensado muito sobre a origem de tal tipo de consciência. Eu imagino que no começo da raça humana, havia grupos pequenos de pessoas, eles viviam em grupos de 20-30 pessoas. Eles todos agiam de um certo modo. Eles TINHAM que agir do mesmo modo para sobreviver. Deste modo, os membros individuais deste grupo, todos eles, olhavam (zelavam) pelo benefício do grupo como um todo. Eles não poderiam manter desejos pessoais que fossem contra o benefício do grupo como um todo. E, de fato, neste grupo, cada membro era importante. Eles não podiam se dar ao luxo de perder um de seus membros. E ninguém podia deixar o grupo sem ficar em perigo de morrer rapidamente.

Assim, houve uma experiência básica na qual todos pertenciam juntos e um dependia do outro. Eles não precisavam pensar sobre o que era certo para eles. Havia uma força oculta que os movia nesta direção. Se eles não devotassem toda a energia para o benefício do grupo, se sentiam mal, se sentiam culpados. Este sentimento os motivava para mudar seu comportamento de modo que eles pudessem novamente devotar toda sua energia para o benefício do grupo como um todo.

As diferenças culturais entre o ocidente e o oriente

Agora compare isto a como nós nos comportamos na cultura ocidental? O povo japonês é também afetado de certa forma por esta cultura? Onde um indivíduo pode dizer: Eu venho primeiro, meu desenvolvimento pessoal vem primeiro. Como a Constituição americana coloca: Cada pessoa tem o direito de ser feliz, todos tem o direito de serem pessoalmente felizes. Vocês veem a diferença? Neste grupo original, todos pertenciam igualmente e está alma comum que os unia zelava para que nenhum dos membros fosse perdido. E ela zelava para que todos os membros estivessem servindo ao grupo como um todo.

Dentro deste grupo havia um outro tipo de lei ou ordem operando. Esta lei dava a cada membro seu próprio lugar dentro do grupo. Havia uma hierarquia dentro deste grupo que se opõe à noção democrática que nós temos dos grupos, usualmente. Neste grupo aqueles que chegaram primeiro tinham o mais alto nível (hierárquico) e aqueles que vieram depois o nível mais baixo. Assim a hierarquia dava a cada membro um lugar de acordo com o tempo que ele ou ela entrou no grupo. Deste modo não havia conflito acerca do lugar próprio de alguém. Todos sabiam seu lugar certo. Mas aqueles que tinham vindo depois progrediam com o passar do tempo atingiam uma posição superior na hierarquia. A criança caçula, por exemplo, tinha o lugar mais baixo, mas quando ela crescesse e se tornasse velha, alcançaria um lugar mais alto afinal. Assim as posições não eram fixas, elas tinham um certo desenvolvimento. Por meio destas duas leis, estes grupos poderiam sobreviver enquanto estivessem entre si.

Mas o que aconteceu quando eles encontraram outros grupos? Subitamente eles tinham de diferenciar entre eles e os outros grupos. Então eles tiveram a noção: Nós somos melhores e os outros não são tão bons. Assim, enquanto antes havia uma igualdade entre os membros e onde tais divisões ou diferenciações não tinham lugar, tais diferenciações foram agora introduzidas.

Após algum tempo, os membros de um mesmo grupo começaram a fazer tais diferenciações. Eles disseram, Eu sou mais importante que outro membro, eu tenho um maior direito de pertencer a este grupo do que ele. Então eles seguiram uma outra consciência que surgia, uma consciência pessoal em oposição àquela consciência coletiva que dirigia o grupo antes. De fato, este é um importante passo para a frente no desenvolvimento humano, sem dúvida. O indivíduo aprendeu a ver a diferença entre si e os outros. Então começou entre os membros do grupo um conflito ou uma competição pelo lugar mais alto na hierarquia. Este desenvolvimento alcançou o seu pico quando as pessoas vieram a entender sua consciência pessoal como a voz de DEUS em suas almas. Assim, quando elas fizeram algo contra o grupo, elas fizeram isto de boa consciência porque elas diziam que sua ação pessoal tinha a aprovação divina.

Agora, porque eu disse tudo isto aqui? O que isto tem a ver com as constelações familiares?

A consciência coletiva esquecida

Por causa do correr do tempo, as regras da consciência coletiva foram esquecidas. Elas foram negadas, na verdade suprimidas. Mas a consciência coletiva, embora inconsciente, ainda está atuante. E porque ela está ainda atuante? Ela vai contra aquilo que as pessoas querem, desejam ou acham que seja certo. Deste modo, quando alguém age de boa consciência e pensa que aquilo que quer é bom, tais ações frequentemente resultam em falha.

E o que é pior, agindo contra as regras da consciência coletiva, as pessoas podem vir a ficar doentes ou ter acidentes sérios ou se tornarem criminosas ou propensas ao suicídio. Como isto atua, vem à luz através das constelações familiares. Deste modo nós podemos entender as constelações familiares somente se nós sabemos algo acerca deste pano de fundo.

De fato, as constelações familiares não apenas trazem à luz estes emaranhamentos, elas também mostram um modo de como resolvê-los. E este é o motivo pelo qual elas têm seu efeito curativo e reconciliador.

Isto foi uma introdução difícil e longa e eu espero agora que vocês estejam prontos para que trabalhemos.

A vinculação pelo sexo

Eu devo dizer agora algo sobre este vínculo. Se há um intercurso sexual entre um casal adulto e ele é sem reservas, uma ligação é estabelecida entre ambos. Eu uso o termo sem reservas para incluir muitas coisas e não desejo ser muito específico. Esta ligação dura uma vida e após ela se estabelecer o casal não pode mais se comportar como se não tivesse acontecido nada. A profundidade do vínculo pode ser vista quando há uma separação. Após tal vínculo eles não podem se separar facilmente. Eles só podem se separar com dor e sentimento de culpa. Se eles se separam e encontram outro(a) parceiro(a) com o(a) qual tem um intercurso sexual também um novo vínculo se estabelece. Mas este novo vínculo é menos intenso que o primeiro. Quando eles se separam a dor e os sentimentos de culpa são menores que antes. Após o terceiro é ainda menor. E assim prossegue. Após algum tempo eles são incapazes de estabelecer uma parceria estável e permanecerão solteiros. Isto pode servir a um propósito especial em relação à evolução talvez. De minha parte não há nenhum julgamento a respeito disto. Com relação ao incesto, abuso sexual e estupro, nós temos que saber que um vínculo também é estabelecido. Mas eu volto ainda para a relação de casal. Se houve um relacionamento e ele foi rompido e os parceiros tomam nova relação com pessoas diferentes, o parceiro anterior será representado na próxima relação por uma criança, a menos que a separação tenha acontecido com amor. Então a segunda relação pode ter sucesso. O mesmo se aplica ao incesto, estupro e caso de abuso sexual. A menos que o vínculo criado seja reconhecido e haja uma separação com respeito e amor os relacionamentos posteriores serão difíceis.

Com relação ao estupro, isto pode parecer muito estranho. Mas as constelações familiares mostram uma imagem diferente (do habitual). Houve uma vez uma mulher que colocou sua família em uma constelação. Ela havia me dito que tinha dificuldades sexuais. Eu disse que não desejava lidar com isto em público. Mas quando ela posicionou a família eu perguntei: Houve algo especial? Ela me disse então: Eu fui estuprada 6 vezes. Deste modo eu selecionei seis homens e os coloquei lá, lado a lado. Então a representante daquela mulher se posicionou em frente de cada um deles e se curvou, reverenciando-os, uns com mais profundidade que os outros. No final, ela se colocou ao lado do último. E disse então: Este é o meu lugar. Muito estranho! Isto vai contra o nosso pensamento moral. Mas as constelações familiares mostram um quadro diferente.

Agora, quanto ao incesto. Se vocês são confrontados com casos de incesto, uma dinâmica muito comum é que a esposa se retira do marido e lhe recusa uma relação sexual. Então, como um tipo de compensação, uma filha toma seu lugar.

Isto é um movimento inconsciente, não é consciente. Mas você vê, com o incesto há dois agressores, um oculto e outro às claras. Não se pode resolver isto a menos que o agressor oculto venha à luz. Há então sentenças muito estranhas que vêm à luz. A filha pode dizer a sua mãe Eu faço isto por você. E ela pode dizer ao pai Eu faço isso pela mamãe. Qual é o efeito dessas sentenças? O incesto não pode mais continuar. Se você quer pará-lo, este é o melhor modo, sem qualquer acusação.

Se você levar o agressor à justiça, então a vítima expiará o que for feito ao agressor. Eu dou um exemplo. Em um grupo, um assistente social relatou um caso de abuso e incesto e ele disse que levaria os agressores à corte. Eu o adverti que isto poderia ser perigoso para a menina. Mas ele se sentiu no direito de levá-los à justiça. Então, depois eu o encontrei e perguntei a ele como estava indo a menina. Ele me disse: Ela sempre está querendo pular pela janela. Este é o resultado da ação justiceira dele.

Para o cliente: E isto também é importante para você.

A noite escura da alma

Eu quero dizer algo sobre a noite escura da alma. Este é um conceito da tradição mística da Europa. Mas ele é muito próximo do pensamento asiático também. Ele significa que eu me refreio de investigar, eu me refreio de qualquer curiosidade. E qual é o efeito disto? Paz para todos os envolvidos. Eu fico em paz. Eu não estou sobrecarregado pelos problemas alheios. E os demais não são mais perturbados por mim. Eu não interfiro de forma alguma nos movimentos de sua alma. Nós ambos podemos então respeitar-nos mutuamente. Se eu agora me entregasse. À curiosidade, eu perderia o respeito do outro. E ele sentiria que eu não o respeito. Assim, este é um bom procedimento. Na verdade, é um não-procedimento. Eu não faço nada. E ainda assim, pelo não fazer nada, eu faço muito.

A atitude terapêutica

Eu quero dizer algo sobre a atitude terapêutica. Ontem, eu trabalhei com ela e eu sabia das consequências, é claro.

Mas eu não interfiro. Eu só parei e esqueci dela. Eu não cuidei mais, não no sentido de que eu não me preocupei mais. Ontem eu trabalhei com ela (e apontou outra mulher), eu parei e esqueci-a. Eu não fiquei preocupado, porque eu confio? Alguma coisa acontecerá. Há forças maiores operando aqui. Nesta manhã esta outra mulher veio aqui e estava pronta para mais um pouco de trabalho. Eu trabalhei com ela e não achei uma solução? Superficialmente nós não achamos uma solução? E eu parei. Após um tempo ela parecia feliz. Eu não sabia porque, eu não perguntei também. Para mim aquilo estava terminado. Não é mais meu assunto e não é mais da minha conta.

Agora ela veio por si mesma, porque a interrupção de ontem liberou algo em sua alma. Ela veio aqui e eu confrontei-a com suas consequências. Quantos de vocês ficaram chocados com o que eu disse a ela? Aquilo foi chocante. Mas foi verdade. É a verdade e não se pode brincar com ela. Aquilo é o que acontece se alguém deseja a morte de sua mãe.

Então eu tentei algo mais e não achei solução. Eu estava preparado para parar sem fazer mais nada. Eu não me preocupei. Então Harald me apontou algo. Ok, havia uma outra oportunidade. Eu tomei-a e nós achamos uma solução. Agora, quem achou a solução? A grande alma achou a solução. A grande alma me dirigiu e a ele, a ela e ao grupo como um todo.

Estas mulheres aqui na constelação, elas foram boas? Elas foram inteligentes? Elas foram competentes? Não, elas foram guiadas por algo que veio de muito além delas mesmas. Elas apenas se permitiram serem movidas. Isto é o porquê de nós termos achado uma solução. Mas não houveram bons terapeutas aqui, nem mesmo Harald foi um bom terapeuta, nem eu fui um bom terapeuta. Nós estivemos em sintonia com algo maior. E esta é nossa grandeza. Você vê quanta confiança é exigida para trabalhar desta forma? Quão cuidados nós temos que ser todo o tempo para que nada interfira (como nossas ideias ou intenções) neste trabalho?

Se você tem esta atitude sem nenhum medo e sem nenhuma intenção pessoal e só se permite ser guiado por algo maior, então você pode fazer este trabalho. Porque não é mais você, é algo além de você e de mim.

Essa tradução do inglês para o português foi realizada com permissão expressa de Bert Hellinger por Décio Fábio de Oliveira Júnior. O trabalho de constelação é uma oportunidade de identificarmos de forma consciente o que está acontecendo com o sistema familiar e empresarial, podendo assim resolver os conflitos a partir das escolhas de cada um. O método identifica os fatores que produzem problemas no sistema de forma inovadora. Mostra claramente os padrões de conduta limitantes repetitivos que perduram muitas vezes por gerações de maneira inconsciente, permitindo assim a tomada de consciência que leva a solução.

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