Considerações sobre a relação entre a função social do Contrato e o princípio da autonomia privada, diante dos valores constitucionais.

Autor: Olympio Garcia Dias Neto

Formação: Pós-Graduando “lato sensu” em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas

 

Diante de tempos cada vez mais radicalizados no espectro político pátrio, deve se ter muito cuidado ao abordar a função social do contrato para não se levar a crer que ele está ligado a ideais de uma facção política. Assim sendo, deve ser realizada uma leve reflexão sobre o seu conceito, para assim demonstrar como é impactado o princípio da autonomia privada.

A expressão “Função Social” pode se levar a uma imensidão de interpretações, das quais muitos podem confundir a palavra “social”, com um sentido diferente de sua definição dogmática[1].

Diante da concepção linguística convencional, a língua é um sistema de signos em que a relação com a realidade é estabelecida pelo homem. Deste modo, a sua realidade varia conforme os seus usos conceituais. Portanto, as palavras devem ser julgadas pelos critérios de funcionalidade, mudando pelo objetivo de quem a define[2].

Seguindo tal premissa, a referida expressão pode ganhar um sentido no campo da zetética jurídica e outro diante da dogmática do direito contratual. Então, como o presente problema se encontra dentro do campo do direito contratual, ele deve ser resolvido por esta área, atribuindo a zetética jurídica uma função meramente auxiliar. Assim sendo, [1] Tércio Sampaio Ferraz ensina que:

 “É verdade que o Jurista teórico, por outro lado, não pode desprezar as investigações a respeito de qual é o direito efetivo de uma comunidade, quais os fatores sociais que condicionam sua formação, qual sua eficácia social, qual sua relevância como instrumento de poder, quais os valores que o justificam moralmente etc. Ou seja, ele vale-se também da pesquisa zetética. Apesar disso, porém, em sua perspectiva prepondera o aspecto dogmático. “ ( SAMPAIO FERRAZ, Tércio, Introdução ao Estudo de Direito: Técnica, Decisão, Dominação, 4ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, p.48-49, 2003).

Portanto para solucionar é importante a interpretação constitucional da “função social”, pois ela une estes dois campos, à medida que a Carta Magna é a expressão dos valores sociais de uma comunidade.

Conforme elucidado no Art. 421, do Código Civil, o Princípio da Função Social do Contrato é uma Cláusula Geral, que visa convergir o interesse privado das partes à finalidade constitucional. Seguindo esta premissa, é inerente aos Negócios Jurídicos que além do interesse das partes, ele deve respeitar os interesses da sociedade[3].

Deve se tomar muito cuidado com esta premissa, pois é possível se confundir, à medida que de uma equivocada compreensão deste princípio, é possível se dizer que ela traria insegurança jurídica para o contrato. Tal entendimento é errado, pois a função social do contrato visa tutelar os valores constitucionais, ou seja, ela legitima a liberdade contratual, conforme bem demonstrado pelos autores Cristiano Farias e Nelson Rosenvald que ensinam:

“Aqui surge em potência a função social do contrato. Não para coibir a liberdade contratual, como induz a literalidade do Art. 421, mas para legitimar a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. Todavia, o ordenamento jurídico deve se submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista às finalidades, eleitas pelos valores que estruturam a ordem Constitucional. Em outras palavras, cláusulas autorregulatórias nascidas da plena autodeterminação das partes e integradas pela boa-fé objetiva serão de alguma forma sancionadas pelo ordenamento – em sua validade ou eficácia -, face à ausência de legitimidade entre os seus objetivos e os interesses dignos de proteção do sistema jurídico.”(FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson, Curso de Direito Civil, 4, Rio de Janeiro: JusPODIVM, p.223, 2018).

Deste modo, a função social do contrato concilia o interesse das partes aos interesses da sociedade, tornando o contrato num fato social que operacionaliza os valores globais. Logo, os modelos jurídicos concretizam determinadas finalidades eleitas pela coletividade[4].

Seguindo este preceito, a autonomia privada é redescoberta pela função social, à medida que a utilidade econômica das partes é condicionada às aspirações éticas do sistema[5]. Seguindo esta premissa, os autores Cristiano Faria e Nelson Rosenvald mostram que:

“A função social se converte em corolário lógico de qualquer ato de autonomia privada, não mais como um limite externo e restritivo à liberdade particular, mas como limite interno hábil a qualificar a disciplina da relação negocial e promover os interesses econômicos nelas consubstanciados, a partir da investigação das finalidades empreendidas pelos parceiros por meio do contrato. “(FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson, Curso de Direito Civil, 4, Rio de Janeiro: JusPODIVM, p.225, 2018).

Portanto, por mais que a autonomia privada esteja limitada pela função social, é correto de se afirmar que ela é legitimada por esta cláusula geral, à medida que a função social é fortalecedora do mercado, pois ela promove a saúde do ambiente concorrencial[6].

 

 

 


[1] Seguindo os ensinamentos do professor Tércio Sampaio Ferraz, a concepção convencionalista é utilizada nos sentidos informativos e diretivos para o jurista, deste modo a definição teórica da palavra deixa de ser guiada para a ação. Deste modo, o sentido da palavra pode ser definido socialmente, mas também como interpretado na doutrina. (SAMPAIO FERRAZ, Tércio, Introdução ao Estudo de Direito: Técnica, Decisão, Dominação, 4ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, p.39-40, 2003).

[2] (SAMPAIO FERRAZ, Tércio, Introdução ao Estudo de Direito: Técnica, Decisão, Dominação, 4ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, p.36-37, 2003).

[3] É importante salientar que os Professores Nelson Rosenvald e Cristiano Farias, ensinam: “atualmente as obrigações revelam uma função social, uma finalidade perante o corpo social. Para além da intrínseca função da circulação de riquezas, o papel das relações negociais consiste em instrumentalizar o contrato em prol de exigências maiores do ordenamento jurídico, tais como a justiça, a segurança, o valor social da livre iniciativa, o bem comum e o princípio da dignidade da pessoa humana. O epicentro do contrato se desloca do poder jurígeno da vontade e do trânsito de titularidades, para um concerto entre o interesse patrimonial inerente à circulação de riquezas e o interesse social, que lateralmente se projeta. “(FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson, Curso de Direito Civil, 4, Rio de Janeiro: JusPODIVM, p.223, 2018).

[4] (FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson, p.224, 2018).

[5] (FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson, p.224 – p.225, 2018).

[6] (FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson, p.225 – p.226, 2018).



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