Construção gentil e pop: uma tendência da arquitetura contemporânea acessível e inclusiva
Crédito da foto: Leonardo Finotti/ Fonte: ArchDaily (sala do Kdu)

Construção gentil e pop: uma tendência da arquitetura contemporânea acessível e inclusiva

A importância do edifício gentil em nossas cidades já foi pauta para um artigo meu.

Gostaria de estender alguns temas relacionados ao assunto para explorar mais sobre ambientes acolhedores.

Edifícios gentis têm um papel fundamental em trazer espaços convidativos às pessoas a permanecerem próximas aos espaços públicos, ou seja, que criem laços com a cidade, que permitam às pessoas experienciar e se relacionar com outras pessoas, objetos, clima, vegetação, praças, edifícios, casas e comércios.

Não é difícil de observar como nossas cidades criam barreiras, muros que limitam e impedem o desenvolvimento da vitalidade urbana. 

Nesses últimos tempos, a forma como é feita a construção de muitos edifícios – de criar apenas artifícios de comunicação visual e muitas vezes apelativas para serem mais chamativas – geram apenas espaços especulativos e segregadores, ao invés de criarem vínculos para integrar o espaço privado ao espaço público.

Deveriam mesclar essas funções do residencial, comercial e ambiental com a sociedade, e também proporcionar uma arquitetura geradora de bem-estar,  produtora de renda e identidade local.

Arquitetura acessível e inclusiva

Se observamos aqueles modernos e grandes edifícios corporativos e inseridos nas regiões mais desenvolvidas, aparentemente, tudo parece estar estritamente relacionado às condições de renda. 

Muitas vezes pode estar relacionado, sim, à renda per capita. Infelizmente. No entanto, não obrigatoriamente segue essa regra.

E quando vemos projetos que buscam atender de uma forma diferente em outro lugar? 

E quando vemos como as comunidades mais unidas, batalham pelo empreendedorismo e pensam em trazer sustentabilidade e preservação de meio ambiente ao seu meio? Pauta que deveria fazer parte da sua realidade.

Em muitos lugares do Brasil, a identidade local está muito bem representada por uma população que não possui as melhores condições de vida, nem na cidade.

Nas mídias, sua voz tem o calor de unidade, cooperação e empatia. Essa voz não é de fachada, está muito bem enraizada à história de vida dessas pessoas.

Para pensar em valores e representatividade de uma boa arquitetura, não se pode ignorar o contexto em que vivemos. 

Para isso gostaria de falar uma forma mais simples e muito comum no nosso dia-a-dia: vamos mixar o pop na arquitetura?

Qual é o seu estilo de música favorito?

Pensando nas músicas mais ouvidas, as mais tocadas são o pop, o funk e o sertanejo. 

Com a propagação de diversos canais de streamings, temos uma grande oportunidade de experimentar e ouvir todos os gêneros de música, além de podcasts e filmes não incluídos na televisão aberta ou fora de cartaz nos cinemas. 

E mesmo podendo optar em ficar dentro da nossa própria “bolha”, sempre haverá outros estilos que estarão em alta: o pop, por exemplo, que representa uma cultura de massa, com suas composições de letras mais simples e melodias mais viscerais.

O popular está no pop

Não é redundância. A cultura pop está diretamente envolvida com publicidade e entretenimento criados para grandes audiências. 

Diferente da cultura popular, que pode ser dita como “toda cultura que emana do povo, da sabedoria popular e das tradições do povo” (IPHAN).

A cultura popular no Brasil foi criada pelas manifestações populares, considerando inicialmente em sua identidade a miscigenação da nossa população: o índio, o negro e o branco.

Através dos contos, lendas, crenças e costumes e que, ao longo tempo, foram compondo com mais outras tradições como: músicas, ritmos, festejos, danças e rituais de diversas partes do país.

Convergências entre as várias formas que definem uma cultura, entre popular e erudito, folclórico ou de massas, demonstram uma forte interação entre essas denominações e percebemos que essa convergência aumenta pela influência socioeconômica, ambiental e política.

De acordo com o artigo A estrela caiu: Relações entre publicidade, cultura pop e a fama, publicado na Revista Extraprensa da USP do autor Guilherme Machado, o pop é marcado por sua efemeridade, aquilo que é não é histórico mas com traços da arte popular.

“Aquilo que se integra à cultura pop é necessariamente algo que tem ou teve grande identificação popular, seja por razões positivas ou negativas, e permaneceu na memória geral, tornando-se referência comum”
(Cristiane Sato)

A arquitetura pode ser pop?

Entendemos que a cultura pop e os produtos que se derivam a partir dela são muitas vezes passageiras. 

Muitas vezes para consumo de baixo custo, muito atraente para um grande público e que gere alta lucratividade.

E com isso, o que me intriga é como consumimos produtos e conteúdos que são constantemente divulgados em nossas redes sociais, justamente por estarmos “imersos em uma sociedade do infoentretenimento, onde anúncios, marketing, relações públicas e promoção são uma parte essencial do espetáculo global”, como é citado no artigo de Guilherme Machado. 

E a conquista do seu público-alvo está fortemente vinculada à publicidade e ao consumo, que se ajustam, se inserem e influenciam em nossos gostos, comportamentos e nossos valores.

Contudo, mesmo sendo tão agressivas essas práticas, também abrimos portas a todos que possam ter seu espaço, expondo novas tendências.

Novas possibilidades de socializarmos com aqueles com quem mais nos identificamos e com as diversas realidades que o “espetáculo” do pop traz: novas perspectivas não somente para os jovens, mas que de certa forma aproximam todas as pessoas da cultura do seu país.

Achei interessante duas reportagens que assisti, uma sobre o rap e outra sobre o pop e o funk, ainda conheço pouco, mas gosto bastante dos seus ritmos.

Pude ver as oportunidades geradas para jovens enxergarem uma nova perspectiva de melhorar a vida, e ainda ajudam as pessoas a se sentirem mais próximas da sociedade.


E agora pergunto: a arquitetura pode ser pop? Aqui não me refiro às tendências, decoração ou de algum produto, mas sim a essa presença que emana da arquitetura.

Há críticas e reflexões que pouco aparecem, mas que muitos comentam “por trás dos bastidores”. Dizem respeito à falta de comunicação que distancia as pessoas, dentro das cidades e que causam ainda mais uma segregação social e enfraquecimento de uma comunidade.

“A arquitetura é uma expressão direta da existência, da presença humana no mundo”, como o Juhani Pallasmaa comenta sobre a perda da comunicação da arquitetura em seu artigo “A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura”. 

Essa vitalidade carrega a essência do projeto e as experiências que vão se construindo ao longo do tempo por meio da arquitetura.  

Um modelo de construção gentil e pop no Brasil

Como expressão viva da "arquitetura pop" no Brasil, gostaria de citar a obra do coletivo LEVANTE/ Casa no pomar do Cafezal,  de Kdu dos Anjos, que ele chama carinhosamente de “meu barraco”. 

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Crédito da foto: Leonardo Finotti/ Fonte: ArchDaily (Kdu em sua cozinha)


Forma simples, autêntica e muito bem pensada desde o uso mais comum e melhor custo-benefício de materiais e sistema construtivo. 

Um projeto muito bem inserido na sua paisagem e contexto do seu bairro, que completam o conjunto de uma boa linguagem da arquitetura, e por isso é merecidamente vencedor de um concurso na categoria Casa do Ano no projeto internacional ArchDaily

Só de ler a notícia, senti uma grande emoção ao ver uma arquitetura pensada na qualidade daqueles que vivem nessa comunidade. Imagine como contagiou as pessoas que vivem lá!

Conclusão:

Pensar em comunicação, mídias e entretenimento e simplificar a linguagem da arquitetura, não seria uma má ideia, certo? 

Venho pensando constantemente em uma forma de falar sobre ambientes acolhedores, de maneira que torne acessível, algo que deveria ser para todos.

Construções gentis não precisam ser representadas apenas em grande escala.

Todos podem contribuir um pouco e espaços hostis não são apenas um problema público. 

Construções simples não seriam necessariamente simplificar tanto a ponto de ser virar um caixote, comprometendo a qualidade para apenas atender o propósito da funcionalidade. 

A nossa vitalidade depende de ritmo, de melodias, de coletividade e de sentimento.


Gostou de conhecer mais sobre esse mix de arquitetura e cultura pop? 

Compartilhe este artigo e nos ajude a difundir essa ideia de uma arquitetura mais inclusiva e acessível para todos!

Mauro Daffre

Diretor na NÓS - Sustentabilidade - ESG - Segurança e Saúde do Trabalho - Negócios - Conselheiro - Palestrante

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Glaucia Ito seus textos são gostosos de ler e aprimoram meus conhecimentos sobre a importância da arquitetura e como ela é importante para a melhor qualidade de vida das pessoas. Você não é apenas uma arquiteta, você é sensitiva e muito humana. Enfim, inspira! Abs

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