Conto "O quintal"​ - princípios da carreira de escritor

Conto "O quintal" - princípios da carreira de escritor

O conto que transcrevo abaixo foi escrito em 1978, quando eu tinha 20 anos de idade, publicado em 1979 no livro "Um prato de comida", pela Editora Oriente, de Goiânia. Comecei a escrever cedo, aos onze anos de idade, com um romance infantil publicado em 1977, pela mesma editora, onde trabalhei como revisor gráfico.

Mesmo aos vinte anos, no conto "O quintal" eu pareço um cinquentão saudoso, melancólico, a recordar o passado. Nesse quintal eu passei a minha infância. Daí o aperto no coração ao vê-lo tão transformado.

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O quintal

Olho a folha seca que cai lenta. O vento sopra suavemente, ventinho gostoso de tarde linda. Canto de pássaros, farfalhar de folhas, o ciscar das galinhas.

         Sentado à sobra das limeiras, pensando na vida, é que noto o quanto mudou o quintal. Tanta coisa diferente que até me assusto. Os anos passaram rápidos, que até me esqueci de deixar de ser criança. Livre, brincando com a natureza.

         Fico observando o quintal canto a canto. Os abacateiros já vão espaço a fora, e a jabuticabeira deixou um pouco de ser anã. As bananeiras diminuíram, as goiabeiras também. As guarirobas e os bacuris cresceram e aumentaram. O enorme gramado, as galinhas devoraram. O mato cresceu junto aos muros, encobrindo-os e esverdeando a paisagem. O buraco que furamos quando pequenos, para se tornar caverna, quase não existe mais. Lixo e folhas secas enchem-no. Onde antigamente era horta, agora, buracos de alicerce de casa, mal começados. Limões caem e me fazem observar que o limoeiro continua o mesmo, apenas mais velho. E bem perto, quase encobertos pela bela parreira, restos de um viveiro de pombos, onde gostava de conversar sozinho. Uma das duas árvores de campo ainda é comprida, sem alguns galhos e a pequena colmeia de "jataís", que caiu com ventanias. As abelhinhas partiram. Das mamoneiras, nem sinal. E o galinheiro, antes tão bem arrumado, com chocadeira e ninhos-escamoteadores, viveiros para pintinhos e galos de raça, todo caído aos pedaços, feio e triste. As gaiolas dos coelhos apodreceram ao tempo, sendo que ainda uma comporta pintainhos. Era bonita a coelheira. Mais de cem coelhos, várias raças, que foram aos poucos acabando, até não ficar um. A amoreira ao lado continua, e também a outra, mais no fundo do quintal. Abacaxi não existe mais. O chuchueiro dá lugar ao mato, e tenta subir numa das goiabeiras. Os "são caetanos" e maracujás acabaram faz tempo. Das enormes e firmes mamas-cadelas resta uma pobrezinha. As mexeriqueiras cresceram e pendem de tão carregadas de frutos. Os cajueiros, vermelho e amarelo, secos e tristonhos, esperam pelos seus. Junto ao galinheiro, esbelta, localiza-se ainda (não muito velha) a caneleira. E das mangueiras duas já foram cortadas para sempre. Três ainda firmes. E minha pobre mangueira, após ser cortada duas vezes, está feia, cheia de tristeza. Perdeu toda a sua beleza, está cada vez mais perto de seu fim.

         O cachorro, quase do tempo de minha infância, está deitado perto de mim. Atencioso e bonito o feroz rei do imenso quintal. Minha bela gata ronrona encostada em minhas pernas, e tenho de dar-lhe atenção. Pareço um velho descansando numa "espreguiçadeira". Ela sobe em meu colo e me faz carinhos. Foi criada com mamadeira, rede para dormir, bolinha para brincar; como criança. E hoje é a rainha desse quintal cheio de recordações, que agora vejo transformado. A natureza da qual faço parte. E não sei como poderei me separar dela, sabendo que nela aprendi a viver, a sofrer, a sentir o quanto vale a Mãe-Terra. E posso dizer sem medo: esse quintal é meu próprio eu.

         É o quintal da ex-rua São Miguel, do número 1023.

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Prof. Maurício Apolinário é gerente de projetos educacionais, licenciado em Letras, especialista em Gestão de Pessoas e Gestão Escolar, e atua como freelancer nas áreas de comunicação e educação. Revisor gramatical.

Tem publicados os seguintes livros: "Bolinha, meu coelho"; "Um prato de comida"; "A arte da guerra para professores"; "Limites na sala de aula: emoções, atitudes e ações"; "Simplesmente namorada -

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