Contos de Buy Now Pay Later & Crediário: Por que compramos parcelado?
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Àqueles ávidos pelos quentes artigos do TechCruch sobre os valuations bilionários disruptores do sistema financeiro mundial com o BNPL (Buy Now Pay Later), um aviso: o BNPL ou Crediary (como vamos carinhosamente apelidá-lo a partir de agora) já é praticado sob diretrizes muito menos tech savvy no Brasil há mais de 60 anos.
As minha felicidade é um crediário das Casas Bahia
De sucesso improvável, nos anos 60, crescia uma pequena loja em São Caetano do Sul adquirida por um judeu refugiado. Na época, com 800 clientes cadastrados a duras penas em caminhadas pelas fábricas da região do ABC Paulista, nascia a “Casas Bahia”.
O perfil de consumo dos primeiros clientes, operários e em grande parte imigrantes da região nordeste do Brasil, era profundamente impactado pela alta inflação que atingiu, em média, mais de 40% ao ano na década subsequente.
Mesmo com o crescimento de dois dígitos ao ano do PIB durante o período de “milagre econômico”(1968-74), a concentração de renda manteve baixo o poder de compra daqueles que dependiam de um salário mínimo.
A oferta de crédito pessoa física dava seus primeiros passos com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) pela democratização do crédito imobiliário, porém o crédito para bens de consumo era praticamente inexistente e içou as velas para oportunidades de flexibilização de pagamentos no setor.
Pensando em aumentar o poder de compra das classes populares e inserí-las no mercado de consumo, o Crediário da Casas Bahia ofertava por meio de um carnê de papel a opção de parcelamento mensal de compras de mais alto ticket de bens de consumo, sob taxas de juros acrescidas ao total da compra.
Diante do crescimento exponencial da sua carteira de crédito, a rede adotou um modelo de crescimento agressivo, inaugurando diversos pontos de venda na região e se tornando a principal alternativa da classe popular nas compras de itens essenciais como colchões e eletrodomésticos.
Surpreendentemente, a inadimplência era controlável, pois se construiu uma dependência entre a rede de lojas e os trabalhadores. Mesmo que não fizessem compras com frequência, eles tinham consciência de que voltariam às lojas para adquirir outros itens essenciais para suas casas no futuro.
O modelo de BNPL/Crediary seguiu em consolidação através das décadas, e, junto ao Special Check (cheque especial), o Pre-dated Check (cheque pré-datado) e o ainda incipiente Credit Card (cartão de crédito) passaram a fomentar uma importante mudança no comportamento do consumidor brasileiro. Em convergência ao pagamento a prazo e parcelado como potencializador do poder de compra e fuga da inflação; o conceito de dívida foi ressignificado, promovendo a alta tolerância ao endividamento.
Até 2004, a rede Casas Bahia financiou totalmente com capital próprio uma carteira de crédito que representava 80% das suas vendas, mais R$ 4,5 bilhões naquele ano. Ao longo da sua história, a marca Casas Bahia foi diversas vezes reconhecida como a mais presente na mente do brasileiro, se tornando parte do single de grande projeção nacional nos anos 80 “Chopis Centis” da banda Mamonas Assassinas.
Quantcha gente com dinheiro de plástico
Em paralelo à cultura de dívida do brasileiro, borbulhava o movimento de cartões de crédito nos EUA e Europa. Focado inicialmente na viabilização de transações de mais alto ticket e internacionais, o cartão de crédito cresceu em frenesi.
No Brasil, porém, teve aderência mais tímida, arrastado por uma população de renda per capita menor, menos bancarizada e suscetível a regras de um recém-instituído Banco Central em busca do controle da inflação.
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A grande virada do jogo então aconteceu nos anos 90, diante da recente estabilização do cenário econômico pelo Plano Real, após a vitória sobre uma forte onda de hiperinflação.
Frente a políticas de estímulo de consumo, delinearam-se campanhas de fidelidade vinculadas a cartões de crédito com investimento massivo dos grandes arranjos de pagamento no território nacional; e popularizou-se um modelo já há muito conhecido pelo brasileiro: o pagamento parcelado - agora em um belo plástico metalizado e “sem juros”.
A valsa perfeita entre o comportamento de consumo parcelado e um meio de pagamento a prazo com fidelidade fez o número de cartões de crédito saltar 10x em um espaço de tempo de pouco mais de cinco anos, tornando os brasileiros portadores de mais de 100 milhões de cartões de crédito nos anos 2000.
Em 2022, cerca de 20% do PIB do Brasil foi transacionado em cartões de crédito, sendo quase 50% disso, ou 1 trilhão R$, representado por compras parceladas. A representatividade de compras parceladas em relação ao PIB dobrou nos últimos 10 anos, fomentando o saldo devedor no cartão de crédito como a principal linha (77,5%) de endividamento das famílias brasileiras.
O mundo em parcelas
Não apenas com o povo brasileiro, o parcelamento marca presença há décadas em diversos países da América Latina com contexto econômico semelhante ao do Brasil, como Argentina, Chile e México; e mais recentemente em todo o mundo.
Impulsionado pela disseminação dos pagamentos digitais, o BNPL ganhou espaço até nas mais nobres economias mundiais como Austrália (com Afterpay, vendida por USD 26bi para a Square em 2021), Países Nórdicos (com Klarna, avaliada em mais de USD 45bi em 2021) e EUA (com Affirm batendo mais de USD 160bi em valuation também em 2021).
Contudo, como já previra Mamonas Assassinas, "roda roda vira, roda roda vêm", e os últimos anos foram marcados por uma grande tempestade no setor. A ressaca da pandemia bateu forte e as mesmas gigantes Klarna e Affirm ficaram marcadas por perderem respectivamente 80% (USD 7.8 bi) e 95% (USD 9 bi) de seus valores de mercado desde 2021 até meados de 2023.
A pandemia expôs ambas empresas e tantas outras startups de BNPL a um ciclo conhecido por nós brasileiros: alta inflação gera altos juros, altos juros geram alta inadimplência, e a alta inadimplência degrada o resultado de produtos de crédito.
Cerca de 4 anos após o início da pandemia, a roda finalmente parece estar voltando a girar. A americana Affirm registrou, pela primeira vez depois de 2 amargos anos, margem operacional positiva e um crescimento de 37% em receita YoY no último trimestre de 2023.
Do crediário de papel ao cartão de crédito, o pagamento a prazo pode estar em iminência de mais uma mudança de paradigma.
Enquanto a disponibilização de crédito se torna mais acessível com a difusão de novas tecnologias; e regulação tem colocado em pauta o capeamento de juros do rotativo, principal fonte de receita do emblemático parcelado sem juros no cartão.
Seria este um tema para o próximo conto?
Product Marketing Manager @Hotmart l Growth | Branding | Product
9 mMuito bom Carol!
Médico
9 mParabéns, Carol! Muito bacana a news!! 👏
Inteligência Artificial na Saúde | Médica | Design | Produto | Farma | Digital | Inovação
9 mParabéns, Carol! Sucesso. Gostei bastante
K2 Trading Partners
9 mMuito bomm!! Parabéns Caroline Sanflorian Pretyman e Júlia S.
Head of Strategic Initiatives, Legal & Compliance
9 mUau, adorei! Excelente 👏