As contradições no discurso Emancipatório de Tiradentes
Inspirou obras literárias, artísticas e produções cinematográficas, foi homenageado em monumentos históricos com direito a feriado nacional... Enfim, se por um lado, as narrativas que foram construídas sobre a figura de Tiradentes variam de acordo com a conjuntura política no país, por outro, é inegável que a dita "História Oficial" se dedicou em consagra-lo como um ícone na luta pela independência e pela democracia no Brasil, representando os valores do "sagrado" século das luzes: igualdade, liberdade e fraternidade PARA BRANCOS, ah.... o iluminismo!
Já no século XIX, a exaltação da figura de Tiradentes, acompanhou a necessidade de se criar um sentimento de identidade nacional. Nesse contexto, várias figuras históricas foram exaltadas como símbolos da luta pela liberdade e pela democracia, entre elas Tiradentes. Já no século XX, foi reconhecido como patrono cívico da Nação Brasileira pelo Decreto nº 5.700, de 9 de novembro de 1946. Ao longo do tempo, a figura de Tiradentes foi sendo cada vez mais valorizada na cultura brasileira. Hoje, dia 21 de abril é feriado nacional no nosso país dedicado a sua memória.
Provavelmente, você já deve ter lido ou escutado a seguinte narrativa:
"Tiradentes é reconhecido na história brasileira como um dos principais líderes do movimento da Inconfidência Mineira, que ocorreu no final do século XVIII. Ele era um militar, alferes (patente da época) e dentista, que mobilizou um grupo de conspiradores para lutar pela independência do Brasil e pela instauração de uma República. Após a descoberta da conspiração pelas autoridades portuguesas, Tiradentes foi preso, julgado e condenado à morte por enforcamento em 21 de abril de 1792. Sua execução teve grande repercussão na época e se tornou um símbolo da luta pela independência e pela democracia no Brasil."
Mas, você já leu ou ouviu falar sobre as contradições do discurso emancipatório de Tiradentes?
Primeiramente, é importante destacar que Tiradentes é uma figura histórica complexa e contraditória, cujo projeto político não incluía a abolição da escravidão. Embora ele tenha liderado a Inconfidência Mineira, um movimento que defendia a libertação do Brasil do domínio português e a implementação de reformas políticas e sociais, é necessário observar que a liberdade, igualdade e fraternidade proposta pelo movimento não era universal e não incluía a luta pela emancipação dos escravizados. Inclusive, Tiradentes tinha a posse de 5 pessoas que foram colocadas na condição de escravas. Ao analisar o contexto histórico e social em que ele estava inserido, podemos perceber que suas ideias iluministas e libertárias eram direcionadas a um grupo seleto e privilegiado de BRANCOS, excluindo os negros escravizados, que representavam a maior parte da população brasileira na época. A figura de Tiradentes como herói nacional, apesar de muito viva no imaginário social, tem sido questionada atualmente por muitos historiadores, uma vez que essa narrativa romantizada não leva em consideração as contradições presentes em seu discurso emancipatório:
"Tiradentes era um defensor da liberdade política, mas não se preocupava com a libertação dos escravos." (Luna, Francisco Vidal Negreiros de)
"O movimento liderado por Tiradentes não tinha como objetivo a liberdade dos escravos, mas sim a independência do Brasil para que os colonos brasileiros pudessem governar sem a interferência portuguesa." (Calmon, Pedro)
"Tiradentes acreditava que a república seria governada pelos homens livres e virtuosos, mas não considerava os escravizados nessa categoria." (Santos, Luiz Antonio)
"Tiradentes não questionava a estrutura escravista da sociedade brasileira e não se preocupava em incluir os escravizados em seu projeto de independência." (Franco, Maria Sylvia de Carvalho)
Portanto, é importante reconhecer que as contradições no discurso emancipatório de Tiradentes já foi destacada por inúmeros historiadores e pesquisadores. Dito isso, então, porque ainda temos um feriado para celebrar Tiradentes como um Herói Nacional?
A luta pela abolição da escravidão foi uma pauta fundamental na história do Brasil, segundo a pesquisadora Angela Alonso, o movimento abolicionista é o primeiro movimento social do Brasil, e teve a participação de muitos personagens importantes, principalmente homens e mulheres negras que jamais tiveram a mesma visibilidade ou importância mesmo que tenham contribuído para a emancipação política e construção dos ideais democráticos.
A luta dos escravizados pela liberdade, igualdade e fraternidade olhou para o Haiti, e talvez por isso, esses sujeitos foram fundamentais na construção de uma luta universal, pela emancipação de todos os grupos marginalizados e oprimidos.
A narrativa histórica deve sempre estar em constante revisão e reinvenção, para que possamos entender melhor o passado e construir um futuro mais justo e igualitário no nosso país.
Recomendados pelo LinkedIn
Por isso, finalizo aqui com algumas figuras negras que tiveram papel crucial na luta contra a escravidão para a construção de uma sociedade mais justa, no entanto, ainda não tiveram o devido destaque na História:
Grande líder do evento histórico que ficou conhecido como "Revolta" da Chibata. João Cândido lutou contra as condições desumanas nos navios da Marinha brasileira e foi um dos primeiros a reconhecer a importância da organização e da mobilização política para alcançar os direitos de TODOS os trabalhadores da instituição. É referido como um herói "pupular", não lhe foi dado o título de herói nacional, muito menos considerado digno um feriado nacional.
Nascido em Cachoeira, região do Recôncavo Baiano, o engenheiro e abolicionista que desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da infraestrutura e da indústria no Brasil, enquanto lutava por uma sociedade mais justa e igualitária. Também não foi consagrado com o título de herói, com direito a grandes obras artísticas, cinematográficas ou feriado nacional.
Carolina Maria de Jesus foi uma importante escritora brasileira que nasceu em 1914 e viveu em uma favela em São Paulo durante a década de 1950. Ganhou destaque por meio de seus diários, nos quais registrava o dia a dia dos moradores da favela em que vivia, bem como suas próprias reflexões sobre a vida e a sociedade. Sua obra mais conhecida é "Quarto de Despejo", lançada em 1960, que se tornou um best-seller no Brasil e em outros países. Foi fundamental na luta por uma sociedade mais justa ao denunciar em seu trabalho as desigualdades e injustiças sociais vividas pelos moradores da favela em que ela vivia. Em suas obras, ela relatava as condições precárias de vida dos habitantes das favelas, falava sobre a falta de oportunidades e educação, criticava a brutalidade policial e a violência urbana, entre outros temas. Sua escrita era marcada pela denúncia do racismo e da discriminação social, o que a faz uma importante voz na luta contra esses males. Será que não merecia um dia para celebrarmos sua memória?
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Luna, Francisco Vidal Negreiros de. Tiradentes: entre a história e a lenda. EDUFF, 2006.2. Calmon, Pedro. História do Brasil: A época colonial – O regime militar. Ed. Civilização Brasileira, 1959.
Santos, Luiz Antonio. Tiradentes: um mártir da liberdade. Edições Loyola, 1996.
Franco, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. Editora Record, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. Pedro Álvares Cabral: um herói sem nenhum caráter. Companhia das Letras, 2019.
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. Editora Record, 1997.
LUNA, Francisco Vidal Negreiros de. Tiradentes: entre a história e a lenda. EDUFF, 2006.
MENEZES, Raimundo Cândido de. Tiradentes herói nacional. Editora Corifeu, 1983.
SANTOS, Luiz Antonio. Tiradentes: um mártir da liberdade. Edições Loyola, 1996.
--
1 aMeus parabéns pela belíssima publicação e por compartilhar conosco o seu conhecimento! 👏🏾💚
Estagiário na Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
1 aLindo de se ler, está cada vez melhor 🩵