Contraponto a Davos, Fórum Social Mundial vem perdendo capacidade de pautar agendas e articulações de impacto global

Contraponto a Davos, Fórum Social Mundial vem perdendo capacidade de pautar agendas e articulações de impacto global

Texto redigido por mim e originalmente publicado no blog Cidadania Fácil, da MGov Brasil.

Em janeiro de 2016, a cidade de Porto Alegre recebeu uma edição temática do Fórum Social Mundial, que celebrou os quinze anos da sua primeira edição. No início dos anos 2000, tratava-se de um encontro de ativistas e militantes de diversas organizações sociais internacionais que se manifestavam contra o neoliberalismo, a globalização, a Alca e a miséria global.

O objetivo de sua criação foi reunir vozes que fizessem um contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Ao longo dos anos, o fórum se descentralizou e foi elaborado em diversos locais do mundo. Neste ano, sua edição vai acontecer no Canadá no mês de agosto. Em Porto Alegre, na prévia da edição global, foram organizadas mais de 500 atividades, entre mesas de discussões, palestras e oficinas.

Os organizadores do fórum também se propuseram a debater as perspectivas para a continuidade desta articulação global. A reflexão já existe há quatro anos, desde que as organizações que integram o Conselho Internacional do FSM (CI) constataram que o espaço vinha perdendo relevância. O mundo mudou bastante neste período, assim como as formas de organização da sociedade civil e movimentos populares. O FSM, entretanto, não conseguiu acompanhar de perto essas transformações.

Em entrevista à Carta Capital, Chico Whitaker, da Comissão Justiça e Paz, um dos construtores do processo do FSM afirma que “vivemos um sistema que está em crise, mas que domina a comunicação global e assim faz todo mundo acreditar que outro mundo não é possível nem necessário, que não há o que se fazer, que não estamos fazendo nada”.

Lúcio Hanai é doutorando em Ciências Políticas e esteve no fórum para acompanhar a temática sobre capitalismo e neoliberalismo. “Foi o primeiro fórum que participei, gostei muito, apesar da minha sensação de que perdeu um pouco o fôlego. Eu esperava encontrar mais discussões sobre o Estado, sobre o papel das políticas públicas. Apesar disso, acho imprescindível que exista, sobretudo nos dias atuais, em que a se percebe a evidência das dificuldades de um sistema neoliberal, sobretudo nos países subdesenvolvidos. O fórum representa um contraponto por colocar em pauta as questões sociais. Acho que esse é o grande mérito e a minha percepção, que foi muito positiva, foi a de que congrega interesses diversos que precisam ser discutidos.

Infelizmente os nossos meios de comunicação tendem a abafar o fórum. Eu achei que a ressonância do encontro foi muito pequena, a questão política e midiática no Brasil vem freando essas questões que são verdadeiramente democráticas. Os grandes meio de comunicação que ainda determinam as pautas das discussões virtuais determinam de uma forma muito hegemônica o que vai ser discutido.

Ele é um movimento democrático e a estrutura de poder que está instalada no Brasil é antidemocrática, fortemente concentradora de poder e renda. Então, dar relevância ao evento significaria estar dando relevância a uma força que seria contrária aos seus próprios interesses. Apesar de toda a diversidade comunicacional hoje, existe uma tendência de abafar esses encontros e o fórum precisa permanecer em pé justamente para congregar essas forças contrárias”.

O Diretor de Coordenação e Meio Ambiente da Itaipu Binacional, Nelton Friedrich, é um dos ativistas e participantes mais assíduos do evento. “Não lembro de ter perdido uma edição, até porque a minha luta é bem anterior a estar na Itaipu”. A empresa apresentou em Porto Alegre algumas de suas iniciativas, como o Cultivando Água Boa (CAB), que é um programa de cuidado com as águas em desenvolvimento no setor elétrico brasileiro, uma iniciativa socioambiental criada com a mudança na missão institucional da Itaipu Binacional.

“O fórum é uma espécie de pulmão novo que veio para agregar sonhadores, visionários, que têm um sentido mais profundo do que significa uma sociedade planetária. Uma cultura de viver bem, de paz, de equidade, de solidariedade e cooperação. Eu tenho a felicidade de ver no fórum um espaço instigante, mas que também realimenta sonhos. É uma injeção de esperança para esse agir transformador" (Friedrich).

"Há muitos que defendem que não deveríamos ficar apenas na consagração, nas discussões e que tínhamos que ser mais contundentes na crítica concreta, na denúncia, falando sobre quem são os causadores dos problemas e já propor alternativas completas. Há um desejo muito grande de que o fórum continue, a grande questão é encontrar uma maneira de dar força às diversidades mantendo uma unidade em cima do objetivo macro. Já tivemos um momento muito mais áureo, com muito mais pessoas participando. Isso acontece, de ter altos e baixos, mas não se perde a extraordinária importância para o Brasil e para o mundo inteiro de ter a oportunidade de explicitar conquistas”.

Depois de quinze anos, o mundo está diferente – e o fórum também. Se antes a resistência ao neoliberalismo se sobressaía, hoje ela divide cada vez mais espaço com bandeiras como a defesa ambiental, por exemplo. O militante João Paulo Angeli foi proponentes da oficina ‘Juventude rumo ao Fórum Mundial da Água 2018’. João integra o Parlamento Nacional da Juventude pela Água e como parte dos movimentos sociais, diz que o “fórum tem uma grande importância de mostrar que os movimentos estão em ação. São muitas ações e a quantidade de atividades do fórum prova isso. Estamos trabalhando muito, o tempo todo. É uma prova de que os movimentos estão na rua, estão na luta”.

Afirma também que o fórum foi um grande espaço de diálogo da sociedade civil, dos movimentos sociais, mas também foi um espaço de luta política:

"Muito se falou sobre o golpe, da questão da quebra da democracia, do Fora Cunha, do Fica Dilma, todas essas questões políticas que estão envolvendo o país nesse momento. Acho que isso impediu que o fórum caminhasse um pouco. Uma das questões do fórum era se um novo mundo é possível. Sim, nós acreditamos que um novo mundo é possível, mas, por exemplo, não se discutiu esse novo mundo. Em geral, eu diria que o fórum precisa avançar, caminhar em outros sentidos. O fórum está se esvaziando, e isso é uma reflexão de alguns que já estão há muito tempo nele. E preciso buscar novos horizontes para que se crie um novo fórum” (Angeli).

Sobre a multilateralidade do evento, Lúcio Hanai acescenta: “O fórum tem esse caráter mais abrangente, e ele precisa ter, porque mais do que criar algo concreto, ele precisa direcionar e apontar os caminhos e possibilidades. Tratar o fórum como algo pragmático no sentido de ter uma vocação de elaboração de políticas não caberia naquele espaço necessariamente. Ele tem um caráter de levantar temas e sugestões para serem tratadas por especialistas, ou ‘políticos profissionais’, e muitos desses estavam presentes,  buscando saber quais são as novas demandas".

"Acho que o fórum não alcançaria essa finalidade mais pragmática do ponto de vista de políticas públicas, porque o caminho delas exige uma outra estrutura, inclusive de poder e de autoridade. Do ponto de vista da formação da agenda, que talvez seja o primeiro passo para uma política pública, acho que o fórum é fundamental” (Hanai).

 

Com informações do Jornal Zero Hora, do site Cultivando Água Boa e Carta Capital.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos