CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - UNIDADES PRODUTIVAS, CISÃO, FUSÃO E INCORPORAÇÃO

A atual crise estrutural pela qual o País tem atravessado nos últimos anos criou para as empresas uma difícil situação econômica e financeira tudo por conta de uma legislação obsoleta tendo em vista ter ela atingido patamares capazes de levar uma empresa à insolvência.

Hoje foi noticiado que o número de pedidos de recuperação judicial no estado do Rio de Janeiro teve um aumento de 524% entre 2016 e 2017. Nos três primeiros meses deste ano, os pedidos de recuperação judicial no Rio já chegam a 126.

As normas legais que regem as relações de trabalho e tributárias levaram as empresas a acumular um considerável passivo trabalhista e tributário.

A Lei 11.101/2005 que trata da recuperação judicial e falência das sociedades trouxe grandes avanços do novo sistema concursal, permitindo que sócios e administradores de empresas analisem o melhor momento e os meios mais indicados para a superação da crise utilizando-se dos favores legais. Dentre os meios possíveis enumeramos alguns a seguir:

a) cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade;

 b) constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

 c) alteração do controle societário;

 d) substituição, total ou parcial, dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

 d) concessão aos credores de direito de eleição, separado de administradores, e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

 e) aumento de capital social;

f) redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.

g) venda parcial de bens.

Ainda nos dias atuais os administradores das empresas relutam em enxergar o momento adequado para buscar essa ajuda da esfera judicial visando o reequilíbrio da situação econômico-financeira das empresas, vindo buscar tardiamente o auxílio da justiça, momento que muitas das empresas já estão beirando a insolvência.

No entendimento de Ayoub e Cavalli [1] embora não seja suspensa a execução fiscal pelo deferimento do processamento da recuperação judicial (art. 6º, § 7º da LRF) e, também, não possa o plano de recuperação dispor acerca do crédito tributário, a recuperação pode vir a afetar o crédito tributário de duas maneiras. A primeira consiste na possibilidade de alienar-se bem imóvel da empresa devedora na fase de processamento da recuperação (art. 66 da LRF), dispensando-se a apresentação de certidão negativa de débito tributário (art. 52, II, da LRF). A segunda maneira consiste em que o plano aprovado e homologado pode dispor sobre a venda parcial de bens ou alienação de unidades produtivas isoladas. Vale dizer, o plano de recuperação, ao prever sobre a alienação de ativos, modificará a composição dos ativos, presentes e futuros, que respondem por todas as obrigações do devedor (art. 391 do CC/2002 e art. 789 do NCPC. (art. 591 do CPC/1973).

Nesse mesmo sentido, Salomão e Penalva [2] ressaltam ao citar a lição do Professor Fábio Ulhoa Coelho ao comentar a decisão do STF que julgou improcedente a ADIN 3.934/DR, opinando pela constitucionalidade do art. 60 da Lei 11.101/2005, que prevê o afastamento de qualquer passivo, inclusive o trabalhista se o plano de recuperação aprovado envolver alienação de unidades produtivas isoladas.

No mesmo sentido é o estudo do Professor Luís Roberto Barroso sustentando a constitucionalidade do referido dispositivo legal.[3]

b) Ao editar os arts. 60 parágrafo único, e 14, II da Lei nº 11.101/2005, o legislador considerou o amplo debate produzido pelo Executivo, no Legislativo e na sociedade em geral, sopesou os princípios constitucionais em jogo e elegeu opção inserida em seu espaço legítimo de conformação. A previsão de não sucessão de dívidas trabalhistas – que se alinha a disposições encontradas na legislação comparada – é capaz de promover a continuidade da empresa, preservar empregos e arrecadar um volume maior de recursos, destinado ao pagamento de eventuais dívidas pendentes, inclusive de natureza trabalhista. A opção do legislador brasileiro, portanto, não é caprichosa, irrazoável ou desproporcional, não havendo aqui qualquer inconstitucionalidade material de opção legislativa.

Embora a Lei 11.101/2005 no seu artigo 50 inciso I enumere a utilização dos institutos da cisão, fusão ou incorporação como um dos meios para a superação da crise e já considerando que empresa que se encontra em situação de crise econômico-financeira, frequentemente possui passivo tributário acima de sua capacidade, os tomadores de decisão devem avaliar as reais possibilidades que melhor se apresentam para realização de seus ativos, pois em nem todos os casos as responsabilidades trabalhistas e tributárias estarão excluídas.

A responsabilidade tributária na transformação, na fusão e na incorporação tem previsão legal prevista no art. 132 do CTN. A doutrina entende que nesses casos a responsabilidade tributária é a mesma do direito privado, tendo em vista que a sociedade que resultou de qualquer dessas modalidades de reorganização sub-roga-se nas obrigações e nos direitos da sociedade transformada, incorporada ou fusionada. Portanto, mesmo que haja aprovação no plano de recuperação de algumas das hipóteses vista acima não logrará ela os benefícios de natureza trabalhista e tributária.

Já sobre o instituto da cisão as doutrinas, na seara do direito tributário, divergem a respeito da aplicação do art. 132 do CTN. A matéria suscita opiniões controversas de importantes doutrinadores uma vez que o CTN não cuida da sucessão tributária no caso de cisão.

O instituto da cisão não era regulado nem pelo Decreto-Lei 2.627/1940 (Lei de Sociedade por Ações) nem pelo Código Civil de 1916.

Foi através da Lei 6.404/1976 que tratou pela primeira vez da cisão, regulando os artigos 233 e 234 os direitos dos credores na cisão.[4]

Já para os casos de cessão parcial Luciano Amaro tem entendimento de que o protocolo de cisão, nos termos da Lei 6.404/1976, pode excluir a solidariedade, valendo, portanto, a regra estipulada no protocolo quanto à responsabilidade pelas obrigações anteriores à cisão. 

Corrobora esse entendimento Vanilda Fátima Maioline Hin, sobre aplicação do art. 133 do CTN:[5]pondera, também, que o legislador, na Lei Complementar nº 118/2005, poderia ter incluído no seu texto nova redação ao art. 132, para nele prever expressamente a hipótese da cisão. Se tal não ocorreu, cai por terra toda a argumentação da doutrina e da jurisprudência anterior à vigência da Lei Complementar 118/2005, de que não seria possível o CTN tratar de um instituto que à época não tinha previsão legal.

Por fim, temos a ALIENAÇÃO DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA – considerado um dos meios de recuperação mais importantes e consiste na alienação ou arrendamento de unidades produtivas isoladas, prevista no art. 50, VII da LRF. 

Com jurisprudência consolidada, pode-se afirmar que a disciplina da alienação ou arrendamento de unidade produtiva isolada na recuperação judicial é bastante distinta daquela relativa ao contrato de trespasse.

O principal aspecto distintivo entre o contrato de trespasse e alienação de unidade produtiva isolada diz respeito à disciplina da sucessão em dívidas com fornecedores, com empregados e com o Fisco. 

A matéria já foi objeto de análise também pelo STF que afirmou a constitucionalidade do art. 60, § único, da LRF.

Com base na decisão proferia pelo STF, o STJ tem reconhecido a não sucessão no passivo trabalhista em caso de alienação de unidade produtiva isolada.[6]

A ausência de sucessão em obrigações sejam elas trabalhistas, tributárias ou com demais credores, foi objeto do Enunciado 47 CJF, elaborado por ocasião da Primeira Jornada de Direito Comercial.

Logo a importância da análise por parte dos empresários, mesmo antes da decisão de buscar o favor legal da recuperação judicial, da escolha dos meios que podem levar as empresas a se recuperarem, permitindo a melhor preservação do patrimônio dos sócios, dos direitos dos trabalhadores, fornecedores e o Fisco.

Com a eliminação da sucessão tributária o comprador se livra da insegurança jurídica e traz para a empresa em recuperação judicial, uma alternativa a mais, pois torna viável a venda de ativos para obtenção de capital para dinamizar seus negócios.

Obras Citadas

Cássio Cavali, Aayoub Luiz Roberto. (2017). A construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial das empresas. Rio de Janeiro: Forense.

2 - Paulo Penalva Santos, Luiz Felipe Salomão. (05.06.2017). Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência,. Rio de Janeiro: Forense.

3 – Barroso, Luiz Roberto Professor. Revista Semestral de Direito Empresarial, 2009. P.93-94

4 – Pedreira, José Luiz Bulhões. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia. Forense. Pag.1741.

5 – Vanilda Fátima Maioline. Responsabilidade Tributária na Falência e na Recuperação Judicial

6 – STJ no CC 115.255,2ª Seção, j.27.04.2011, v. u. rel. Min. João Otávio de Noronha. Julgamento ADI 3.934.

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