Créditos Futuros Cedidos Fiduciariamente: Ausência de Individualização Não os Torna Concursais na Recuperação Judicial

Créditos Futuros Cedidos Fiduciariamente: Ausência de Individualização Não os Torna Concursais na Recuperação Judicial

Introdução

 

No contexto das recuperações judiciais, a questão da individualização dos créditos futuros cedidos fiduciariamente é um ponto de considerável debate jurídico. Em recentes decisões, os tribunais têm reiterado que a falta de individualização desses créditos não invalida a garantia fiduciária, tampouco submete tais créditos aos efeitos da recuperação judicial. Este artigo explora os fundamentos legais e jurisprudenciais que embasam a desnecessidade de individualização dos créditos futuros cedidos fiduciariamente.

 

Contexto Legal

 

A Lei nº 11.101/2005, que rege as recuperações judiciais e falências no Brasil, estabelece no art. 49, § 3º, que o crédito garantido fiduciariamente por bens móveis ou imóveis não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Isso inclui os créditos futuros cedidos fiduciariamente, mesmo quando não há a individualização específica desses créditos no momento da cessão.

 

A norma é complementada pela Lei nº 4.728/65, cujo art. 66-B, § 1º, que prevê que a cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova da identificação do bem do seu domínio quando o bem ou a coisa cedida não puder ser identificado por número, marca e sinais no contrato de alienação. Assim, Sacramone defende que a “identificação dos bens, dessa forma, deverá ser a mais específica, mas dentro do possível.” (“Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e Falências.” 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 228.)

 

Fundamentação Jurisprudencial

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que a individualização dos créditos futuros cedidos fiduciariamente é desnecessária (STJ, (AgInt no REsp n. 1.967.040/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 19/10/2022.). A jurisprudência reconhece a dificuldade prática e a inviabilidade de se discriminar individualmente cada crédito futuro no momento da cessão fiduciária, especialmente em contextos de alta volatilidade comercial.

 

Certo é que no ambiente dinâmico das relações comerciais, a exigência de individualização de cada crédito futuro tornaria a cessão fiduciária impraticável. A massificação e a agilidade das transações comerciais exigem um tratamento mais flexível para garantir a eficácia das garantias fiduciárias. Dessa forma, os tribunais reconhecem que a identificação específica de cada crédito não é viável, mas isso não compromete a validade da cessão fiduciária e tampouco sujeita tais créditos aos efeitos da recuperação judicial.

 

Em decisão recente, o TJSP afirmou que desnecessidade da discriminação individualizada de todos os títulos representativos do crédito para perfectibilizar o negócio fiduciário, ante a inexistência de previsão legal e a impossibilidade prática de determinação de títulos que eventualmente não tenham sido emitidos no momento da cessão fiduciária, e deu provimento ao recurso do banco credor para fins de reconhecer a extraconcursalidade do crédito. (Agravo de Instrumento n° 2008822-07.2024.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator(a) J.B. Paula Lima, julgado em 01/08/2024, publicado em 02/08/2024).

 

Conclusão

 

A desnecessidade de individualização dos créditos futuros cedidos fiduciariamente reflete a adaptação do direito às realidades práticas do mercado. A jurisprudência e a legislação vigente oferecem uma abordagem que equilibra a proteção dos direitos dos credores com a necessidade de viabilizar a recuperação judicial das empresas, sem criar obstáculos desnecessários ou inviáveis para a cessão de créditos futuros. Este entendimento contribui para a estabilidade e previsibilidade nas relações comerciais e financeiras, essenciais para o desenvolvimento econômico.

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