Crônicas do retalho III - O mercado Pet
Loja Petz - SP

Crônicas do retalho III - O mercado Pet

A visão de um varejista brasileiro sobre o retalho português.

Fazer compras num país diferente é sempre uma experiência para qualquer um, ainda mais para quem trabalha no ramo do varejo. Primeiro, pelo ponto de vista de cliente, mas também, no ponto de vista do profissional do ramo. O jeito como se compra, o que compra e como se compra remete a cultura e a história de cada povo. A ideia aqui é de forma simples, relatar um pouco do que vejo nessa minha transição do Brasil para Portugal. Afinal, o que o retalho e o varejo tem de diferentes?

Mercado pet: a tão falada experiência de compra e a loja física

Era uma tarde de outono chuvosa e fria em Santarém, eu estava de folga no trabalho e simplesmente não aguentávamos mais ficar em casa.

_ Vamos dar um passeio em Lisboa? Disse a Carla e levamos elas naquele shopping que você disse que aceitava cachorros.

_ Sim, vamos. Assim, todo mundo vai junto e também distraímos elas.

Saímos, pegamos a estrada até Lisboa, cerca de 60 km de Santarém e chegamos ao shopping Alegro. No site havia bastante propaganda de como se adaptaram para ser pet-friendly. Nossas cachorrinhas, Lisa e Guia, animadas, desde o estacionamento. Guria, percebia logo que era mais um shopping e ficava empolgada com seu rabinho balançando, provavelmente lembrando dos passeios no Recreio, Rio Design, Iguatemi POA ou no Park Shopping Canoas.

Não durou muito, logo após chegarmos, fomos ao balcão de informações, pois havia lido que era necessário fazer um cadastro /ficha dos cães. Lá , fomos informados que para circular com elas, teríamos de ter documentos de vacinas e mais um seguro de responsabilidade !!! As carteirinhas de vacinação até tínhamos, mas um seguro ?! Não, isso não tínhamos mesmo e fomos informados que sem ele, não poderíamos ficar no shopping. Um desânimo muito forte nos pegou e somente estendemos um pouco a visita para ir aos banheiros / casa de banho. Nisso, um segurança já veio atrás informando que tínhamos de nos retirar. Cheguei a me irritar. Saímos e nunca mais voltamos a nenhum shopping com elas em Portugal.

Nesse dia voltamos no carro e lembrando com saudades o como era legal andar com elas nos shoppings e literalmente vê-las nos puxando para as Cobasis ou Petz, já existentes em muitos estabelecimentos Brasil afora. Guardando as devidas proporções, era como levar criança a loja de brinquedos. E óbvio, sempre acabávamos levando algum brinquedinho novo.

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Do ponto de vista de negócios, fiquei pensando: Por que será que apesar de tudo, não vi nenhum outro cachorrinho no shopping?

A resposta é quase que óbvia, mesmo levando em conta as diferenças culturais: o tal seguro. Fui me informar o quanto seria. Para nossas duas cachorrinhas, ficaria em torno de 25 euros, as duas, pago anualmente. Não achei caro, mas achei extremamente desnecessário.

A pergunta que me fiz era: Por que o shopping não fazia o seguro ele mesmo e assumia os riscos?

Seria muito mais convidativo e (aqui um adjetivo forte) menos hipócrita da parte deles. Além disso, imaginem ser o único shopping da grande Lisboa a aceitar cães. As possibilidades de rentabilizar isso e trazer um fluxo de clientes diferente para os lojistas seria enorme, assim como alguns no Brasil já entenderam.

Fui pesquisar um pouco sobre o mercado pet em Portugal e acabei descobrindo um mercado completamente adormecido e ainda subdesenvolvido. Aqui, não existem lojas como a Petz ou Cobasi e nem mesmo um pet-shop em cada esquina. Seria justificável, se os números não mostrassem uma realidade contraditória. Segundo pesquisas recentes 56% dos lares portugueses possui em animal de estimação em casa. A grande maioria são cães, seguidos pelos gatos. Estamos falando de uma população de aproximadamente 6 milhões de Pets ! A mesma pesquisa, perguntou como os donos de animais viam seus pets e no caso dos donos de cães. 51% responderam como um membro da família e 7%, como um filho. E ainda assim, não existem lojas de grande porte para comprar artigos ou simplesmente passear com seus cães. A maior parte das lojas com grande variedade de artigos são virtuais e em muitos casos espanholas, com sites , inclusive, mal traduzidos. O mercado Pet de grande e média superfície, aqui, ainda está misturado a lojas de produtos agrícolas, como o caso da Agriloja e mesmo (pasmem) ao mercado de bricolagem, como no caso do Bricomarché. Mas não, nem pense em entrar com seu cão nessas lojas ! Já no Brasil, veja a contradição, a Leroy Merlin, que nem vende produtos para os Pets, tem um carrinho especial para quem vai com eles.

Ainda me lembro de quando fui a Cobasi da Barra no Rio de Janeiro pela primeira vez com elas. Um verdadeiro passeio da família. Na mesma loja, artigos para cães, gatos, pássaros, peixes, exóticos e plantas em quantidade e variedade. Além de serviços de banho e tosa /tosquia. Hoje, passados, menos de 10 anos, e Cobasi e Petz dominam o mercado de médias e grandes superfícies, ambas com mais de 100 lojas em vários estados do país e muitas superando facilmente os 2000m² de área. A Petz, inclusive, abriu capital na bolsa de valores e agora deve partir para um plano de expansão ainda mais ambicioso. Ambas operam de forma bastante digitalizada e omnicanal, com operações de clique e retire e sites extremamente funcionais. Além disso, funcionam como empresas plataforma e marketplace. Nas lojas, além do produto físico, geralmente há farmácia, clínicas veterinárias e até entretenimento para pets e seus donos. Nem sempre, esses estabelecimentos são das empresas e sim de terceiros que alugam o espaço. Isso é agregar valor e fazer uma experiência de compra diferenciada. Coisas que só são possíveis, com a tantas vezes morta, loja física.

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Logo depois, com vários shoppings abrindo lojas dessas redes, a consequência imediata foi liberar o acesso dos Pets. E assim populares ou elitizados, de norte a sul, os centros comerciais foram se rendendo e ganhando novos clientes. Sem burocracia e principalmente, sem seguros obrigatórios. Em pouco mais de 4 anos, Lisa e Guria, conheceram pelo menos uns 10 shoppings entre Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e com certeza estiveram entre as maiores consumidoras da nossa família nesses locais. Pois apesar de não terem o poder de compra, elas tinham o poder de nos manipular para comprar aqueles brinquedos, ossinhos ou petiscos. E muitas vezes, especialmente dias frios e chuvosos, como não faltam no inverno português, nossos passeios no Brasil eram de família inteira em shoppings petfriendly.

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É esse mercado, que movimenta milhões diariamente e que tende a crescer ainda mais, que os retalhistas portugueses parecem ainda não ter percebido. Mesmo os gigantes nacionais como Jerônimo Martins e Sonae, ainda não parecem ter nenhum iniciativa verdadeira para aproveitá-lo. O Sonae até tem a Zu, mas é um formato muito pequeno e pouco divertido, por assim dizer. Mais irônico ainda, a Sonae é uma das maiores administradora de shoppings do Brasil. Como ainda não trouxeram essa visão para cá? Enquanto isso, redes espanholas, que operam principalmente no on-line em Portugal, vão chegando: Tiendanimal, Kiwoko já ensaiam alguns passos em terras lusas com poucas e dispersas lojas. Até quando o retalho português ficará esperando a oportunidade passar? Será que os Pets “tugas” não merecem mais? Petz e Cobasi, não querem atravessar o oceano?

Em breve, mais crônicas do retalho.

Parabéns pela reportagem. Estou a passeio em Ericeira, sou Brasileiro, no meu consumo diário tenho algumas dificuldades na linha de visão do comércio português. Estranho não haver quase nada do Brasil........?

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