CRÔNICAS DO subSOLO | Arte
Maureen Bisilliat

CRÔNICAS DO subSOLO | Arte

As mãos da moça mais pareciam um baile. Numa dessas sorveterias sofisticadas, ela estava somente usando uma pá para tirar o sorvete de uma bandeja e colocar numa frágil casquinha, mas a coisa tinha ares de arte.

A destreza da moça, aliada ao ar concentrado, sem ser sisudo, transmitia uma sensação de segurança. A leveza dos movimentos antecipava o paladar, fazendo-o ficar mais saboroso ainda antes de ser provado.

A primeira vez que sentiu precisar de arte foi com a esposa. Dia desses ela chegou tão estressada da vida que mal lhe falou. Já foi dizendo “O que eu mais preciso agora é de uma poesia”.

Anos atrás ele tentou se livrar, mas não conseguiu. Com parentes vindos de fora da metrópole, combinaram uma visita ao museu, uma exposição de arte daquelas que não se podia perder. Por ele, perderia sem problema, mas todos queriam ir, não teve como fugir.

Ficou andando a esmo em meio às peças na esperança fútil de que o tempo poderia passar mais rápido assim. Tolice. Foi quando.

Foi quando se deparou com uma escultura. Sem saber o motivo, ficou ali, olhando. Em um minuto, já não estava olhando, estava apreciando. E, depois de apreciar, começou a admirar.

Tentou imaginar como o artista tinha produzido aquela escultura, mas nem se deu ao trabalho. Optou por se deixar levar, por ouvir as ressonâncias que aconteciam dentro dele sem que soubesse o que era ou que faziam. Mas faziam. O mundo dele, de algum modo, ficou maior por causa daquela arte. Guardou para sempre a memória desse momento.

Lembrou das mãos bailantes da moça da sorveteria. Lembrou do olhar ansioso, mas esperançoso, do estagiário novo e caprichoso. Lembrou do jeito que sua assistente tinha de falar coisas importantes de maneira suave sem perder a urgência. Lembrou da letra bonita, caprichada, da recepcionista, que davam a ideia de serem desenhadas num quadro.

Depois daquela escultura, ele ficou mais humano, mais sensível aos detalhes, mais interessado nas pessoas em suas circunstâncias.

Hoje, ele e a esposa leem poesia juntos, quase todo dia. Resolveram que não precisariam estar a ponto de estourar na vida para ampliar seu mundo.

E o mundo dos que os cercam.

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