Cuidados na colocação em funcionamento dos Sistemas de Água
Após várias semanas fechados e sem utilização muitos sistemas de água retomarão o seu funcionamento no decurso dos próximos dias. Não sendo de estranhar que a ênfase esteja na proteção individual e desinfeção de superfícies para permitir minimizar o contágio por COVID-19, é essencial que não sejam esquecidas as boas práticas para recolocação em funcionamento dos sistemas de água. Ignorar este ponto é correr o risco de estar a prevenir por um lado e a ‘estragar’ pelo outro – o risco de proliferação de Legionella aumenta com a recolocação em funcionamento de sistemas de água.
Sistemas de água incluem não só as redes de água de edifícios (hospitais, hotéis, laboratórios, clínicas, ginásios, etc), mas também todos os equipamentos associados passíveis de produzir aerossóis (torres de refrigeração, fontes ornamentais, sistemas de rega, equipamento de dentista, etc).
A Legionella é uma bactéria que quando transportada por pequenas gotículas de água aerossolizada é passível de ser inalada e pode causar a Doenças dos Legionários – uma forma de pneumonia grave. Na Europa os dados indicam que morre 1 em cada 10 pessoas que contraem a doença e nos Estados é a causa nº 1 de mortes ligadas à água[1].
Porquê pensar em Legionella em altura de COVID-19?
Esta também é uma altura de pensar e agir relativamente à Legionella, por um lado porque os grupos de risco mais suscetíveis de contraírem a Doença dos Legionários são pessoas acima dos 50 anos, com outros problemas de saúde associados (uma realidade potenciada nesta altura COVID-19) por outro lado o fecho e/ou o uso restrito de partes dos edifícios levanta questões associadas à estagnação da água, a padrões irregulares de consumo e muitas vezes a um ‘relaxar’ na implementação das boas práticas de gestão das redes e sistemas de água dos edifícios – fatores que favorecem a proliferação de microrganismos patogénicos como a Legionella pneumophila. Sendo certo que esta situação de utilização ‘sazonal’ não inédita[2], é importante que se tenha atenção que a quantidade de sistemas que irão ser recolocados em funcionamento, muitos dos quais sem os adequados procedimentos de encerramento ou de manutenção durante o período em que estiveram fechados, são uma acrescida fonte de risco.
Adicionalmente, existem estudos da China[3] que sugerem que pacientes COVID-19 possuem um risco acrescido de contrair uma segunda infeção, nomeadamente por patogénicos ligados à água como a Legionella, durante ou alguns meses após a recuperação[1].
É também importante que tenhamos presente o Decreto Lei 52/2018 que estabelece o regime de ‘Prevenção e Controlo da Doença dos Legionários’ e que, apesar de carecer de um conjunto clarificações em sede de portaria, é inequívoca na responsabilização dos responsáveis das instalações / equipamentos para garantirem a implementação das medidas de controlo apropriadas que permitam ‘prevenir o risco de proliferação e disseminação de Legionella’.
O risco de Legionella e a estagnação de água
A ligação entre a proliferação de Legionella pneumophila e a estagnação de água em sistemas de água é bem conhecida e cientificamente documentada [2,4]. Em períodos de menor ou nenhuma utilização, a qualidade da água deteriora-se química (especialmente associada à corrosão) e microbiologicamente. Estas condições de estagnação, promovem a diminuição dos níveis de desinfetantes, favorecendo o crescimento de microrganismos e a sua acumulação nas superfícies (tubagens da rede ou de equipamentos, reservatórios, etc) sob a forma de biofilmes - fatores chave para o crescimento, proliferação e persistência de patogénicos associados com a água, tais como a Legionella pneumophila ou a Pseudomonas aeruginosa.
E, então o que fazer?
O grupo de estudo das Infeções de Legionella da ESCMID [2] – European Society of Clinical Microbiology and Infectious Disease, lançou recentemente um pequeno guia prático onde elenca alguma das questões a ter em conta no encerramento e no arranque de sistemas de água. A leitura deste guia permite, em complemento ao plano de avaliação e mitigação de risco de cada sistema e às diretrizes da Direção Geral de Saúde em vigor, sistematizar uma abordagem para a recolocação em funcionamento dos sistemas de águas. A ênfase, é colocada na desinfeção prévia à utilização das instalações das redes de água quente (por elevação de temperatura) e da água fria (por aumento dos teores de cloro), na monitorização dos parâmetros de controlo (temperatura e residuais de desinfetante) nos pontos sentinela e na pesquisa e quantificação de Legionella, 48 h após o término dos procedimentos de desinfeção.
Para equipamentos de dentistas (muito relevantes devido ao seu potencial de aerossolização) dever-se-á também consultar o guia ‘ESGLI GUIDANCE FOR MANAGING LEGIONELLA IN DENTAL PRACTICES DURING THE COVID-19 PANDEMIC’ com orientações específicas para a recolocação em funcionamento de sistemas.
O COVID-19 veio-nos trocar as voltas, e colocou-nos a todos um inigualável conjunto de desafios de saúde pública. No entanto, enquanto responsáveis pelos sistemas de água não podemos descurar o nosso dever de manter as na minimização do risco de Legionella para todos os utilizadores.
[1] ESGLI Guidance for managing Legionella in building water systems during the COVID-19 pandemic, accessed 02/05/2020
[2] Caitlin R. Proctor et al. (2020) Considerations for Large Building Water Quality after Extended Stagnation, preprint version uploaded at April 8, 2020
[3] Xing, Q. et al., (2020) Precautions are Needed for COVID-19 Patients with Coinfection of Common Respiratory Pathogens, medRxiv preprint doi: 10.1101/2020.02.29.20027698
[4] Donohue, M.J., King, D., Pfaller S., Mistry, J.H. (2019), The sporadic nature of Legionella pneumophila, Legionella pneumophila Sg1 and Mycobacterium avium occurrence within residences and office buildings across 36 states in the United States, App Environ Microbiol 126(5), 1569-1579
Engenheiro do Ambiente e Sanitarista
4 aPenso ser bastante útil o chamar da atenção para os problemas após um tempo de paragem associado à problemática do COVID 19 e as consequências que pode ter nos sistemas de distribuição de água e ao reaparecimento dos problemas associados à proliferação da bactéria Legionella, desde água parada ou estagnada, perda do residual de desinfetante, condições para o desenvolvimento de biofilmes e daí a necessidade de antes do arranque de se fazer uma limpeza e de sinfeção preventiva dos sistemas e equipamentos associados
Operations Manager @ Bondalti Water | Engineer
4 aComo sempre uma boa visão sobre um tema tão importante como este em termos de saúde pública. Parabéns.
Gestor de Área na ENKROTT, S.A.
4 aArtigo muito pertinente. Parabéns.
Chemical Processes Manager @ Bondalti Water
4 aMuito boa reflexão, Ana. Parabéns!