cura por sinal...

cura por sinal...

A situação era, no mínimo, estranha. E intrigante ! Apesar de tudo à volta lhe emprestar um ambiente do mais normal, para quem visse de fora. Fosse num filme e todos deduziriam, rapidamente, tratar-se de uma convencional consulta, duas pessoas, uma em frente à outra, as posturas a indicar quem era o especialista e o cliente, um consultório vulgar, nenhum equipamento sofisticado, nem qualquer outro digno de atenção e bastaria um daqueles planos em panorâmica tão queridos ao cinema, talvez para evitar legendas ou relatos do que já toda a gente percebeu, e teríamos acesso à parte exterior do consultório com um grande plano da porta onde a placa seria dona e senhora " CONSULTÓRIO DE PSICOTERAPIA ".

O terapeuta, contra toda a etiqueta, não foi o primeiro a falar. Nem sequer a insinuar, por expressão ou gesto, que a pessoa que tinha à sua frente tomasse a iniciativa de dizer ao que vinha, em que precisava de ajuda. Não foi preciso ! O indivíduo, um homem sereno e a inspirar confiança, não se sabe se era a dele ou a que lhe vinha do terapeuta, a confiança..., em voz colocada e afável, foi direto ao assunto..., sei que isto não será provavelmente comum..., mas o meu problema é não ser capaz de dizer do que me queixo, por mais que me custe e me traga um desconforto assinalável. Nem sei sequer se aquilo que não sou capaz de dizer é, efetivamente, uma queixa ou um problema.

O terapeuta, sem querer dar qualquer indício de que acabara de perceber que não tinha percebido, condição das mais clarividentes e sufocantes a que se pode aceder, respondeu com uma firmeza vinda como que por encomenda... percebo perfeitamente. O indivíduo, expressão lívida mas segura, fez um arranjo de boca que tanto poderia ser uma expressão de ternura como de carinho ou até ironia, o futuro encarregar-se-ia de validar a real direção do trejeito, estivesse ele contemplado no momento presente, o futuro..., e perguntou ao terapeuta como poderia ele ter percebido perfeitamente algo a que o próprio não acedia e, como tal, não lhe poderia ter dado a mínima pista de acesso.

O terapeuta olhou-o com atenção e confessou-lhe que, para o ajudar, necessitaria que ele se mantivesse como estava, incapaz de verbalizar o que o atormentava. E que quanto mais soubesse do que ele era incapaz de dizer, mais dificuldade teria em aliviá-lo do desconforto. Como tal, qualquer coisa que ele pudesse ligar, ao de leve que fosse, com aquilo que o incomodava, seria de evitar a todo o custo, apagá-lo do seu pensamento, atirá-lo para fora de si ou teria que suspender o tratamento, pois não estaria à altura do desafio. E mais ! Jamais ousasse, por meias palavras, jogos de palavras ou quaisquer outros estratagemas, insinuar, sequer, o que não era capaz de dizer. Só assim, poderei ajudá-lo. Está de acordo ?

O indivíduo, retomando a posição inicial da boca, sem qualquer trejeito, fiou a pensar, em silêncio, sempre de olhos postos no terapeuta. E perguntou-lhe como poderia detetar o mínimo sinal... de algo que não sabe o que é ..., ao que o terapeuta lhe respondeu, agora com uma confiança que não tinha vindo de encomenda..., não vai ter a mínima dúvida ! É que sinal que se preze, é uma representação do que representa, em registo distinto do que representa, jamais o que representa. Ficaram ambos em silêncio durante um largo período de tempo. Mas era um silêncio só para fora, já que internamente o processo fluiu.








Era o dinheiro da consulta! Sendo assim, pronto. Não se fala mais nisso.☻

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