Da ameaça das punições a Jean Valjean
Seguindo a discussão sobre Poder – ou o modo como exercemos influência sobre os outros – hoje abordaremos a terceira e última modalidade que envolve algum tipo de ascendência apoiada numa relação hierárquica explícita.
Por força do cargo que ocupa, o chefe tem a prerrogativa de impôr determinadas condições a seus subordinados, seja através da sua Autoridade ou pelo Controle sobre as Recompensas. Sua posição permite-o, também, aplicar Punições àqueles que comanda, os quais, por receio de sofrê-las, seguem o que lhes é dito.
Ainda que este instrumento pareça um tanto quanto bárbaro ou arcaico, ele ainda é empregado nas melhores famílias. Tais pressões podem ser ser explícitas, sob a forma de medidas disciplinares como advertências e suspensões, ou variações ainda mais drásticas e definitivas, como uma demissão. Como estas são mais facilmente identificáveis e não precisam de maiores explicações passemos, então, às mais sutis e talvez até mais perniciosas.
As punições assumem, às vezes, disfarces vários, formas dissimuladas, falsos contornos. Mas não são menos prejudiciais por causa disso. Algumas decisões corriqueiras, aparentemente inofensivas e naturais até, podem esconder maquiavélicas intenções. Para quem você reclama se for escalado para o plantão noturno da firma exatamente no dia do seu aniversário? Como você questiona ser repentinamente transferido para Itaberabinha do Norte, logo ali onde Judas perdeu o Band-Aid? Ou não ter suas férias aprovadas para fazer aquela viagem planejada com a família?
Tais exemplos, tão exagerados quanto cruéis, representam extremos que acabam tornando o ambiente de trabalho insuportável e cujo único objetivo parece ser mostrar quem manda – de uma forma ou de outra. Antes de atingir o objetivo do exercício do Poder (lembremos: fazer com que algo seja realizado), punições severas demais costumam ter efeito contrário, gerando discórdia, semeando conflitos, alimentando medo e desconfiança.
Em meados do século passado o psicólogo americano B. F. Skinner já havia demonstrado que as punições não funcionam como método de ensino/aprendizado. Para ele, a melhor maneira de se incentivar algum tipo de comportamento é através do reforço positivo, isto é: elogios.
É preciso reconhecer, por outro lado, que determinadas atitudes não podem passar em branco, sob pena de se perder o controle do ambiente como um todo, transformando-o numa anarquia. O natural complexo de perseguição de quem sofre uma punição, vez ou outra não se justifica. Sansões são instrumentos de controle e disciplina; não de capricho nem muito menos de vingança.
Ainda assim, há alternativas. Muitas vezes, deixar de aplicar uma punição – o que na maioria das situações é uma opção do líder – resulta em extraordinário efeito motivacional, instrumento de reflexão, auto-aprendizado e, incrivelmente, de ganho de confiança.
No início de Os miseráveis, a obra-prima de Victor Hugo, Jean Valjean era um ladrão que chegou a ser preso por furtar jóias da casa do bispo que, caridosamente, acolhera-o. Confrontado pela polícia com sua vítima, o criminoso vê o clérigo mentir ao oficial dizendo-lhe que havia dado os objetos ao malfeitor. O extremo e inesperado gesto de generosidade do religioso surpreendeu tanto o policial quanto o próprio Valjean que, dali em diante, voltou a acreditar na bondade das pessoas passando, ele próprio, a buscar o bem.
Guardadas as devidas proporções, seria a atitude do padre e a consequente metamorfose de Jean Valjean algo tão utópico assim?
Nos próximos textos, veremos as formas tácitas de exercício de Poder, como Carisma e Competência. Temas mais leves, prometo. Enquanto isso, você já viveu alguma situação onde recebeu alguma punição indevida – explícita ou implícita? Conte nos comentários.