Da horta à Terra plana – os desafios da Educação Ambiental para a formação cidadã nas escolas
Sim, o título deste artigo foi pensado apenas como uma chamada de cunho apelativo. No entanto, considerando a trajetória das experiências escolares com o tema da Educação Ambiental, será possível abordarmos de forma consistente o novo léxico que vem sendo construído para nomear os problemas ambientais da atualidade? Àqueles que se dispuserem à leitura deste artigo, registro que objetivo, com este texto, compartilhar algumas das inquietações que os eventos climáticos recentes vêm me provocando.
Junho Verde[1]
A primeira semana do mês de junho foi dedicada à agenda ambiental, com três datas importantes para refletirmos sobre os desafios com os quais temos nos deparado neste século e em todo o mundo: “celebramos” o Dia Mundial da Bicicleta (03/06); o Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), e o Dia Mundial dos Oceanos (08/06). Olhando mais à frente no calendário, no dia 20/06, teremos o Dia Mundial do Refugiado – será possível já considerarmos esta como uma data também relacionada às questões climáticas?
Como profissional da Educação, venho me preocupando com o ganho de complexidade dos desafios ambientais e seus impactos para pensarmos a formação cidadã nas escolas, já que, de modo geral, a Educação Ambiental vem, ao longo dos anos, sendo abordada nos espaços escolares de forma tangencial, sem dar conta das questões estruturais que deveriam permear uma formação consistente e capaz de desenvolver nos estudantes uma postura investigativa, crítica e propositiva frente aos desafios que nosso planeta tem enfrentado.
E se, ainda hoje, não construímos estratégias efetivas para promover um conhecimento aprofundado das questões ambientais que, há tempos, vêm sendo anunciadas, alertadas e denunciadas pelos ambientalistas e cientistas, como seremos capazes de lidar com a educação para os “novos problemas ambientais” com os quais temos nos deparado ao redor do mundo?
Desafios da Política Nacional de Educação Ambiental
Em 2024, a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n° 9.795/1999) completa 25 anos e, se há uma certeza, é a de que avançamos pouquíssimo na implantação da PNEA. Formulada como desdobramento da ECO-92, conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1992, no Rio de Janeiro, a PNEA tem como marco a Carta Brasileira para Educação Ambiental, redigida como resultado do workshop realizado pelo MEC durante o evento, visando socializar os resultados das experiências nacionais e internacionais no campo da Educação Ambiental.
Em linhas gerais, podemos afirmar que a Lei n° 9.795/1999 é bastante consistente no que diz respeito aos aspectos que precisam se considerados para a abordagem da Educação Ambiental (EA) nas escolas, contemplando a necessidade da formação de professores, as responsabilidades dos diferentes setores da sociedade para a promoção da EA, a perspectiva de integração do tema ao currículo escolar por todas as disciplinas, entre outros.
No entanto, frente às mudanças ocorridas no mundo nestes últimos 25 anos, fico me perguntando se a própria concepção de Educação Ambiental apresentada pela PNEA já não estaria defasada, conforme a redação dada pelo Artigo 1º:
Recomendados pelo LinkedIn
Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.[2]
Com todos os fenômenos que temos presenciado recentemente, será mesmo que a Educação Ambiental deverá se ater apenas aos processos voltados para a conservação do meio ambiente? Os primeiros alertas acerca dos possíveis danos ambientais, em função do caráter predatório da experiência humana, datam da década de 1960. Ou seja, há mais de 60 anos temos sido chamados à ação, no sentido da conservação do meio ambiente e o que temos presenciado é o agravamento dos cenários nacional e internacional. Hoje, estamos vivendo as consequências da inação, sobretudo de governantes e empresários em relação à proteção e à recuperação ambiental.
Assim, considerando que a própria ideia de conservação já não se sustente sozinha, neste contexto dos impactos que temos vivenciado, em que bases deveriam ser repensadas a proposta de uma Política de Educação Ambiental que responda aos problemas contemporâneos?
Consultando o site do Ministério da Educação, encontrei a informação[3] de que está em curso a “estruturação de uma política nacional de educação ambiental escolar” e que há, inclusive, algumas ações já em andamento neste sentido, mas todas as iniciativas mencionadas tratam de um “apoio da pasta”[4] a eventos voltados para debates acerca do tema e a formações para professores e gestores escolares. Infelizmente, parece que o senso de urgência desta pauta não chegou ao MEC.
Para concluir essa breve reflexão, não poderia deixar de compartilhar uma questão que vem, igualmente, me afligindo: como falar de Educação Ambiental com estudantes vítimas dos eventos climáticos extremos? Em que medida uma nova Política de Educação Ambiental poderia ser (re)pensada, no sentido de apoiar as comunidades escolares a lidarem com a prevenção e com as consequências traumáticas destes episódios?
Por aqui, fica a sugestão de que seja criado um espaço de construção coletiva, envolvendo profissionais da educação, pesquisadores e ambientalistas, voltado para a formulação de uma Política de Educação Ambiental orientada por uma perspectiva intersetorial, pois os grandes desafios que seguiremos enfrentando, infelizmente não se resolverão com eventos e atividades pontuais para celebração do meio ambiente nas escolas.
[1] O título desta seção remete à Campanha Junho Verde, instituída pelo Art. 13-A. da Política Nacional de Educação Ambiental, que deve ser celebrada anualmente como parte das atividades da educação ambiental não formal.
[2] Lei n° 9.795/1999 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm (último acesso em 11/06/2024).
[3] MEC trabalha em ações para fortalecer a educação ambiental (último acesso em 11/06/2024).
[4] A notícia menciona a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi).