Da ideia ao valor percebido
E a distância entre a teoria e prática da inovação no mercado de beleza.
Você já se perguntou o por que é tão difícil inovar em um país com tantas demandas de consumo mesmo com tantos gurus, teorias, guias definitivos e referências sobre o tema?
E, para apimentar o contexto, você já parou para questionar se a marca que você trabalha de fato estimula os sentidos da beleza de seu consumidor?
Entre a ideia de um produto e a inovação de fato, existem desejos que nascem de consumidores inseridos em contextos específicos e diferentes dos nossos além de valores e necessidades subjetivas e são esses atores, a quem chamaremos neste artigo de sujeito, que estão cada vez mais consumindo produtos e serviços que lhes fazem sentido e promovam a sensação de pertencimento. Tendo em vista essa premissa, podemos entender que a parte mais importante de toda a cadeia é sem dúvida o seu cliente.
Partindo desta hipótese podemos compreender que a inovação, que hoje é abordada por muitos como o pilar mais importante do processo produtivo neste e em outros mercados, pode ser vista e utilizada apenas como meio para gerar percepção de valor.
Essa compreensão se faz importante pois, seja para solucionar uma necessidade ou para transformar conhecimento em dinheiro ou ainda, para criar algo novo é imprescindível conhecer o seu consumidor que é quem irá perceber e dar valor para tudo isso. Se este sujeito não enxergar valor em sua proposta, independente do quão você seja inovador, você se tornará irrelevante.
Esta provocação, mesmo que não seja verdade absoluta, é importante para nós do mercado de beleza, pois de fato se antes de mais nada não compreendermos o ser humano por trás do consumo faremos promessas impossíveis de entregar e investimentos desnecessários simplesmente por que sem compreender os valores do meu público eu não sei que tipo de valor ou benefício propor, ou seja, criaremos um ciclo de vicioso de geração de produtos comoditizados e com pouco ou nenhum diferencial para além da função.
Sendo assim, nem sempre o processo de inovação será algo complexo, mas para resultar em um produto final efetivo, deve ser coerente e plural.
Partindo ainda do ponto de vista de simplicidade, pluralidade e entendimento do ser humano por trás do consumidor, vamos à segunda reflexão: sua marca de fato estimula os sentidos de beleza do seu público?
Vamos a alguns dados de mercado:
A pesquisa Ad Reaction, da Kantar, realizada anualmente em mais de 40 países no mundo com mais de 36 mil consumidores aponta que 76% das mulheres e 71% dos homens não se sentem representados da forma adequada na publicidade, dado que os estereótipos utilizados não retratam o sujeito em sua realidade.
Outra importante pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em 2017 aponta que 101 milhões de consumidores não confiam nas empresas e 103 milhões afirmam que não se identificam com as propagandas de veiculadas na televisão. O mesmo estudo posta que cerca de 76% dos brasileiros acreditam que as campanhas necessitam representar melhor e de forma mais coerente o tema da diversidade. .
Segundo o Think Etnus a população negra movimentou R$ 1,6 trilhões, o que equivale a 24% do PIB brasileiro. Entretanto, 94% dos negros, não se sentem adequadamente representados nas campanhas publicitárias.
Levando em consideração essas pesquisas, podemos concluir que de fato existe o consumo por necessidade, mas, a grande maioria das marcas ainda não estimula os sentidos de beleza de seus próprios consumidores por falta de compreensão, diálogo, de abertura de espaço de fala e representatividade o que causa uma atrofia na capacidade do mercado de traduzir contexto e necessidade em valor percebido.
E se pautarmos aqui o mercado de cosméticos e o universo do belo, cabe a seguinte provocação: se o contexto validador do que é belo, não representa a sociedade como um todo e a persona criada para representar belo não condiz com a realidade, sua marca conceitua experiências de consumo para quem? Ou, ainda melhor, sua marca estimula a autoestima e os sentidos da beleza de quem?
E é aqui que se torna possível compreender que se inovação é valor percebido e o sujeito da percepção não está se sentindo representado, o que torna claro que estamos muito mais orientados por desenvolver conceitos a partir de generalismos e produtos comoditizados do que de fato criar um ambiente propício à inovação e a cocriação de experiências relevantes e coerentes com as promessas das marcas de beleza contemporâneas.
Logo caminhando para algo como uma espécie de conclusão, alguns pontos se tornam essenciais para reflexão:
. A construção de diferencial competitivo e valor percebido está muito mais relacionado ao entendimento do fluxo da subjetividade humana e da clareza do contexto onde este sujeito está inserido, e isso vai muito além do desenvolvimento do produto enquanto objeto de consumo. Afinal produto por produto qualquer um faz.
. O referencial necessário para o desenvolvimento de empatia devem compreender a diversidade para além das cotas, pois cada ambiente constrói a sua própria percepção e significado para beleza, logo é ingênuo acreditar que a beleza é um conceito puro, universal e de compreensão global. Para alguns beleza é poder, para outros protagonismo, para outros a manifestação da alma, uma forma de revelar a sua existência para o mundo e por que não, um simples apetrecho estético. Cada grupo busca uma forma diferente de demonstrar a sua existência e essência para o mundo e isso é o que deve ser pilar de qualquer conceito.
. Aquilo que comumente compreendermos com comportamento de consumo e estilo de vida está cada vez mais comoditizado, tornando o que era diverso, plural e elegante em estereótipos puramente estéticos. Isso se revela com imensa força nos dados postados acima e isso significa que a preconcepção do humano venceu a essência e a individualidade de cada um.
E por fim, o foco desta reflexão foi demonstrar de forma provocativa que para termos qualquer tipo de inovação que seja de fato relevante no mercado de beleza, é preciso imergir, compreender e respeitar a inteligência e o espaço de fala do consumidor que é humano, plural e impossível de ser estereotipado.
Artigo veiculado na @Revista Atualidade Cosmética (Edição 169), e escrito por: Raoni Cusma
Especialista em Design de Conceito, consultor, palestrante e professor universitário, graduado em Gestão Pública (FGV); pós graduado em Design Estratégico (IED) e em Psicologia analítica (IJEP).
Designer Gráfico
4 aMuito interessante as observações, Raoni! A base para a diferenciação é essa comparação da marca com o contexto, por parte do sujeito e a partir da sua identidade. O legal é que isso gera oportunidades de posicionamento para novas marcas que forem surgindo no mercado. Precisamos de mais iniciativas assim.