Da pesquisa básica à clínica: a glia como um elo na medicina translacional – Parte 1
A medicina translacional, também referida como ciência translacional, abrange um grupo de disciplinas com base na pesquisa biomédica que visa melhorar a saúde dos indivíduos e da comunidade “traduzindo” os achados científicos em ferramentas diagnósticas, fármacos, procedimentos, políticas em educação e conhecimento.
Ao longo dos anos, essa abordagem tem ganhado um foco majestoso justamente pela integração que se realiza entre asgrandes áreas do conhecimentoem prol da descoberta de novos diagnósticos e tratamentos para as diversas enfermidades.
Essa ideia tem sido tão amplamente divulgada e acolhida que um dos maiores institutos de pesquisa em saúde norte-americano, The National Institutes of Health (NIH), em 2011, estabeleceu um centro nacional para o avanço da ciência translacional (o NCATS, do inglês The National Center for Advancing Translational Science), cuja frase de ordem é “transformar o processo da ciência translacional para que novos tratamentos e curas de doenças possam ser prontamente entregues a pacientes de uma forma mais otimizada e rápida”.
Nesse contexto, os estudos com as células da glia continuam crescendo, engrossando os números de publicações a cada dia nos principais bancos de dados para depósitos de publicações científicas no mundo. Não é a toa, pois essa população celular possui recursos e funções que são muito promissoras e estão potencialmente envolvidas com a maioria das enfermidades no sistema nervoso, e não seria nenhum eufemismo declarar o envolvimento em todas, de alguma forma. Justamente por isso, o conhecimento sobre a glia e seu papel nas enfermidades vem sendo muito estudado como um potencial recurso terapêutico.
Um estudo publicado no ano de 2014 por Hari Jayaram, do Ocular Biology & Therapeutics, UCL Institute of Ophthalmology, em Londres, no Reino Unido, ele e colaboradores mostraram que o transplante defotorreceptores derivados das células da glia de Müller humana, um tipo de glia crucial para a transdução e para o processamento do sinal sensorial visual, foi capaz de restaurar a visão. Conhecia-se anteriormente as característica, por parte dessas células, na regeneração de retinas lesionadas em peixes e anfíbios, porém não se sabia se essa capacidade era também presente em retinas humanas in vivo.
Nesse estudo, os pesquisadores utilizaram as células da glia de Müller humana com características de células-tronco (hMSCs) e observaram que essas células eram capazes de adquirir características fenotípicas e genotípicas de bastonetes, sugerindo uma estratégia de uso potencial em transplantes para tratar degenerações de fotorreceptores.
Na esclerose múltipla, novas terapias têm surgido focando nas células gliais, especialmente as células precursoras de oligodendrócitos. O impacto dessa terapia na glia poderia incluir a modulação da reatividade imune dessas células, a qual é considerada como base para o processo da lesão tecidual na esclerose múltipla e seu processo de reparo subsequente. Esses agentes poderiam exercer seus efeitos por modulação de constituintes do sistema imune ou diretamente modulando a barreira hematoencefálica e a permeabilidade dessas células, vislumbrando estratégias terapêuticas para essa doença.
A visão neurocêntrica para as doenças do SNC tem influenciado profundamente nos esforços científicos por muitos anos, entretanto, a visão gliocêntrica tem ganhado espaço e força para o entendimento dos mecanismos por trás das desordens do SNC, melhorando as possibilidades para refinar futuras estratégias terapêuticas.
Na próxima coluna, iremos abordar especificamente a influência da glia em estratégias terapêuticas nos transtornos neurológicos do desenvolvimento e em doenças neurodegenerativas.
Para saber mais:
Jayaram H, Jones MF, Eastlake K, Cottrill PB, Becker S, Wiseman J, Khaw PT, Limb GA.
Stem Cells Transl Med. 2014 Mar;3(3):323-33.
Regulation of human glia by multiple sclerosis disease modifying therapies.
Healy LM, Michell-Robinson MA, Antel JP.
Semin Immunopathol. 2015 Aug 11.
Assistant Professor I, Science Communicator
9 aMuito obrigada Michael!!
Diretor Editorial GliaNews
9 aExcelente texto Mellanie Dutra!!