Da série “Perguntar Não Ofende”: a eleição deste ano é para prefeito ou presidente?

Da série “Perguntar Não Ofende”: a eleição deste ano é para prefeito ou presidente?

Hoje de manhã, no relatório diário de Análise de Imprensa que envio aos meus clientes, observei um fato incomum, que aconteceu nas convenções para a escolha de candidatos à prefeitura de São Paulo neste domingo: a crise política contaminou a campanha municipal.

 

Reza a lenda que os temas nacionais não têm lugar nos palanques das eleições locais. O eleitor quer saber de transporte, creche, escola, posto de saúde, iluminação pública, do conserto daquele eterno buraco na sua rua. Não adianta o candidato a prefeito querer discutir reforma política, economia, inflação, etc., porque é óbvio que esses não são assuntos da sua alçada.

 

Ocorre que o clima em Brasília azedou a tal ponto, que alguns partidos e lideranças tradicionais correm o risco de implodir. Sendo assim, ao que tudo indica, a eleição paulistana pode vir a se transformar em um duelo pós-impeachment, que servirá para medir a força dos governistas, da oposição (ainda a confirmar quem será o presidente de plantão) e, quem sabe, projetar legendas nanicas e novos nomes na política.

 

A corrida eleitoral em Sampa reúne candidaturas fortes. Segundo o Datafolha, o favorito hoje, com 25% das intenções de voto no primeiro turno, é o deputado federal Celso Russomano (PRB). Com esse patamar, ele praticamente já poderia contar com presença garantida no segundo turno. A não ser que seja demolido na campanha, como ocorreu em 2012; ou se torne inelegível, em razão da Lei da Ficha Limpa. Russomano foi condenado por peculato pela justiça federal. Segundo a acusação, ele pagou o salário de uma funcionária de sua produtora com verbas do gabinete na Câmara. O caso foi parar no STF e pode ser julgado em agosto. A conferir.

 

Em segundo lugar nas pesquisas aparece a senadora e ex-prefeita da capital Marta Suplicy (16%), que construiu sua carreira política no PT, mas migrou para o PMDB de Michel Temer. Em seguida vem a deputada Luiza Erundina (PSOL), com 10%, que também governou a cidade entre 1989 e 1983. Ambas são populares na periferia e se beneficiam do fenômeno do recall; bem como Russomano, que além de tudo é famoso por sua atuação sensacionalista na TV, sempre na defesa dos consumidores. Erundina, que também já foi do PT, hoje soma simpatia de eleitores da esquerda que se afastaram da legenda em razão dos escândalos nos governos petistas. Nunca antes da história desta capital o PSOL apareceu com dois dígitos nas pesquisas. Apesar disso, Erundina não deve ir aos debates da TV. A atual legislação estabelece que, para participar, o partido do candidato deve ter pelo menos dez deputados federais; o PSOL conta com somente seis.

 

O atual prefeito, Fernando Haddad (PT), candidato à reeleição, por enquanto amarga o quarto lugar, com apenas 8%. Além do evidente desgaste provocado pelo partido e seus principais líderes à sua campanha, a gestão de Haddad é considerada polêmica na cidade.

 

Fechando esse primeiro pelotão vem João Doria (PSDB), que deve crescer e pode surpreender na reta final. Ele ainda é praticamente desconhecido pela maioria do eleitorado, deverá ter uma boa atuação na propaganda na TV, pois também é do ramo, e contará com a ajuda da máquina tucana do governo estadual.

 

O problema para quem não está na liderança é que esta será uma campanha absolutamente atípica. Este ano, pela primeira vez, não haverá financiamento eleitoral por parte de empresas. O período do horário eleitoral “gratuito” foi reduzido e só começará no dia 26 de agosto, em plena ressaca da Olimpíada e às vésperas da votação do impeachment no Senado, o que deve ofuscar ainda mais a disputa. E ainda tem a Paralimpíada, entre os dias 7 e 18 de setembro. O primeiro turno está marcado para 2 de outubro.

 

Esse é o resumo da ópera.

 

Por tudo isso, ontem, o que se viu nas quatro convenções realizadas em São Paulo teve pouco a ver com uma discussão sobre os problemas da maior metrópole do País. Nos discursos, praticamente só se falou da política nacional.

 

No evento do PT, com a presença de Lula, a tônica principal foi o “fora Temer”. Sobre a ex-companheira Marta Suplicy, Fernando Haddad disse que “neste caldo partidário que a gente vive, uma coisa é, por conveniência, por uma briga ou desentendimento interno, mudar de partido, mas outra coisa muito mais grave, sobretudo em momentos de definição, é quando você muda de lado”.  A presidente afastada Dilma Rousseff não compareceu, mas mandou uma carta de uma página e meia que foi lida pelo mestre de cerimônia. Entre outros pontos, sempre batendo na tecla do “golpe”, ela afirmou existir um confronto entre forças progressistas e democráticas e facções conservadoras e retrógradas, “fortemente representadas no Congresso Nacional". E arrematou: “é inevitável que a maior cidade brasileira seja palco deste antagonismo político".

 

Parênteses. Agora há pouco, foi confirmado que o até aqui pré-candidato do PSD, Andrea Matarazzo, será o vice na chapa de Marta. O PSD é dominado pelo ex-prefeito e atual ministro das Comunicações, Ciência e Tecnologia de Temer, Gilberto Kassab. Matarazzo também é muito ligado ao ministro das Relações Exteriores, José Serra, a quem não interessa, por razões óbvias, que Geraldo Alckmin saia fortalecido da eleição de São Paulo. Andrea Matarazzo deixou o PSDB, apesar de ser um dos fundadores do partido, exatamente por não concordar com a escolha de João Doria, indicado por Alckmin. Fecha parênteses.

 

Na convenção do PSDB, foram notadas as ausências do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de José Serra, do senador José Aníbal e do ex-governador Alberto Goldman, que apoiaram Andrea Matarazzo nas prévias do partido.  Em seu discurso, João Doria afirmou que “o PT, partido do Lula e Dilma, entregou um legado maldito, da imoralidade, das mentiras, do roubo e do assalto ao dinheiro público". O governador paulista Geraldo Alckmin disse que “os 13 anos do lulopetismo levaram o País a ser saqueado".

 

Já Luiza Erundina disparou a metralhadora giratória. Para ela, Marta Suplicy é uma "traidora do povo" e Doria “um coxinha que quer privatizar a cadeira de prefeito".

 

Em resumo: em meio à crise política, a eleição paulistana deste ano tem todos os componentes para se transformar numa clara prévia para 2018. As ruas esburacadas e tantos outros graves problemas desta Paulicéia, tão mais urgentes, correm o risco de ficar relegados ao segundo plano.

(publicado originalmente no dia 25/07/16 em www.blogdoibsen.com.br)

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