A deficiência não atrapalha?
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A deficiência não atrapalha?

#pratodosverem: Imagem colorida. Reprodução de uma thread em que se lê:

"Minha deficiência nunca me impediu de nada."

Jura? Que bom, porque a minha já.
(Laisa Cardoso)


Em algum lugar disseram essa frase: “Minha deficiência nunca me impediu de nada” e é uma frase absurda num mundo absurdo. A deficiência, por si mesma, não atrapalha ou ajuda. Mesmo o porquê, a deficiência em si, é uma condição e não um estado. Na filosofia poderíamos dizer que a deficiência não é o que somos, mas um acidente. a deficiência não pode nos definir. Quando dissemos <<pessoa com deficiência>> não estamos enfatizando a deficiência como definição e sim, a pessoa. Em si mesmo, a pessoa é o que somos e é o que nos define como humanos. Sim, somos humanos. Acontece que somos escravos da nossa própria cultura a 100 mil anos, quando começamos a se expressar para nos comunicarmos e plantamos nossa própria comida. Pessoas como nós – mesmo o ser humano não ser mais nômades – éramos mortos e a justificativa não era mais a comida, era uma justificativa teológica.

Deus ou os deuses mandavam aqueles seres com corpos distorcidos ou que não podiam ficar em pé, por castigo de alguma coisa que foi feita no passado, como a punição, eram ter filhos “imperfeitos”. Mais um absurdo. Como definimos o que é perfeito e o que é imperfeito dentro de uma natureza em eterno processo de mudanças? Como construir uma cultura, que ao mesmo tempo era errado matar, mas nesses casos, era justificável eliminar aquela criatura? A punição pela imperfeição chega ao Olimpo – a morada dos deuses gregos – na figura de Hefáistos. Ao mesmo tempo, um grande talento para forjar armas, mas era instável em relação aos sentimentos. Se apaixona por Atenas – deusa da guerra sábia e sabedoria – e lhe constrói uma coruja (símbolo da filosofia ainda hoje) mecânica para lhe proteger, mas a deusa jurou não se casar com ninguém e desiludido, o deus coxo, se casa com Afrodite. A deusa do amor casa com o deus da forja e com deficiência. A perfeição que faz o meio tecnológico se aperfeiçoar. Mas, Afrodite trai seu marido com Ares, o deus da guerra. O amor e o ódio, a guerra e o amor ao viver. A imperfeição é traída pela perfeição que prefere aquilo que destrói, o amor constrói e ao mesmo tempo, destrói.

A deficiência atrapalhava Hefáistos? Não. Mesmo assim o mundo grego não viu isso e matou os que não tinha perfeição – numa visão de harmonia – porque acharam que a harmonia tinha a ver com o belo. Platão, mesmo lutando contra sombras que mataram seu mestre Sócrates, se deixou seduzir por essa sombra. Não enxergou a perfeição da alma – como o deus coxo demonstrava em amar a deusa da sabedoria – e só apenas, enxergou a perfeição da beleza do corpo como meio do prazer de se ver o belo. O que não percebeu – e isso, talvez, a filosofia até hoje – que Sócrates não tinha a beleza, mas, tinha a sabedoria. Atenas sempre vence Afrodite. A sabedoria é eterna, a beleza não. O absurdo está aí. Por que se apegam a perfeição se ela não existe?  

Quando se diz: “a deficiência não atrapalha”, não é poder fazer tudo e sim, fazer o que se pode. Hefáistos forjava, era o que ele podia fazer. Não é conformismo, é a forma mais sensata. Tem coisa que não tem nosso controle. Eu queria sair por aí sozinho nos transportes públicos? Sim. Mas, a sensatez de ter um transporte acessível, me faz sair do mesmo modo. Aprendo do mesmo modo. Tenho uma profissão do mesmo modo – que é escritor filósofo – e mesmo com deficiência, exerço. A deficiência é só uma condição e condições são fenômenos de uma causa para um fim, ou seja, um acidente aconteceu e se formou, de algum modo, uma limitação. Uma limitação que se pode controlar e pode lhe fazer aprender. Então, o problema não é a deficiência, e sim, a visão da perfeição que herdamos dos gregos. A deficiência não pode atrapalhar porque não pode limitar a vida.

Mas o que se pensa da vida? Camus – em seu mito de Sísifo – dizia que o real problema filosófico era o suicídio. Temos a mania de nos assustar quando lemos ou ouvimos esse termo, mas, no limite de fazer ou não fazer, segundo Camus, você pode analisar se a vida ou não pode ser vivida. Do mesmo modo, qual seria o limite da vida, já que, envolve pessoas ao nosso redor? Por que tenho que ter a “neurose” de ser perfeito? Se uma empresa não me contratou ou contrata por causa da deficiência, o problema não é da pessoa com deficiência. talvez, tenha perdido um profissional excelente. Ou seja, o problema não é a condição da deficiência e sim, o conceito da perfeição e assim, montamos um mundo dentro dos parâmetros humanos perfeitos onde não existe essa perfeição. Esse normal. 



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