Deixe seus filhos terem suas próprias experiências
Cristina Salzane

Deixe seus filhos terem suas próprias experiências

Venho refletindo sobre os jovens de gerações que não precisaram trabalhar por necessidade financeira, afinal de contas seus pais fazem de tudo para que nada lhes faltem (casa, comida, roupa lavada, escolas particulares, cursos extracurriculares, etc). Todo esse cuidado e dedicação dos pais nos parece, num primeiro momento, o melhor a ser feito. Afinal, os pais não tiveram essas oportunidades então estão oferecendo isso aos filhos.

Agora, volto um pouco no tempo, e vejo jovens de uma geração (me incluo nessa) que precisaram iniciar sua vida laboral (olha que antigo isso...) por volta dos 15 ou 16 anos de idade, alguns até antes disso. Era grande a satisfação de ter seu próprio dinheiro, ou parte dele, o aprendizado na prática sobre responsabilidade de entregas, busca constante de novos conhecimentos, entendimento da importância de seguir regras, conviver com pessoas diferentes diariamente e a cada dia ter sua própria experiência sobre o que é o trabalho, o que é desenvolver sua carreira, no que realmente gosto ou não gosto de trabalhar. Tudo isso adquirimos vivenciando o dia a dia do ambiente de trabalho.

Teoria e prática são complementares, porém acredito que a prática é que nos traz o verdadeiro conhecimento daquilo que faz sentido para cada um, aquilo que nos traz satisfação e realização profissional.

Não estou querendo aqui julgar ou dar conselhos sobre como educar seus filhos. Gostaria, com este texto, simplesmente provocar uma reflexão.

Tenho recebido muitas solicitações de pais para atender seus filhos de 20, 23, 25 anos de idade (ou até mais) que estão em dúvida sobre o início de suas carreiras, seus estudos e como ingressarem no mercado de trabalho. Por conta destas solicitações, por conta da minha experiência como coach de carreira e refletindo sobre tempos passados é que eu me pergunto: será que deixando nossos filhos em casa, só estudando e privando-os de experiências práticas (trabalho mesmo), será que esta é a melhor maneira de ajuda-los nessa passagem para a vida adulta, para a vida independente que esperamos que eles construam?

Comprovadamente o ser humano aprende fazendo. Aprendemos a andar, falar, andar de bicicleta, dirigir, cozinha, etc,etc,etc...fazendo, vivenciando e experimentando cada uma destas habilidades. E então, como aprendemos trabalhar? Como aprendemos uma profissão? Como construímos uma carreira? Experimentando, vivenciando o dia a dia no ambiente de trabalho, fora de casa.

Há alguns anos atrás fiz uma pesquisa com cinco profissionais na faixa etária entre 35 e 55 anos de idade e que já tinham entre 15, 30 ou mais tempo de experiência profissional. O curioso é que todos iniciaram sua vida laboral por volta dos 16, 17 anos de idade ou até mais cedo. Nenhum deles começou trabalhando naquilo que seria seu sonho ou desejo de carreira. Todos iniciaram como office boy, estagiários, auxiliares de alguma função ou ajudante de produção de alguma indústria. A cada experiência e vivência em seus ambientes de trabalho, esses profissionais conheceram processos, a dinâmica do trabalho e o dia a dia das responsabilidades nestes ambientes. Observaram diferentes tipos de tarefas e atividades que eles poderiam aprender, conversaram com pessoas mais experientes para entender as possibilidades de carreiras naquele ambiente ou em outros ambientes de trabalho. Começaram a apurar seus gostos e seu autoconhecimento entendendo, “essa tarefa eu gosto, essa eu não gosto”. Ou, “fulano está executando as mesmas tarefas e funções pelos últimos dez anos e isso eu não quero para mim”. “Gosto de aprender sempre tarefas novas, gosto de receber desafios”, e assim foram construindo suas identidades de carreira.

Nos dias atuais, com toda tecnologia que nos cerca temos pressa. Queremos chegar lá o mais rápido possível. Espera aí, a tecnologia evolui numa velocidade impressionante, é fato. Mas, e nós, seres humanos? Sim, também evoluímos, e muito. Mas acredito que ainda precisamos vivenciar as situações para que essa experiência nos traga o real aprendizado.

Como podemos exigir dos jovens que eles escolham uma carreira se a experiência e a vivência deles é somente na escola, nos jogos em computadores, no youtube. Não estou criticando nada disso, não me entenda mal. Eu também gosto de ler, estudar, assistir vídeos no youtube (só não me apetece ficar jogando no celular ou no computador). Sim, tudo isso é uma fonte de conhecimento. Mas, e o aprendizado real? E a experiência propriamente dita? E o pôr a mão na massa?

Estamos permitindo ou privando nossos jovens dessa etapa? Aliás, gostaria de refletir com vocês. É possível pular essa etapa? Realmente evoluímos a tal ponto que a vivência pode ser deixada de lado? Será que é possível aprender a andar sem andar. Aprender a falar sem falar. Aprender a cozinhar sem cozinhar. Aprender a trabalhar sem trabalhar. Desenvolver uma carreira sem ir para a prática. Fazer a passagem para a vida adulta e independente sem assumir responsabilidades, ganhar seu próprio dinheiro, pagar suas próprias contas e/ou contribuir nas contas da casa onde habito?

Se houver outro caminho que não seja viver as próprias experiências, por favor me avisem qual é. Estou muito interessada em aprender.

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