Deixei o medo na chuva
Mário Deggas
... ( )"Senti vontade de abrir os braços e deixá-los em volta do teu corpo, até o calor do meu dia ser tão intenso quanto à vontade em te fazer o bem". Era assim que eu me sentia, toda vez que meus olhos encontravam seus passos pontualmente as nove horas da manhã, cruzando a rua na frente da minha casa. Eu a espiava, e me permitia viajar até onde uma vontade imensa se apoderava de mim. Eram nesses momentos que, meu corpo lutava para que a coragem nascesse e transgredisse toda falta de jeito em lhe dizer o quanto você me faz bem.
Havia um certo ritual nas suas caminhadas, pela manhã passava sempre as nove horas, e à tarde, depois das cincos, mas antes das seis. Na primeira vez que eu a vi, estava apoiado no parapeito, perdido por entre pensamentos mágicos, que me permitiam ser muito famoso, forte e descolado.
Eu olhava a menina dos olhos de cobre passar com seu jeito engraçado de andar, jogando os braços a frente do corpo feito bailarino bêbado. Nesse dia, meus olhos a acompanharam do momento em que pisaste na rua e a primeira coisa que notei foi seus braços dançando ao redor do corpo delicado. Teus olhos buscava a segurança para atravessar de calçada e antes de dar o primeiro passo em direção do outro lado, você olhou para cima e nesse momento nossos olhos se encontraram feito dois mundos colidindo, espalhando uma gama de energia para os lados. Bem, era dessa forma que eu me sentia nesse encontro de olhares. Rapidamente você desviou seus olhos e seguiu seu caminho.
Eu a acompanhei até você desaparecer dentro da loja. E depois desse encontro casual, todas as manhãs eu levanto e aguardo sua passagem. Assim como fico a espreitar seus passos atravessarem para o meu lado da rua.
Meu entusiasmo imaginário, sempre querendo se apossar do teu mundo, sempre ansiando em ser feliz ao lado do teu sorriso. E, logo que terminava seu caminhar exótico, eu anotava mentalmente a cor do dia, as horas, se chovia, ou era inverno. Depois, completava o seu caminhar com nossos passeios e tudo isso dentro dos meus desatinos.
Tem aqueles dias em que só te vejo no final da tarde, junto a um céu tingido de vermelho, sabe, àquela hora em que não se define como dia, mas também não chamamos de noite e cria aquela coisa incompleta, entre o que se termina e aquilo que se começa. E é nessa hora, que o ruivo do seu cabelo, veste a vermelhidão do mundo e eu me preparo para sonhar você, antes e depois de dormir...
FIM...
Mário Deggas