Democratização da Educação | Discurso no Fórum Internacional de Educação

Democratização da Educação | Discurso no Fórum Internacional de Educação

Há quantos anos fala-se, no Brasil, sobre a Educação como chave para o desenvolvimento socioeconômico do país? Há décadas, é um consenso construído a partir do que assistimos acontecer em todo o mundo. Não há um só caso de nação moderna que tenha conseguido elevar o padrão de vida e bem-estar de seus cidadãos, a qualidade de sua economia, ou a força de sua democracia sem forte atenção à Educação. Apesar do consenso, falhamos, ainda, em alinhar intenção e iniciativas, como sociedade. Isso tem nos impedido de avançar na velocidade e na direção que desejamos – de que precisamos, na verdade.

A educação brasileira evoluiu muito nas últimas décadas. Em termos de inclusão, estamos muito perto de alcançar a universalização do acesso à escola na faixa dos 4 aos 14 anos de idade, e, no ensino médio, para jovens de 15 a 17 anos, a taxa de matrículas se encaminha para os 80%. Esse último indicador, na década de 1950, era de aproximadamente 10%. Também com relação a indicadores de qualidade, como desempenhos em leitura e matemática no ensino fundamental, observamos melhorias. Nos últimos 20 anos, o número de alunos dos primeiros anos do ensino fundamental com rendimento adequado em matemática passou de 15% para 51%. Também houve evolução qualitativa importante para os alunos concluintes da etapa fundamental, além de redução do analfabetismo funcional na população em geral. Persistem muitas dificuldades e nossos avanços foram insuficientes para nos colocar na média dos países da OCDE. Mas a evolução não deve ser desconsiderada.

Muito pelo contrário. Nossa trajetória nas últimas décadas é recheada de testemunhos quanto à viabilidade de ampliar alcance do sistema educacional e elevar, concomitantemente, os resultados educacionais obtidos. Precisamos, como sociedade, superar a dicotomia – e todos os debates paralisantes neste sentido – entre escala e qualidade. Na Yduqs, somos fortemente influenciados por essa perspectiva. Aproveito a oportunidade deste fórum para compartilhar ideias que podemos abraçar ou que devemos abandonar para destravar o potencial de transformação que sabemos possível para o sistema educacional brasileiro.

O primeiro desafio que enfrentamos é o da convivência construtiva e não de oposição entre os paradigmas educacionais que hoje coabitam o mundo. Historicamente, no Brasil, sempre lidamos com dois modos educacionais bem definidos. Um primeiro paradigma é orientado à formação de futuras lideranças, almeja bem mais do que conhecimento e acaba reservado às elites socioeconômicas; um segundo, que nasceu em meados do Século passado, é destinado à preparação técnico-profissional das massas, olhando para um mundo industrializado. Podemos chamar esses dois paradigmas de exclusivo e inclusivo. Ambos são encontrados, em todas as etapas do sistema educacional, da pré-escola à pós-graduação. Hoje, esses dois sistemas absorvem novos elementos, vindos da cultura digital – novos formatos, suportes, e novas formas de ensinar que emergem da sociedade digital em rede.  

Precisamos trabalhar para integrar os mundos exclusivo e inclusivo, na maior medida possível. Acesso a professores bem-preparados e a conhecimento científico rigoroso, a diversidade de pensamento e as conexões relevantes são elementos cruciais para a educação atual e o futuro dessas crianças e jovens, e precisamos criar meios para compartilhar esses atributos. Inúmeras variáveis irão determinar o desenvolvimento de uma criança ou jovem – a cisão do próprio sistema educacional, que se dá pela ausência de acesso a recursos formativos importantes, não pode ser uma delas. Confundir, e não integrar os mundos exclusivo e inclusivo é também a origem das dificuldades para se estabelecer padrões universais de qualidade, bem como da perpetuação de silos que limitam a ação educacional.  

O segundo grande desafio é de ordem econômica. Precisamos promover um salto educacional sob condições exíguas para quem financia os estudos – a família, o próprio estudante, o Estado. Mais da metade da nossa população vive com uma renda oscilante, seja pelo alto nível de informalidade, seja pela maior exposição ao desemprego em crises e oscilações macroeconômicas. Além de incerto, o rendimento é baixo: 100 milhões de brasileiros vivem em famílias com renda entre R$ 2 mil e R$ 7,5 mil. A educação dos filhos, apesar de uma aspiração inegociável para essa ‘classe média real’, precisa ser sempre um sonho modulado pela realidade. No nível superior, o aluno da classe média real trabalha para pagar os estudos e, com idade mais avançada, já lida com múltiplos compromissos. E não possui financiamento público atrativo. Temos o desafio de adicionar, num cenário em que a conta já não fecha.

Por fim, um terceiro desafio é o da inserção produtiva sustentável, num mundo transtornado por uma revolução tecnocientífica profunda. Precisamos transcender a ideia de empregabilidade, que dialoga, seguramente, com a de preparação das massas para um mundo industrial, bastante mais previsível, em direção a uma trabalhabilidade sustentável. Isso implica explorar e desenvolver a diversidade de inteligências, talentos e potenciais de cada indivíduo como nunca o fizemos. Isso é necessário porque essas crianças e jovens irão atuar e experimentar um mundo que ainda não existe, mas que será, seguramente, muito mais volátil e dinâmico do que o atual.

Nosso trabalho no ensino superior não é integralmente transferível para as etapas anteriores do sistema educacional, evidentemente. Mas algumas soluções e muitas das nossas abordagens podem servir como estratégias para endereçar os desafios gerais que mencionei. 

A começar pela forma como vamos entender e nos apropriar de tecnologia digital para o ensino. Tornar disponível conteúdo acadêmico de altíssimo padrão, gerar inteligência sobre o ensino-aprendizagem e ampliar a conexão entre alunos e professores são estratégias de eficácia comprovada. Hoje, oferecemos conteúdos produzidos por professores de centros de excelência exclusivos, como o IME, a UFRJ ou o Ibmec, que faz parte no nosso grupo, para pessoas em cidades com menos de 20 mil habitantes, no interior do país, sem uma unidade presente na cidade. E por um preço que é possível pagar.  Ou nem pagar. Também criamos o Prisma, uma plataforma de estudo dirigido gratuito para estudantes dos dois últimos anos do ensino médio, que se preparam para Enem e vestibulares. As aulas foram criadas por mestres e doutores, curadas por especialistas em educação e tecnologia e a iniciativa tem hoje mais de 100 mil estudantes ativos a cada dia. O conteúdo do mundo exclusivo ganha escala e a característica inclusiva pelas mãos do ensino digital.  

O ponto central, aqui e em diversas outras experiências com o ensino a distância, é a associação incondicional entre qualidade e escala. Os últimos 20 anos de avanços nos resultados acadêmicos revelam a força dessa associação. No último ciclo do Enade, por exemplo, os resultados das competências específicas – aquelas relacionadas ao programa do curso – de alunos EaD de cidades pequenas foi superior, na média, ao de seus pares nas graduações presenciais. A modalidade não é um fator de perda de qualidade. A tecnologia, pelo contrário, democratiza elementos importantes do ensino exclusivo, além de reduzir tremendamente a barreira econômica. Precisamos conhecer e divulgar essa realidade, sobretudo neste momento de debate acerca da regulação da modalidade. Pois, enquanto o EaD for visto como mero vetor de maximização de lucros empresariais, estaremos dando as costas àquela que entendemos ser a maior ferramenta de democratização do ensino já criada – e uma enorme resposta para o futuro.

Tecnologia não será resposta suficiente, porém, para todo o desafio da viabilidade econômica. Precisamos, como sociedade, debater mais profundamente como iremos financiar e gerenciar recursos para a Educação. As cotas, que abarcam pessoas em condições mais frágeis do ponto de vista econômico, e o Prouni são instrumentos com eficácia comprovada pelos dados e bem-vistos pela sociedade. O Fies, cuja revisão está nos planos do governo, precisa ser retomado com equilíbrio e visão de uma política de Estado – acreditamos que qualquer resultado semelhante ao boom dos anos 2010 será prejudicial em médio prazo, para estudantes e iniciativa privada. Para o ensino médio, vemos com bons olhos estímulos positivos como o Programa Pé de Meia, além do avanço das escolas de tempo integral, que também – e comprovadamente – aumentam aprendizagem, reduzem evasão e incrementam as chances de trabalho futuro. Esse programa depende, essencialmente, de ótima gestão dos recursos. Nisso também o ensino superior privado pode contribuir, com estratégias de gestão e expertise valioso.

Por fim, todos compartilhamos, da primeira infância ao diploma universitário, o desafio da trabalhabilidade sustentável. Ele sem dúvida passa pela qualidade científica da formação, incluindo aspectos de atualização, de currículos e de multidisciplinaridade, mas vai adiante. Passa, também, por conectar de forma eficiente talentos com o mundo do trabalho – posso mencionar que estamos perto de lançar a plataforma de trabalhabilidade mais moderna do país. Além disso, nossa experiência corrobora que as competências socioemocionais serão decisivas para carreiras mais versáteis, produtivas e gratificantes. Precisamos incutir nesses jovens a clareza de que o saber e o trabalho são espaços sociais possíveis e ajuda-los a desenvolver autoconhecimento, capacidade de resolução de conflitos complexos e a comunicação, que são ferramentas vitais para o Século XXI. O ensino fundamental privado já conta com inúmeras iniciativas de formação socioemocional. A Estácio foi a primeira universidade do país a integrar formalmente as soft skills a seus currículos – de todos os cursos. Esta é uma abordagem que pode ser replicada em todo o sistema educacional, com ganhos potenciais imensos, sobretudo no sistema público de ensino.

Preparar para o futuro é ainda mais amplo. Hoje, é fato científico que a diversidade sociocultural aumenta empatia, inovação e amplia horizontes de grupos e indivíduos. Temos orgulho de ser uma das organizações mais diversas do país e referência internacional nessa frente. Também são fundamentais as conexões com as comunidades e com a sociedade, em geral. Nossas instituições, conjuntamente, impactam anualmente mais de 1 milhão de pessoas por meio de programas de extensão, projetos sociais próprios e apoiados e serviços à comunidade. As universidades são fonte de enorme conectividade, e esse valor social está à disposição, para criar ou ampliar atividades formadoras em escolas de níveis fundamental e médio no país.    

Em resumo, senhoras e senhores, temos renovada diante de nós a possibilidade de um salto qualitativo na educação nacional. Precisamos de abordagens frescas sobre como utilizar tecnologia e recursos, eliminar as barreiras econômicas e potencializar a formação humana, multiplicando experiências que sabemos eficazes e produtivas. Uma revolução científica e tecnológica sem precedentes se apresenta, é preciso haver, também, senso de urgência. O preço a pagar pela inação é inaceitável. Mas temos caminhos, e muitas das respostas. Contem, sempre, com a Yduqs e com nossas universidades para traduzir esse conhecimento em um futuro melhor para nossas crianças e jovens.

Muito obrigada.

Cláudia Romano, Vice-Presidente da Yduqs e Presidente do Instituto Yduqs

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