Democratizar a filantropia: Fundo Nordeste Solidário
Terminou ontem o Congresso FIFE 2021 que debateu as tendências na filantropia e do terceiro setor, com foco especial no impacto da pandemia COVID-19. Duas apresentações internacionais chamaram muito minha atenção, de Clare Woodcraft “Is the North-South Power Balance Shifting?” e de Andrew Watt sobre “Desenvolvimento Comunitário e Impacto Social”. Ambas palestras afirmaram a importância da participação ativa das comunidades beneficiadas no planejamento de projetos sociais. A necessidade de democratizar a filantropia vem ganhando força nos debates.
Com o FUNDO NORDESTE SOLIDÁRIO (FNES), estamos construindo um modelo que atende essa reivindicação: uma rede de pequenas associações comunitárias e territoriais do interior da Região Nordeste se organiza para criar seu próprio fundo de investimento social, com os objetivos, destinação dos recursos, critérios de acesso e mecanismos de gestão sendo definidos pelas organizações dos beneficiados. Cansados de caçar editais lançados por organizações que refletem as prioridades do financiador, que nem sempre são as nossas, estamos oferecendo, com o FNES, uma oportunidade para as organizações da filantropia investir em projetos de desenvolvimento comunitário concebido por nós mesmos. A governança do FNES é dos beneficiários. A recompensa para o investidor: Sendo donos e autores dos projetos financiados, estamos totalmente investidos e comprometidos com seu sucesso! A chance de dar resultados é muito maior que em projetos convencionais.
Esse modelo vai dar certo? Vamos oferecer umas evidências: O povo nordestino é um povo muito bem organizado que tem demostrado uma criatividade, garra, solidariedade e capacidade extraordinária para inventar e executar as tecnologias sociais e práticas populares para enfrentar seus problemas e superar seus desafios. A ASA Brasil, rede de mais de 3000 organizações da sociedade civil que é protagonista do Programa 1 Milhão de Cisternas no Semiárido, premiado várias vezes, inclusive pela ONU, é um exemplo notável dessa capacidade. O grande sucesso do programa revelou o que pode acontecer quando o poder público ou a filantropia aposta e investe nos projetos propostos pelos próprios nordestinos.
A Rede Nordestina de Fundos Solidários com 341 experiências documentadas e prontas para ganharem escala é outro exemplo, atualmente menos conhecido. É essa rede que lançou o FNES em dezembro. Nos dias de hoje, quando precisamos, urgentemente, de programas para impulsionar a recuperação econômica da pandemia, promovendo oportunidades de geração de renda para centenas de milhares de famílias que perderam seu emprego ou outra fonte de sobrevivência como autônomo, essa tecnologia social se tornou mais relevante ainda. Fundo Rotativo Solidário é um mecanismo eficiente e de baixo custo para fazer chegar investimentos produtivos em algumas das comunidades mais pobres e abandonadas do Brasil, onde o microcrédito não chega.
Investir nos projetos e nas tecnologias sociais desenvolvidas na Região tem um custo menor, impacto maior e probabilidade muito maior para se sustentar que projetos caros e sofisticados implantados por organizações que chegam de fora ou fundações de empresas que chegam com suas ideias prontas sobre o desenho de um projeto exitoso.
Não admitimos mais que uma imagem do povo nordestino como miserável e incapaz seja projetada para captar recursos para cestas básicas ou outras “esmolas” que não resolvem nossos problemas estruturais. Precisamos de investimentos, não de caridade.
Está na hora das fundações e institutos empresariais enxergar e apoiar o enorme potencial de milhares de organizações comunitárias e territoriais no Nordeste que se consolidaram e qualificaram na gestão de projetos com apoio de recursos públicos entre 2003 e 2016. Como grande parte dessas organizações locais está organizada em redes, a exemplo da ASA e da rede dos Fundos Solidários, torna-se mais fácil de fazer investimentos em maior escala. Precisamos a reintrodução e ampliação de políticas públicas de apoio a essas redes. Mas enquanto isso não aconteça, o investimento social privado pode fazer uma contribuição estratégica.
O FUNDO NORDESTE SOLIDÁRIO capta investimentos sociais para os projetos produtivos elaborados pelas associações locais de usuários, baseados nas condições locais, na vocação e na capacidade de gestão local, investimentos nos sonhos e objetivos da população local. São projetos simples, não grandiosos para os padrões do financiador. Mas são projetos que têm muito mais chance de dar certo e se sustentar, porque nasceram na cabeço dos empreendedores locais. Adicionalmente, o investimento no FUNDO NORDESTE SOLIDÁRIO se multiplica, porque as empreendedoras (a maioria mulheres) devolvem o recurso inicial para seu Fundo Rotativo Solidário para ser investido novamente. A experiência demostra que os empreendedores zelam muito mais por seu investimento quando precisam devolver o recurso investido. O risco do projeto virar um “elefante branco” é muito menor que em projetos convencionais. Estima-se que um investimento global de R$14 milhões seria suficiente para suprir a demanda por capital dos 341 Fundos Rotativos Solidários do Nordeste e Norte de Minas Gerais.
Mais informações: vencerjuntos.org.br ou fundossolidarios.org.br #FundosSolidários, #FundosRotativos, #Filantropia, #EconomiaSolidaria, #ImpactoSocial, #financialinclusion, #ONGs, #TerceiroSetor, #Covid19