DEPRESSÃO E ANSIEDADE: O QUE MAIS SE VÊ

DEPRESSÃO E ANSIEDADE: O QUE MAIS SE VÊ

Sou psicóloga clínica. Tenho um tempo de estrada. Trabalho bastante no meu consultório e já trabalhei no serviço público, onde também tive oportunidade de ver e tratar muita gente que, pelo seu sofrimento psíquico, sempre me convidava a entrar em suas vidas, e de alguma forma a participar delas.

Muita coisa aconteceu nesses anos, e a cada dia sinto aumentar minha confiança na eficácia da psicoterapia.  Ela pode ser um remédio que serve para entender e mesmo curar os mais diversos sofrimentos psíquicos. É também de grande ajuda para diversos conflitos psíquicos que envolvem problemas da vida ou cotidianos, auxiliando na escolha de uma carreira, na superação da morte de entes queridos, nos problemas pessoais e de trabalho. Não necessariamente é indicada só para os transtornos mentais, onde se faz imprescindível.

Segundo o DSM V, página 20, transtorno mental “é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes”.

Por essa definição percebemos que os transtornos mentais são muitos, mas os tipos mais expressivos desse momento, por toda a exigência e medo a que estamos submetidos, são as depressões e as ansiedades.

Segundo um estudo publicado em edição recente da revista Cadernos de Saúde Pública, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), investigaram a taxa de transtornos mentais mais comuns como depressão e ansiedade em quatro capitais brasileiras. Os resultados apontaram taxas maiores que 50% nas cidades analisadas: 51,9% no Rio de Janeiro, 53,3% em São Paulo, 64,3% em Fortaleza e 57,7% em Porto Alegre.

“Há muitas razões que podem explicar a alta prevalência de transtornos de ansiedade no Brasil, como a violência urbana generalizada e as condições socioeconômicas adversas. Sabe-se que uma das principais causas de mortalidade e morbidade no Brasil é a violência. Além disso, a poluição, os altos níveis de ruído e a falta de áreas recreativas nas grandes cidades brasileiras podem estar relacionados com os níveis de ansiedade”, explicam os pesquisadores desse estudo no artigo. Esse artigo foi publicado nos Cadernos de Saúde Pública, de março de 2014. E se confundem com a correria da vida, a pressa, a desordem, a busca desenfreada de consumo.

Já as depressões são as expressões mais comuns das dificuldades de enfrentar as perdas, a superexigência que se faz sobre a autoestima e de tudo que se refere a fracasso, que, na nossa cultura competitiva, é praticamente proibido de existir. Em consequência, fica difícil pedir ajuda num momento desses e aí acontece da solidão imperar e empurrar as pessoas para a depressão.

A Organização Mundial de Saúde está demonstrando que a depressão é o tipo de sofrimento que mais cresce e que pode se tornar o sofrimento mais comum de grande parte da humanidade, apesar dos avanços ocorridos na terapia química da depressão e das psicoterapias.

As ansiedades também são muito comuns no mundo inteiro, e parece hoje em dia uma das palavras malditas que está ganhando o cunho da permanência em detrimento da transitoriedade. Atualmente, é rara a pessoa que “fica” ansiosa: ela é descrita e autodescrita com uma pessoa que “é” ansiosa.

E ainda há uma confusão ainda entre depressão e tristeza. Tristeza é um sentimento natural comumente ligado à passagens na vida que tem a ver com perda. É um sentimento que dói, mas não paralisa, não traz desânimo excessivo, nem sentimento de fracasso, nem anedonia. A pessoa que está triste sente prazer com alguma coisa, nem que seja em ficar só. É claro que algumas tristezas, alguns lutos, podem se transformar em depressão se não forem elaborados a tempo.

Os episódios depressivos se caracterizam por desânimo, concentração e atenção reduzidas, autoestima e autoconfiança idem, ideias de culpa e inutilidade, anedonia, visões desoladas e pessimistas do futuro e até mesmo ideias de suicídio. Os episódios mais graves são caracterizados por uma inversão ou distorção de muitos dos princípios da nossa natureza geralmente aceitos: a sobrevivência, o sexo, o prazer.

Num filme de 1993, Sintonia de Amor (Sleepless in Seattle), com Tom Hanks e Meg Ryan, nos papéis principais, há uma passagem bem ilustrativa do sentimento suscitado no episódio depressivo, uma fala bem ilustrativa desse momento. Na história, um garoto, aborrecido com a tristeza do pai, que não consegue se recuperar da morte de sua esposa, liga para um programa de rádio à procura de uma namorada para ele. A perda da mulher, uma dor intensa, se transformou em um episódio depressivo. Ao conseguir conhecer outra mulher que o interessou, a personagem vivida por Tom Hanks volta à vida. A frase que melhor simboliza a depressão da personagem é aquela em que diz, ao explicar a um amigo, que sua sensação era a de ter que se lembrar de respirar.

Esse personagem se materializa constantemente nas nossas vidas, no meu consultório e no de meus colegas.

E ainda acho que carentes de valores, estamos vivendo uma exigência desnecessária de busca de uma felicidade que não existe. Assim, esquecemos de viver os momentos felizes, os momentos de prazer e deixamos de ter uma vida interessante.

O nosso desenvolvimento sempre foi, desde que existimos como seres humanos, ancorado no biológico, no psíquico, no social e no espiritual. Por meio de nosso crescimento, das conexões sinápticas que vão se fortalecendo através de estímulos, nós nos tornamos autônomos. Essa autonomia tem sua plenitude na vida adulta. Ela determina nossa capacidade de escolha, nossa individualidade, a relação com os outros, o meio ambiente, a vida em si.

Não existe autonomia sem o outro, sem o respeito ao outro, à vida, sem empatia. Por isso é, que como cuidadores antes de tudo que somos, devemos ter o máximo de cuidado com o outro, que está frágil e veio buscar nossa ajuda.

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