Desafios da Ergonomia no Home Office
André, experiente TST da empresa Quase Tudo Lindo Ltda., após utilizar argumentos técnicos, legais e financeiros, conseguiu convencer o chefe a adquirir laptops e mobiliários para os trabalhadores em home office. Foram compradas cadeiras com os ajustes necessários, acolchoamento na densidade adequada, mesas com bordas arredondadas e próprias para computadores, suporte para laptop, apoio para os pés, ou seja, muito mais do que o SESMT acreditava ser possível.
Para comemorar a conquista, houve um evento com a presença do Diretor Geral para a entrega do primeiro kit na casa de um dos trabalhadores. No início, houve um pouco de dificuldade para acomodar o novo mobiliário, mas foi só empurrar um sofá, transferir a estante dos santinhos para a cozinha e reposicionar a TV que tudo se ajustou. Para uma futura campanha de marketing, tudo estava sendo registrado, desde o discurso do diretor até as lágrimas do trabalhador.
O TST voltou para a empresa com a sensação de dever cumprido e, no dia seguinte, ligou para o trabalhador a fim de verificar se estava tudo certo. Seu João atendeu o telefone com um sorriso e disse que estava tudo ótimo, mas mencionou que estava tendo certa dificuldade com a altura da cadeira, que era muito alta para ele. André pensou: "Coisa simples, esqueci de orientar sobre como fazer os ajustes. Vou incluir isso no procedimento para poder passar a informação aos próximos trabalhadores."
Passaram-se umas duas semanas e, ao entrar em contato com o trabalhador, André não notou o mesmo entusiasmo. Seu João, com muito cuidado, perguntou quem ficaria responsável pela energia gasta com o computador e se haveria alguma contribuição da empresa com a internet. André disse que avaliaria a situação na empresa e depois comunicaria a decisão. De acordo com o RH, a empresa não teria como auxiliar nesses custos.
André resolveu visitar seu João para avaliar se estava tudo certo. Ao bater a campainha, escutou o choro de uma criança vindo do interior da casa e os latidos do cachorro do vizinho. Seu João abriu a porta com um olhar cansado. O TST entrou na sala e verificou que a estante com os santinhos havia retornado e a mesa do computador foi transferida para o quarto, mas sem espaço adequado para a cadeira. Além disso, o quarto era bem escuro, sem entrada de iluminação natural. Quando questionado, seu João respondeu dizendo que não deixaria a luz acesa pela manhã, já que a empresa não estava ajudando com essa despesa.
Depois, pode-se ouvir o seguinte diálogo:
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— Tudo bem, seu João? Está achando melhor trabalhar em casa?
— Mais ou menos, o computador está travando e o TI da empresa ainda não teve tempo para fazer uma visita. Hoje está até tranquilo, mas está tendo obra na casa da vizinha e não aguento mais o barulho da marreta sendo respondida pelos latidos do cachorro da outra vizinha.
— Mas pelo menos o senhor pode descansar quando quiser, tem mais flexibilidade.
— Para ser sincero, acho que é melhor trabalhar na empresa, pois parece que a empresa acha que eu passo o dia todo deitado. Já ouvi umas indiretas do meu chefe que não gostei. Além disso, o dinheiro que deram para a alimentação não é suficiente e eu ainda preciso parar para fazer o almoço, pois se eu for comprar pronto, não terei dinheiro até o fim do mês.
André retornou para a empresa cabisbaixo ao perceber que não tinha considerado as diversas variáveis que poderiam interferir na casa de cada trabalhador e que agora não teria como voltar atrás, pois já havia vendido a ideia de que a empresa estava à frente de todas as outras que conhecia, pensando na segurança desde o lar do trabalhador. O projeto não prosseguiu e, apesar de algumas reclamações em outras residências, parte dos trabalhadores também gostou da novidade. Ao final, a empresa percebeu, como já era esperado, que as soluções não poderiam ser genéricas, mas sim customizadas para cada realidade, o que consequentemente aumentaria o custo e resultaria em um orçamento não aprovado.
Meses depois, André saiu da empresa. Hoje, em um novo trabalho, apesar de mais experiente, ainda não conseguiu encontrar uma solução que consiga equilibrar a necessidade de avaliação individualizada com as limitações financeiras da empresa.