Desaprendemos a arte do diálogo?
Por que será que estamos nos tornando tão intolerantes?
Parece que o tempo da troca de ideias, do interesse em ouvir o que o outro tem a dizer e ponderar sobre os pontos discordantes ficaram na lembrança de quem já passou dos 35 ou 40 anos de idade.
Raramente encontramos pessoas capazes de ouvir o contraditório sem o envolvimento emocional que impede a abertura de espaço para o raciocínio e a análise a respeito do que o outro está falando.
Somos seres pensantes e por isso a raça humana evoluiu tanto em tão pouco tempo e apesar da estagnação ocorrida na Idade Média, a Era das Trevas. (sim.... 4 mil anos é pouquíssimo tempo quando comparado à eternidade).
Lembro das reuniões de família onde era comum as pessoas abordarem assuntos diversos (até futebol!), sem que por isso surgissem brigas e reações iradas quando discordâncias aconteciam, o que era frequente. A conversa terminava e a amizade continuava, assim como o bem-querer.
Talvez devido ao alto volume de informações acessíveis na internet, e porque poucos se preocupam em conferir a fonte que gerou a informação, é comum pessoas adotarem a postura de donos da verdade sem dar a oportunidade de conhecer a versão de todos os envolvidos.
Desde que as regras do jornalismo e do judiciário foram estabelecidas, independente da cultura onde essas atividades são exercidas, ficou clara a absoluta impossibilidade de se buscar a verdade dos fatos sem ouvir as diferentes versões, sem considerar provas materiais ou evidências capazes de apontar onde está a verdade.
Ainda que todos os envolvidos estejam falando a verdade, essa verdade tende a atender aos interesses pessoais e às crenças de cada um, afinal, o que é bom e justo para um, pode não ser bom e nem justo para o outro. Por isso a importância de ouvir todas as versões e buscar a neutralidade na interpretação das informações coletadas para poder avaliar melhor e adotar um posicionamento justo em relação ao fato.
Entretanto, atualmente, não faltam oportunidades em que se percebe claramente o posicionamento tendencioso de jornalistas e juristas que simplesmente fecham os olhos para fatos, dados, provas e evidências que se contrapõem a seus interesses pessoais ou a suas crenças. Muitos até mesmo se negam a ouvir outras versões. Até mesmo quando confrontados com a realidade dos fatos, nada fazem para desfazer narrativas equivocadas.
Com frequência alarmante acontecem decisões que contrariam as evidências e até mesmo as leis, a constituição e o bom senso.
Decisões questionáveis, que atingem uma ou milhares de pessoas, são tomadas por quem tem poder estabelecido ou são formadoras de opinião sem qualquer compromisso com a coerência, com as leis ou com acontecimentos anteriores. Pessoas antes equilibradas agora não se constrangem em distorcer o desconsiderar informações para atender aos próprios intereusses, sejam eles financeiros, políticos ou simplesmente para manter seus cargos/empregos ou suas posições sociais.
O desrespeito a regras básicas que levam a decisões mais justas sobre informações divulgadas ou sentenças aplicadas estão tornando “perigosas” a convivência e os relacionamentos, sejam na internet, no ambiente de trabalho, nos diversos tipos de associações sociais e até mesmo nas famílias.
Amizades de muitos anos, e até mesmo a convivência entre familiares, onde as duas pessoas fizeram muito bem uma à outra, estão virando inimizades odiosas apenas porque ambos não concordam sobre um assunto que, na verdade, na maioria das vezes, nada tem a ver com o relacionamento delas.
E o que dizer dos cancelamentos que acontecem simplesmente porque alguém falou alguma coisa que outros não concordam?
Essa prática selvagem remete aos tempos da inquisição e não há qualquer exagero nessa comparação.
Carreiras e vidas estão sendo destruídas por meras frases infelizes ou posicionamentos que desagradam alguns ouvintes que preferem ignorar a importância da empatia, embora preguem a democracia.
Mesmo quando o(a) acusado(a) tenta se justificar, os acusadores não arrefecem a ira e não perdoam o que consideram uma blasfêmia, ainda que o que tenha sido dito esteja de acordo com a opinião de outras milhares de pessoas que, por não serem diretamente atingidas, raramente saem em defesa daqueles que são levados a queimar na fogueira dos insultos, condenações e retaliações.
Da onde vem essa baixeza de caráter que se espalha como praga nas redes sociais e nos antes respeitáveis canais de comunicação?
Como é possível se falar e exaltar tanto a democracia se a falta de empatia se alastra como praga que atinge pessoas independentemente de sua formação intelectual?
Aonde foi parar o senso crítico capaz de apontar a verdadeira razão de se optar por acreditar numa determinada versão sem abrir espaço para avaliar os motivos que levaram uma pessoa a falar ou agir de uma determinada forma? A cegueira é tão intensa que, mesmo quando têm acesso a novas informações ou explicações, essas pessoas fazem questão de ignorá-las para não ter que voltar atrás nos seus posicionamentos/julgamentos precipitados.
É triste ver a humanidade involuir e é isso que está acontecendo no mundo inteiro e com espantosa frequência no Brasil. Talvez seja a influência de uma geração que foi muito mais mimada do que todas as gerações anteriores porque suas vontades foram atendidas por pais culpados pela ausência física devido às obrigações profissionais.
Ao mesmo tempo, o estímulo à competitividade cria a necessidade egocêntrica da vitória a qualquer preço, nesse caso, a vitória é: ter razão. Assim, a prática de competição está no poder de convencer aos outros, de provar estar certo e, por isso, ser “melhor” do que os oponentes. Além das palavras e dados, vale também a livre adaptação dos fatos e a interpretação de acordo com a própria conveniência. É fundamental ganhar a disputa a qualquer preço, independente da verdade, da correção dos argumentos e, em especial, da capacidade de superar o adversário com golpes baixos como a ofensa, a ironia e a desvalorização da capacidade de entendimento do outro.
Ética, valores morais, integridade e respeito são meras concepções antiquadas que se perdem na fogueira das vaidades.
De qualquer forma, entendo ser um comportamento que precisa urgentemente ser tratado como uma doença emocional, um vírus, capaz de infelicitar milhões de pessoas que estão perdendo qualidade de vida, qualidade de relacionamentos e colocando em risco sua saúde mental. Um vírus que também dissemina a autocensura daqueles que preferem se calar para não criar confrontos e perdas sentimentais. Um vírus capaz de tirar a paz de espírito de todos que querem conviver em uma sociedade onde prevaleça a justiça e a liberdade.
Nota: Empatia é a capacidade psicológica de se colocar no lugar da outra pessoa para tentar sentir o que ela sente diante de uma situação específica. É tentar ver com os olhos da outra pessoa, adivinhando as emoções que ela pode sentir em consequência da atitude das outras.
Novembro 2021
Marcia Cristina de Souza