A DESISTÊNCIA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Atualmente, poucas empresas que ajuízam pedido de recuperação judicial desistem logo em seguida.

Isso porque, em geral, as empresas encontram-se imensamente endividadas e por esse motivo buscam além de um ambiente mais seguro, “fôlego” para negociar com seus credores.

Importante observar que ao ajuizar o pedido de recuperação judicial, a empresa tem por objetivo, não só quitar seu passivo, mas também, em consonância com a Lei 11.101/05 em seu artigo 47, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Neste sentido, ajuizar um pedido de recuperação judicial, encarar todo stress pré projeto, todo desgaste emocional, apresentar todo cenário real econômico-financeiro da empresa, relação de credores, razões da crise e todos requisitos previstos no artigo 51 da Lei 11.101/05 e logo após apresentar desistência de tal proteção, caminha na contramão do instituto.

Em verdade, as empresas que buscam esse mecanismo de reestruturação e mudam sua estratégia após o ajuizamento, no mínimo, tomaram essa decisão em um ato “desesperado” em busca de uma solução para a crise que atravessa.

Até porque, a única justificativa para a desistência do pedido é a renegociação de todos os créditos sujeitos à recuperação, o que torna desnecessária a manutenção do procedimento.

Antes de adentrarmos nos procedimentos legais quanto a possibilidade de a empresa desistir do pedido de recuperação judicial, importante ponderar que, a Lei 11.101/05 não veio para blindar as empresas inviáveis com o fito de ludibriar credores com um cenário desconexo da realidade. Pelo contrário, o empresário também deverá suportar os ônus da recuperação judicial, comprometendo-se, ainda que à custa de seus próprios interesses, em manter empregos, recolher tributos e apresentar plano de recuperação factível e que atenda, minimamente, ao interesse dos credores, em consonância com a lógica econômica e de mercado.

Dito isso, a Lei 11.101/05 já prevê a possibilidade da empresa ajuizar pedido de recuperação judicial e desistir em seguida, entretanto, há alguns pontos que merecem ser observados, vejamos:

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

(...)

§ 4º O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembleia-geral de credores.

O que isso quer dizer?

Ajuizado o pedido de recuperação judicial, a empresa tem a possibilidade de formular simples pedido de desistência do processo ANTES do deferimento do processamento da recuperação judicial. Não é o primeiro despacho que determina a emendar a inicial, por exemplo, mas a decisão que defere o processamento, nomeia administrador judicial e determina todos os atos de proteção para a empresa Recuperanda.

E se o seu cliente resolveu desistir da recuperação judicial APÓS a decisão que deferiu o processamento?

Bom, neste caso, será necessário convocar uma assembleia geral de credores com o objetivo de deliberar acerca da desistência do pedido. Na hipótese de rejeição em AGC, o pedido é processado normalmente. Caso aprovado em AGC, o magistrado homologa o pedido de desistência e encerra o processo.

A deliberação assemblear sobre o tema, está prevista no artigo 35 da Lei 11.101/05, in verbis:

Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:

(...)

d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei;

Nesse sentido, preleciona Fábio Ulhoa Coelho: "O devedor não pode, depois do despacho que manda processar a recuperação judicial, requerer a desistência do benefício sem a autorização da maioria dos credores reunidos em Assembleia. A instância deliberativa competente para isso é o plenário" (in "Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas", 7ª edição, São Paulo, Saraiva, 2010, n.º 129, p. 185).

Segundo JOSÉ DA SILVA PACHECO, "como, entre as atribuições da assembleia-geral, se inscreve, por força do art. 35, I, D, o pedido de desistência do devedor, nos termos do art. 52, § 4º, desta lei, na hipótese de ocorrer esse pedido, cabe ao juiz convocar a assembleia para deliberar acerca do requerimento do devedor" (Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p 152).

Vale frisar que, a sentença homologatória da desistência do pedido recuperacional após o deferimento do processamento sem oitiva da assembleia-geral é nula.

E nem se alegue que se os credores não estiverem de acordo com a desistência não precisam comparecer no feito, haja vista que a simples ausência de manifestação não substitui a necessidade de realização de ato solene e expressamente previsto em lei para alcançar a pretensão.

Diante desse cenário, há sim a possibilidade de desistência do procedimento se atendidas as previsões legais e observado o momento processual que a empresa se encontra.

Segue abaixo o entendimento jurisprudencial que retrata o cenário delineado:

DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE DESISTÊNCIA. DESISTÊNCIA POSTULADA ANTES DO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO E EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPERATIVIDADE. ART. 52, § 4º, DA LEI 11.101/2005. APELO DE CREDOR. TERCEIRO INTERESSADO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE LEGITIMIDADE E INTERESSE RECURSAL. SUBMISSÃO DO DEVEDOR À RECUPERAÇÃO POR IMPOSIÇÃO DE CREDOR. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. ART. ART. 48, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 11.101/2005. AJUIZAMENTO DE NOVO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO EM OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. IMPERTINÊNCIA. CONDIÇÕES DA AÇÃO DO NOVO PEDIDO. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO DO DISTRITO FEDERAL. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. A preliminar de não conhecimento do apelo por intempestividade não comporta acolhimento, já que o recurso foi interposto dentro do prazo de 15 (quinze) dias úteis dias, contados da publicação da sentença recorrida, em conformidade com o previsto nos artigos 1.003, § 5º e 212, caput, do CPC. 2. Na disposição do art. 996 do Novo Código de Processo Civil, para que terceiro interponha apelo como interessado, é necessário demonstrar a possibilidade de a sentença vergastada "atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual", ou seja, deve demonstrar que, ao menos em tese, a sentença é capaz de afetar relação jurídica ou direitos dos quais se imputa titular. 2.1. Na hipótese, não tendo a sentença homologatória da desistência do pedido de recuperação Judicial o condão de influir, de qualquer forma, na relação jurídico-contratual mantida entre as apeladas e o apelante, e não representando o ato recorrido desconstituição ou mitigação do crédito que a recorrente afirma deter em face das recorridas, é manifesta a falta de interesse e legitimidade para recorrer da sentença na qualidade de terceiro interessado. 2.2. Com a extinção da recuperação judicial por desistência, antes de deferido seu processamento, fica o recorrente livre para buscar a satisfação do seu crédito, pelas vias executivas próprias a esse fim, podendo, inclusive, postular a falência do devedor, o que atesta a irreversível falta de interesse recursal do recorrente. 3. Postulada a recuperação judicial, e requerida a desistência do pedido antes do deferimento do seu processamento, é imperativa a homologação do pedido por sentença extintiva, nos termos do art. 52, § 4º, da Lei de Falencias e Recuperação Judicial, sendo juridicamente impossível que credor recorra da sentença, para impor ao devedor a submissão à recuperação judicial mediante prosseguimento do pedido (art. 48, caput e parágrafo único, da Lei 11.101/2005). 4. Não cabe, nesta sede processual, qualquer deliberação sobre o conteúdo ou condições de procedibilidade do novo pedido de recuperação judicial deduzido pelas apeladas na comarca de Coralina/BA, que não se submete à jurisdição desse egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, tornando absolutamente impertinente a discussão acerca desses temas no recurso em apreço. 5. Apelação não conhecida. Sentença mantida. (TJ-DF 20160110165107 0003291-35.2016.8.07.0015, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 23/11/2016, 1ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 12/12/2016 . Pág.: 141-161)

Christiane Nascimento – Empreendedora | Advogada | Especialista em Recuperações Judiciais.

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Francisco Antonio de Carvalho

Advogado na Ferlig Ferro Liga Ltda/Panda Fomento Mercantil Ltda/Mineração Monte Azul Ltda/Mineração Calciolândia Ltda.

5 a

Parabéns pelo artigo. Muito claro e objetivo.

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