“Desistir” ou abraçar a impermanência?
A palavra “desistência”, este substantivo feminino que nomeia a “ação ou efeito de desistir”, a renúncia voluntária ou a não continuidade a algo, sempre me assombrou como um julgamento, vindo das outras pessoas ou de mim mesmo. Isso porque, devo admitir, desisti mesmo de várias coisas no caminho: trabalhos, projetos, relacionamentos, hobbies. Mas, de certa forma, por detrás de cada desistência havia um pequeno lampejo de consciência sobre a impermanência da vida e o fechamento de alguns ciclos.
É fascinante perceber como as lentes que usamos para compreender situações e nossos próprios comportamentos podem, e devem, se transformar ao longo de nossas vidas. Quando mais jovem, era comum que as pessoas me dissessem que eu “nunca terminava nada” ou que “desistia muito fácil das coisas”. Hoje, depois de algumas primaveras e, a bem da verdade, chegando ao outono de minha vida, me pego refletindo ao ler o livro Wabi Sabi, de Beth Kempton, ou ainda O livro tibetano do viver e do morrer, escrito por Sogyal Rinpoche, percebendo, apenas agora, quantas das minhas “desistências” foram imprescindíveis para que eu pudesse me tornar a pessoa que sou hoje.
Nas mentorias apreciativas, é comum ouvir as pessoas questionando: Como seria SE ainda estivesse naquele relacionamento?; ou ainda: será que estaria mais feliz SE não tivesse largado aquele emprego? Parar, questionar e apreciar nossas histórias pode nos fornecer lições significativas, porém, a ideia é preciso resgatar os motivos por detrás de cada desistência, a fim de reconhecer qual necessidade essencial precisou ser atendida naquele momento ou perceber o que já havia acabado.
As Dimensões do Envolvimento
Há alguns anos, venho observando e estudando a maneira como indivíduos se conectam com grupos, organizações, projetos e até causas sociais, compreendendo esta dinâmica a partir do que chamo de as Dimensões do Envolvimento: Pertencimento, Engajamento e Empoderamento.
Para cada uma dessas dimensões, propus três elementos que servem tanto como indicadores quanto fomentadores; portanto, que indicam ou promovem o envolvimento genuíno das pessoas com um grupo.
O Pertencimento, por exemplo, envolve a construção de uma identidade entre o indivíduo e o grupo ou organização; esta identidade depende do alinhamento dos interesses comuns, aquilo que o motiva (sua automotivação) com o que buscam as demais pessoas, assim como do reconhecimento da própria capacidade de contribuir (seu potencial colaborativo), seja com os objetivos, causa ou um propósito. Desta forma, indicam ou fomentam o Pertencimento: a identidade, automotivação e o potencial colaborativo.
A segunda dimensão, o Engajamento, pode ser percebido ou incentivado por meio do propósito compartilhado, pela demonstração clara do reconhecimento (reconhecimento percebido) às contribuições e também pela existência de perspectivas de futuro, que permitam às pessoas sonharem.
Já o Empoderamento envolve a autorrealização, e depende do indivíduo reconhecer seu domínio ou o saber fazer, além da autonomia, contando com o espaço e a confiança numa estrutura que a permita fazer o seu melhor.
Essas dimensões e seus indicadores/fomentadores me servem, há anos, como um modelo de gestão apreciativa para orientar lideranças sobre como reconhecer ou despertar em seus times o pertencimento, engajamento e empoderamento. No entanto, as mesmas dimensões que nos servem como lentes para ler os times organizacionais, ou grupos de pessoas reunidas em torno de uma causa, também podem nos ajudar a ressignificar as ditas “desistências” em nossa jornada de vida.
Novas lentes para reflexão
Procure lembrar de algo do que você desistiu, pode ser a leitura de um livro, por exemplo, talvez um projeto, um emprego ou mesmo um relacionamento.
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Sim, o que você, eu e tantas outras pessoas já fizemos nesses momentos foi de fato uma desistência, renunciamos de maneira voluntária e intencional a algo ou alguém, descontinuamos uma atividade ou abandonamos aquela leitura. Entretanto, a fim de ressignificar esses momentos e fazer as pazes com nós mesmos, é preciso se perguntar: qual necessidade essencial minha eu busquei atender com esta decisão?
É comum falarmos em “encerrar ciclos”, mas a verdade é que esta expressão não preenche o vazio da dúvida do SE, nem diminui o sentimento de culpa, nutrido pelo julgamento alheio ou a autocobrança.
Mas agora, deixe de lado o autojulgamento e a dor que talvez você sinta ou nutra ao pensar na última discussão, na imagem do livro sobre a prateleira ou nas vezes em que você fica se questionando e SE(?).
No momento, quero que você experimente lembrar das suas desistências, porém, recue alguns dias, ou talvez meses, que antecederam sua decisão. Você sentia que estava num envolvimento realmente genuíno? Seja com aquele livro, projeto, organização, time ou pessoa do relacionamento; procure se lembrar sobre a dinâmica entre você e esse outro, ou outros, e experimente usar as mesmas lentes das Dimensões do Envolvimento.
Desistimos, sim, quando não nos sentimos pertencentes a um lugar, grupo ou relação. Isso pode ocorrer por uma não mais identificação, pela mudança de nossas motivações ou por não nos sentirmos mais confortáveis ou potentes em colaborar.
Há momentos em que deixamos de compartilhar de um propósito, seja pela ausência de reconhecimento ou de perspectivas em relação ao futuro, o que nos leva a perda de engajamento com o projeto ou organização.
Às vezes, abrimos mão de uma promoção, negócio ou qualquer outra oportunidade ou desafio por não nos sentirmos empoderados, seja porque a atividade proposta não tem relação com nossa autorrealização, por não dominarmos o conhecimento necessário para saber fazer ou porque a estrutura ou espaço não nos permite a autonomia para nos desenvolvermos plenamente.
Cada uma dessas situações e perspectivas merece ser acolhida e respeitada, servindo como ponto de partida para reflexão sobre o que esteve por detrás do seu desistir, a fim de abraçar a impermanência da vida, de algumas escolhas, carreiras, relacionamentos e até a conexão com um certo livro pela metade.
Olhar para nossas decisões do passado, através das lentes da identificação, automotivação, potencial colaborativo, propósito compartilhado, reconhecimento percebido, perspectivas de futuro, autorrealização, domínio/saber fazer e autonomia pode nos ajudar a ressignificar cada momento em que julgamos ter desistido de algo, abrindo nossos olhos para as necessidades essenciais que, talvez, ainda precisamos atender no aqui e agora.
E você, conhece reconhecer a ausência de pertencimento, engajamento ou empoderamento para decidir quando o melhor a fazer é abrir mão de algo? Venha conversar a respeito.