Desospitalização: um potencial inexplorado no mercado da saúde
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Na oitava edição da Green Rock Insights, adentramos o conceito de desospitalização no Brasil e no mundo, explorando as perspectivas, como um todo, sobre os hospitais de transição e a assistência domiciliar (ou home care). Para isso, compartilhamos aqui no formato de entrevista a visão apurada do especialista Alexandre Santini, CEO da Rede Altana, que atua com hospitais de transição. Depois, no segundo texto, levantamos dados relevantes em torno desse cenário, desafios e alguns números sobre o mercado de transição.
“Existe uma forte tendência de crescimento dos hospitais de transição pela sua subutilização”, indica Alexandre Santini, CEO da Rede Altana
O debate sobre a desospitalização vem chamando atenção e ganhando espaço no mercado da saúde no Brasil. O conceito da assistência domiciliar é mais intuitivo e popular, mas ainda existe um grande desconhecimento a respeito dos hospitais de transição, seu intuito e funcionalidade. Em entrevista exclusiva, Alexandre Santini, CEO da Rede Altana, compartilha mais sobre esse modelo de hospital, as condições atendidas, a trajetória com as operadoras de saúde e suas perspectivas sobre os próximos anos.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O que são hospitais de transição? Para quais condições eles são úteis?
São instituições que atuam no cuidado de pacientes que passaram por um evento agudo e que ainda não estão aptos para retornarem para as suas casas. Nós atuamos através de uma equipe multidisciplinar composta por médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutrólogos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Desenhamos um plano terapêutico com metas individuais para cada paciente que entra na nossa instituição. Essas metas são traçadas semanalmente e compartilhadas com familiares, desde o primeiro momento da internação. Nós visamos oferecer para o paciente uma recuperação e reabilitação para que ele atinja o seu nível máximo de ganho de independência funcional.
Os hospitais voltados para o cuidado de pacientes agudos têm foco no diagnóstico e estabilização daquele paciente, o que envolve um alto investimento em recursos. O tempo de permanência de cuidado do paciente dentro desse hospital hoje no Brasil está entre quatro e cinco dias. Vamos imaginar um paciente que teve um AVC: ele passa por um momento de diagnóstico, tem uma intervenção rápida de um neurocirurgião, depois ele sai do hospital e está em um quadro já estável com as sequelas dadas por esse evento agudo. O foco do neurocirurgião não é cuidar do paciente após estabilização, mas sim tratar do evento agudo. Já o foco dos hospitais de transição é diferente. Nós somos um time multidisciplinar voltado para reabilitar esse paciente. Ainda temos pacientes com uma alta dependência de cuidado na nossa instituição, mas em uma criticidade menor do que no hospital. Depois que nós passamos por essa fase, que pode ocorrer entre 30 a 90 dias, esse paciente tem alta. Muitas vezes ele vai para sua residência e cuidados familiares na sua nova realidade. Outras vezes, ele sai para algum cuidado ainda de home care, o qual se volta para pacientes de menor complexidade que não dependem de médico à disposição 24 horas e de uma equipe multidisciplinar.
Basicamente, nós trabalhamos com três tipos de pacientes: o paciente clássico de reabilitação, que muitas vezes tem uma boa recuperação e ganha independência funcional para voltar para o seu cotidiano; o paciente em cuidados paliativos que é aquele que está no final de vida e isso gera uma angústia social para família; e o paciente de longa permanência, que é aquele em que tendemos a diminuir gradualmente o nível de cuidado para que ele possa voltar para sua residência, melhorando a deglutição, tirando traqueostomia, entre outros pontos.
Sabemos que o Brasil está muito atrelado a planos de saúde ou SUS. Como você conversa com esses players? Hoje, o hospital de transição consegue atuar no SUS ou ainda não? E como funciona a conversa com os planos de saúde?
Nós não atuamos com o SUS. É um mercado que ainda não se desenvolveu lá, mas tenho a expectativa de que em algum momento isso aconteça. Nós buscamos um benchmark mais do mercado americano, apesar das suas particularidades. Sempre olhamos com cuidado para esse mercado lá fora quando montamos um negócio. Nós começamos a olhar para o paciente que estava institucionalizado dentro de hospital e que tinha um alto grau de dependência e de cuidado. E então começamos a ser provocados, até mesmo por alguns hospitais, que nos apontavam que eles não tinham o foco em diminuir a complexidade do cuidado do paciente institucionalizado.
Começamos e conseguimos ter muito sucesso em tirar esse paciente que estava há três ou quatro anos institucionalizado no hospital e levá-lo a sua residência. Esse paciente passava pela nossa instituição, nós diminuíamos o grau de complexidade e conseguíamos dar alta muitas vezes para o home care de forma inicial. E por que antes ele não ia direto para o home care? Porque ele era um paciente muito instável que ia para o home care e depois precisava de reinternação, sendo melhor mantê-lo no próprio hospital. A nossa tese começou assim. Outras empresas aqui na cidade de São Paulo começaram modelos semelhantes, mas olhando mais para pacientes oncológicos e os cuidados paliativos, o que era uma visão diferente da nossa.
Nos aproximamos mais desse mercado no contexto internacional e começamos a avaliar as teses. A operadora tinha medo de tirar o paciente de um hospital e cair em uma experiência com o home care na qual o paciente nunca mais saía desse tipo de cuidado, que se tornava assim um terceiro player. Havia um medo do paciente ingressar no hospital de transição e isso se tornar algo de longo prazo. Então criamos o modelo de remuneração decrescente: todo paciente de cuidados paliativos ou de reabilitação vinha para cá com um ticket e a cada período ele tinha um decréscimo. Quando passava a meta estabelecida inicialmente, aquele paciente tinha um decréscimo que financeiramente não era mais viável para a companhia. Não fizemos isso porque não queríamos o paciente, mas sim porque de fato não havia necessidade. A nossa tese foi pautada na ideia de que “aceitamos isso, queremos provar que estamos alinhados com vocês e que o paciente vem para o hospital de transição para realmente melhorar sua condição clínica”. Só que isso é uma trajetória. Hoje nós estamos chegando em 16 anos. No final da última década, a partir de 2015, começaram a aparecer players já de fora da cidade de São Paulo e eles têm nos ajudado a disseminar mais isso no setor. A operadora continua com as mesmas dores. Ao longo de todo esse período tivemos uma construção para nos mostrar fiéis à nossa tese. Isso tem dado muito certo e conseguimos entregar aquilo que eles esperam. Só posso falar pela minha companhia, mas diria que hoje o mercado nos vê com bons olhos.
Existe algum número geral de quantos pacientes poderíamos levar para um hospital de transição que hoje não são levados? E o quanto conseguimos de redução de custo?
Posso falar um pouco da minha experiência e da realidade de São Paulo, que é onde atuamos. Somos um redutor de custo de diária em comparação com a diária hospitalar do nosso paciente, que é crônico. Imagine: o paciente com ventilação mecânica normalmente está dentro de uma UTI, não no quarto. 60% dos nossos pacientes estão com ventilação mecânica, então eu diria que há entre 70% e 80% de redução de custo de internação. Quanto a quantidade é difícil falar, mas temos os benchmarks. No mercado europeu, por exemplo, estima-se que entre 10% e 25% dependendo do país, da quantidade de leitos de agudos. Imagine um país que tenha 500 mil leitos de agudos, você teria no mínimo 50 mil leitos de hospitais de transição.
Além disso, vale destacar que no Brasil vivemos um processo de envelhecimento muito grande. Mais de 70% dos nossos pacientes são idosos. Isso não ocorreu porque o nosso foco é o idoso, mas sim porque essa população tem uma prevalência maior de doenças que tenham esse impacto. Então o crescimento d setor vai ser muito grande.
Você vê a desospitalização como uma tendência na saúde hoje? E o home care?
Eu acredito que a tendência é que o hospital de agudos realmente tenha um tempo menor de permanência e fique cada vez mais focado em centros cirúrgicos, em diagnóstico e especialização. Acredito que a hospitalização tende a reduzir e para isso acontecer há uma necessidade de ter mais agilidade para dar alta. Mas, como o mercado vai se acomodar, se vai haver mais hospitais de transição ou home care é outra questão. Eu acredito que os modelos são complementares e que somados, promovem juntos valor ao sistema de saúde. A atenção domiciliar é uma solução consolidada e eficiente, mas com muitas oportunidades, principalmente na interface com o hospital de transição. A internação domiciliar aconteceu mais no Brasil do que fora, não sei como vai ser a visão das operadoras. Mas eu acho que existe uma forte tendência de crescimentos dos hospitais de transição pela sua subutilização.
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Você tem alguma dica para os empreendedores? Onde você vê as maiores oportunidades?
Existem algumas oportunidades, mas acho que a principal delas seria a integração das plataformas. Essa navegação do cuidado do paciente precisa estar mais integrada. O paciente é sempre um novo paciente para cada player da jornada de saúde, o qual precisa desenhar um novo plano. Quando pensamos nos pacientes crônicos e no acompanhamento que precisa ser feito, a integração se mostra necessária. Então entendo que esse seria um ganho muito grande na saúde e é algo que ainda não temos.
Desospitalização: um potencial inexplorado no mercado da saúde
De acordo com o artigo “As perspectivas da desospitalização no Brasil e a assistência humanizada como coadjuvante neste processo: uma revisão de literatura” do Boletim Técnico do Senac, o conceito de desospitalização se refere a “saída do paciente do ambiente hospitalar para continuar recebendo cuidados necessários à saúde em outro ambiente de forma segura, por meio de processos assistenciais estruturados e eficientes, reduzindo diretamente o tempo de internação hospitalar”.
A ANS indica que a desospitalização pode ser aplicada em adultos com doenças crônicas não transmissíveis, adolescentes, crianças e usuários em cuidados paliativos. Para que haja essa desospitalização, é necessário que o usuário demonstre uma determinada estabilidade clínica e não precise de atendimento médico intensivo. Um dos grandes benefícios em torno dessa estratégia, segundo o artigo, é a redução do risco de infecção hospitalar. Além disso, segundo relatório de 2020 do Ministério da Saúde, o investimento em uma desospitalização planejada ajuda a reduzir as readmissões hospitalares e a sobrecarga dos serviços emergenciais, o que leva a uma diminuição de custos. Na Inglaterra, por exemplo, em torno de 35% das internações são avaliadas como admissões de urgência, o que ocasiona um custo de 11 bilhões de libras anualmente.
Ainda, o Brasil vem passando por uma transição demográfica nas últimas décadas marcada pela redução da taxa de fecundidade e pelo envelhecimento populacional. Nesse sentido, segundo o Plano de Dant (Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030) da ANS, publicado em 2022, o país vive uma transição epidemiológica caracterizada pelo aumento de doenças crônicas, as quais ocuparam a primeira posição como causa de óbito de 30 a 69 anos e registraram um gasto de 8,8 bilhões com internações. O artigo do Boletim Técnico do Senac indica que, mediante esse cenário das doenças crônicas e também do aumento da expectativa de vida, a desospitalização vem se mostrando como uma saída para os serviços de saúde, incluindo os hospitais de transição e a atenção domiciliar (ou home care).
Hospitais de transição
Como já mencionado na entrevista com o Alexandre Santini, eles são muito indicados em casos de reabilitação física ou cognitiva após quadros agudos, doenças crônicas, idosos ou no fim da vida. Entende-se que, muitas vezes, quando um paciente recebe alta do hospital depois de um quadro grave, ele ainda precisa passar por um plano de recuperação antes de voltar para casa. Isso reduz o risco de reinternações e possíveis complicações.
Segundo a Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição (ABRAHCT), esse modelo dos hospitais de transição tem ganhado espaço no Brasil, havendo uma relação de 13 leitos de transição para cada 1.000 leitos de cuidados agudos no âmbito privado. Contudo, ainda não há nada semelhante a isso no SUS.
A ABRAHCT enfatiza que a pandemia contribuiu para demonstrar a relevância desse modelo. Esses hospitais proporcionam o suporte necessário para o paciente pós-Covid que apresenta sequelas, precisa de reabilitação e não está tão pronto para voltar para sua casa. Ainda, os hospitais gerais são focados no paciente agudo, e não naquele que precisa de reabilitação, havendo esse espaço a ser preenchido por hospitais de transição.
Além disso, a associação aponta que esse modelo de hospital ajuda a desafogar o sistema de saúde, uma vez que os pacientes que precisam de cuidados continuados permanecem ocupando leitos em hospitais de alta complexidade. Em vários países o desenvolvimento desse modelo foi pensado com o intuito de reduzir o tempo de hospitalização de cuidados agudos, levando a uma redução das despesas médicas. Assim, esses hospitais de transição ocupam a lacuna de falta de leitos e promovem eficiência no processo de saúde, diminuindo os custos de internação prolongada. Segundo a ABRAHCT, o custo médio de um paciente no hospital de transição gira em torno de 15% a 40% de um hospital geral.
Assistência domiciliar ou home care
Quanto ao home care, o artigo do Boletim Técnico do Senac apontou que esse modelo substitui a atenção do hospital para pacientes clinicamente estáveis. O home care implica em vários fatores positivos, entre eles a redução do risco de infecção hospitalar, a humanização da atenção pela proximidade do paciente com seus familiares, aumento da resposta terapêutica ligada a uma melhora da qualidade de vida, entre outros pontos.
No entanto, o home care possui vários desafios, como indicado ao longo do artigo: costuma haver uma resistência da família em relação ao home care, pois os familiares se sentem frustrados com a alta hospitalar antes do desaparecimento de todos os sintomas; a função daquele que cuida do paciente é vista como desgastante, havendo uma forte necessidade de apoio psicológico da equipe de saúde; e as famílias se sentem inseguras de assumir um cuidado no domicílio, entre outros pontos.
No Brasil, os médicos de família foram pioneiros quanto à prestação de serviços e saúde em domicílio, mas a expansão dessa forma de assistência começou com a ampliação de programas inerentes ao SUS. De acordo com o Núcleo Nacional de Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar (Nead), a pandemia impulsionou esse modelo de cuidado por conta do risco de infecção nos hospitais, com uma alta de 15% do faturamento no setor em 2020. Contudo, o Nead ressalta que mais de 95% dos atendimentos de home care são voltados para clientes de planos de saúde.
Contexto internacional da desospitalização
A desospitalização já está mais consolidada em países mais desenvolvidos, tanto em relação aos hospitais de transição quanto ao home care. O relatório da Grand View Research apontou que o mercado global de serviços voltados para cuidados de transição foi avaliado em US$ 175,6 bilhões em 2021 e fez uma estimativa de expansão a uma taxa de crescimento anual composta de 17,4% do ano de 2022 até 2030.
O Grand View Research também atribui essa perspectiva de crescimento à demanda provocada pelo aumento das doenças crônicas no mundo, o que está muito atrelado ao envelhecimento populacional. Houve um destaque para a população idosa em países como Estados Unidos, Itália, China, Japão e Índia. Outros fatores que impulsionam a expansão desse mercado são a redução das reinternações nas unidades de saúde e o custo-efetividade desses serviços.
O relatório indica que em 2021 a América do Norte prevaleceu nesse mercado com uma participação superior a 45%, sendo ele muito competitivo, uma vez que os principais players estão nessa região. Ainda, há uma expectativa de que a taxa de crescimento anual composta na região da Ásia-Pacífico seja de 18,3% entre 2022 e 2030 (ou seja, superior à média de 17,4%). Isso se deve principalmente ao crescimento da população idosa, além do aumento de cirurgias, doenças e estabelecimento de instalações de saúde nesta região.
Analista Técnico de Auditoria Clinica | Enfermeira | Desospitalização e Atendimento Domiciliar | Foco Gestão de Custo e Alta Segura
2 mQue matéria fantástica! Hoje os números já devem ser outros, mas ainda, bem próximos da realidade de vivência.
Diretor de criação e desenvolvimento na Universidade do Papel | Arte, Design e Técnicas em Papel
1 a👏👏👏👏