Destrinchando o lançamento do iPhone 12: como a Apple vende de forma diferente produtos quase idênticos

Destrinchando o lançamento do iPhone 12: como a Apple vende de forma diferente produtos quase idênticos

É impossível desassociar a Apple do seu marketing. Steve Jobs foi um dos mais brilhantes marqueteiros do século 20 e a construção da Apple no mercado, ao longo das décadas, sempre foi muito consistente por causa da capacidade dele saber exatamente para onde a marca deveria caminhar.

Talvez o brilhantismo do marketing da Apple seja melhor representado por dois filmes publicitários clássicos: "1984" e "Think Different". Um é uma chamada às armas contra o grande irmão opressor (IBM) enquanto o outro é um manifesto aos inconformados. Um utiliza as estratégias do "inimigo em comum" e "nós contra eles", o outro se finca em identificação de valores e bandeiras. Na minha opinião, os dois melhores filmes publicitários da história.

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A essência da Apple é muito bem representada nesses filmes porque mostra que não é apenas uma marca que fabrica computadores. Na verdade, os produtos não são nem mencionados. Isso automaticamente a destacou de todas outras empresas que competiam no setor, as quais sempre falaram com linguagem "téquinês" e batiam nos aspectos funcionais Pessoas se identificam com valores e causas, não com produtos. É por isso que algumas marcas ocupam um espaço no coração das pessoas e outras não.

Só que não é possível falar apenas de forma institucional e nunca do produto para construir uma empresa, tanto que a Apple atualmente fala muito menos dela e muito mais do que ela vende.

Isso ocorre devido principalmente ao cenário de mercado no qual a Apple se encontra hoje, que é consideravelmente diferente de décadas atrás: o seu principal produto é o iPhone e não o Mac, a competição é muito mais acirrada por causa da Samsung e fabricantes chinesas e as pessoas já não vem mais o iPhone como algo revolucionário, e sim corriqueiro.

Como você faz para bater recordes de vendas mesmo nesse contexto? Como continuar deixando o iPhone um produto atraente, que desperta desejo mesmo na pessoa que comprou um celular novo dias antes do novo iPhone ser lançado?

Tem duas estratégias de negócio que a Apple tem utilizado para manter as pessoas no iPhone: foco em serviços como Apple TV+ e Apple Arcade, que oferecem conteúdo original exclusivo, e um ecossistema de software e hardware, com Apple Watch, Homepod e Airpods, onde esses produtos funcionam melhores (ou só funcionam) se você tiver um iPhone. Ambas têm funcionado bem, tanto que a parte de serviços é a que mais cresce em faturamento.

Mas e a estratégia de comunicação em si, como resolver? Especialmente com uma linha de produtos divida entre iPhone e iPhone Pro, que para confundir as pessoas não precisa de muito esforço?

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O iPhone 12 e 12 Pro, lançados essa semana, são praticamente idênticos. As diferenças técnicas são pequenas, na qual a principal delas está nas câmeras. Pela primeira vez um iPhone normal tem uma tela de OLED (que é consideravelmente melhor que a LCD), o design entre os dois modelos é praticamente idêntico (muda o material de acabamento) e o processador é o mesmo, então quem tiver o iPhone 12 terá exatamente a mesma performance do que quem tem o 12 Pro. E ambos tem conexão 5G, que é a grande novidade desse ano.

Precisa existir, portanto, um esforço deliberado de comunicação para que um produto seja percebido de forma diferente do outro. Se isso não é bem resolvido, o cliente fica confuso em qual deve comprar. E mais do que ficar confuso, o modelo Pro, que começa custando 300 dólares mais caro, fica desvalorizado aos olhos do cliente.

Contraste é tudo

O que a Apple fez para resolver isso foi posicionar na mente das pessoas os produtos em imaginários opostos, o que foi traduzido em uma comunicação radicalmente diferente para cada um. Quase como dia e noite.

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O iPhone 12 é o produto feito para qualquer pessoa utilizar, do menino de 12 anos até um senhor de 60. A comunicação visual da campanha e do site é colorida, jovem, dinâmica. Vale a pena assistir o filme, pois é visível como quiseram deixar tudo muito acelerado, com cortes rápidos e ângulos inusitados. É o celular feito para qualquer um, tanto que existe uma grande variedade de atores no filme em situações diversas, pois a ideia é justamente que qualquer pessoa se sinta representada como uma futura dona de iPhone 12.

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Já o iPhone 12 Pro vai para o lado do luxo. A comunicação, seja no site, seja em peças publicitárias, é escura e minimalista, que são signos relacionados à itens de alto valor. No filme é especialmente interessante o narrador enaltecendo os detalhes técnicos, explicando exatamente como a tela nova é feita, quais são as características físicas das novas câmeras, como o scanner de ambiente funciona e mais. É nítido como isso é feito para engrandecer o produto na mente do consumidor, com o objetivo dele sentir que esses US$300 a mais que o iPhone 12 Pro custa são justos. Outro aspecto que vale a pena ser destacado é que a Apple está posicionando o Pro como uma ferramenta de trabalho para fotógrafos e videomakers, mostrando profissionais da indústria utilizando eles.

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O que a Apple ensina

Estrategicamente, a Apple faz algo aqui que outras empresas apanham bastante: diferenciar com clareza produtos muito semelhantes, sem que seja necessária grandes explicações e comparativos técnicos. A linguagem visual e verbal, das cores e cenas até as palavras e o tom, criam, de certa forma, duas marcas distintas na cabeça das pessoas.

Portanto, existem algumas lições que qualquer marca pode aprender com a Apple:

  • Não adianta só falar do aspecto técnico e fazer isso de forma dura. Mesmo no site a comunicação de funcionalidades fala com uma linguagem bastante simples e envolvente, o que facilita o entendimento e o convencimento.
  • Produtos diferentes precisam de públicos alvo diferentes. Mesmo que qualquer pessoa com dinheiro suficiente possa comprar o produto que quiser, a comunicação precisa demonstrar com nitidez sobre para quem é aquilo. Sem isso, ninguém se identifica. E não é apenas sobre dados demográficos, mas também comportamentais.
  • Todo detalhe importa e os elementos da comunicação precisam criar sinergia. Da cor utilizada até palavras, precisa haver conexão e deliberação para construir uma imagem proposital sobre o produto. Sentimentos e associações específicas. Caso contrário, ficará algo pouco marcante e a pessoa irá esquecer ou ficar confusa.
  • Colocar o holofote sobre qual é a grande diferença entre os produtos é essencial para não haver confusão. Se um for consideravelmente mais caro do que o outro, isso é ainda mais importante para que o produto premium não perca percepção de valor.

Mesmo não sendo uma "Think Different", as campanhas de iPhone da Apple são sempre muito interessantes de serem acompanhadas. O desafio aumenta a cada ano à medida em que as diferenças tecnológicas entre modelos ficam menores, mas nunca aconteceu da Apple não tirar de letra. Mais uma vez, acertaram. E para quem quiser entender, é um curso gratuito do de como fazer marketing como poucos conseguem.

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