Deus da o fardo! Quem disse que conseguiremos carregar?

Quem me conhece sabe que, por vezes, escrevo sobre a vida, a minha vida. Falo da profissão de Mestre de Cerimônias. Dos meus incômodos com o comportamento dos outros. Das dúvidas que tenho. Do fusca, que é uma paixão. Também falo das curvas que a vida nos dá. É delas que falarei hoje com você.

Lido com a deficiência há 27 anos — tempo de vida da minha filha Vitória. Ao redor dela existe uma rede de amigos que também depara com condições diferentes daquilo costumamos chamar de normal. Condições que não os fazem transparentes e muito menos inexistentes no contexto social.

Quando começamos a entender o mundo, traçamos metas que irão se transformar com passar dos anos e a aproximação da maturidade. Estudar, ter um diploma, conquistar o tão esperado espaço no mercado de trabalho, ter alguém pra dividir a vida e formar uma família — seja esta do formato que tiver de ser e com a composição que melhor se adaptar ao seu estilo de vida. Mesmo que se faça o possível para uma programação perfeita ou quase perfeita, o que esta desenhado para o nosso futuro é segredo. Um segredo necessário! Talvez, sabedores dele fossemos, não conseguiríamos criar estrutura psicológica suficiente para não desejar encurtar o caminho da existência.

Nesse ponto é que quero chegar. 

"Deus não te dá um fardo que você não possa carregar. Se Ele te deu é porque Ele sabe que você aguenta."

Não é assim que lhe dizem quando te deparas com algo que não imaginas como lidar? De uma forma encorajadora, as pessoas te atiram no colo esse dito popular! Não querem ser simplistas na forma de ajudar o seu raciocínio, mas querem que você esteja preparado para o que terá de enfrentar, mesmo que saibam que elas não conseguiriam carregar o tal fardo — talvez até por isso.

O fato é que ao depararmos com um problema, ele passa a ser totalmente nosso e tão somente a nós compete desatar o nó. Somos obrigados a extrair forças que se escondem em nossas fraquezas muitas vezes adquiridas da nossa criação ou da relação que nossos pais faziam com os seus fardos, suas dificuldades e seus desafios.

E lidar com o especial é um desses desafios. Tanto para quem depara com o nascimento de um serzinho, com o qual já teríamos de aprender a cuidar de forma natural, quanto para quem terá de encarar com a sua própria deficiência.

Eu poderia estar sendo tão somente cruel em uma avaliação racional a respeito do diferente, mas quero que reflitam sobre o quanto é preciso redobrar ou descobrir forças para enfrentarmos o que está por vir em casos como esses.

Quando a Vitória nasceu, e tinha tudo para ser "normal" até aquele dia, tudo parecia ser administrável dentro dessa nossa expectativa que traçamos para o futuro. Acontece que quando o inesperado surge, ninguém, naquele momento, sabe o que fazer. Daí surge a frase acalentadora: "Deus não te dá um fardo que você não possa carregar. Se Ele te deu é porque Ele sabe que você aguenta”.

A questão é que temos de aguentar. Precisamos desmembrar o que simbolicamente o dito popular chama de fardo, em pequenas frações de momentos difíceis, mas principalmente de CONQUISTAS. 

Temos de nos aprofundar nesse novo mundo do desconhecido para seguirmos em frente e, principalmente criarmos estrutura para que esse novo ser humano que chega já venha forjado de muito mais força do que imaginamos ter.

Junto com isso, e não só com a frase popular, se forma uma corrente positiva que, muitas vezes, nos apoia e outras tantas são apoiadas por nós. Lidar com a deficiência, nos da uma condição diferente, também. Tanto quanto para quem tem a “diferença".

Demoramos, e talvez alguns nunca entendam, que a condição humana é única e temos de saber viver e nos respeitar. Estar vivo, seja em qualquer condição, não nos faz mais ou menos, apenas somos. Temos de aprender a viver e entender em que condição estamos nos colocando. 

Ser exposto a situações jamais imaginadas, não nos fará um super homem ou uma mulher maravilha, ainda que na condição feminina deparemos com muitos e maiores exemplos de superação. Ainda mais quando se trata da criação e da posição de mãe. Mulheres são imbatíveis nesse quesito e não é atoa que o amor seja tão visceral! É de lá que saímos. Sim, elas carregam muitos fardos. E não são poucos os casos de homens que pulam fora da relação quando a tal condição é a de lidar com a deficiência.

Vamos ter sossego? Teremos paz? Em algum momento sentaremos na poltrona só pra assistir a algo que distraia os pensamentos? Sim, teremos! Porém, sempre ligado em estado de alerta. 

As possíveis novas mudanças e adaptações. As novas maneiras de se lidar com o amor e com os amores que eles terão. E aqui me coloco na posição de pai e de alguém que vive em uma condição especial com um déficit cognitivo — o que requer uma participação mais ativa e uma vida não tão independente quando se desejaria que tivesse.

Teremos de desconstruir fardos. Dividir tarefas. Ensinar novos parceiros que se apresentarão na caminhada. Acreditar em pessoas que surgirão com soluções e não frases consoladoras, pessoas que lhe ensinarão a não ter atitudes capacitistas no lugar de achar que está sendo protetor.

Não nos perguntam se teremos força pra carregar o "fardo". Apenas entregam a Deus a tua força de vontade. E vamos nos tornando fortes a medida do tempo. Vamos entendo como esse sistema evolui e que em alguns momentos estaremos em paz com essa tarefa de Deus, e sempre atentos, porque a qualquer momento teremos de cortar o sono pela metade para trocar um jogo de lençóis que por algum descuido ou pensamento ruim, acabou molhado! Sim! A gente consegue! Mas cabe a cada um descobrir se o que ti deram foi um "fardo" ou uma bonita missão a cumprir. 

Eu ganhei uma missão!