Dez lições aprendidas com o Furacão Rita: um relato pessoal
Source: NASA.

Dez lições aprendidas com o Furacão Rita: um relato pessoal

Por Raquel Balceiro.

Em setembro de 2005, estava com um grupo de colegas em Houston, TX, participando de uma Knowledge Transfer Section de um Grupo de Estudos da APQC, quando fomos surpreendidos pelo anúncio da chegada do Furacão Rita em poucos dias à cidade. Ficamos literalmente apavorados, sem saber muito bem como proceder. Para os locais, a chegada de um furacão assustava, mas não tanto, porque esse incidente climático é comum na vida deles. Mas não na nossa!

Tínhamos planejado ficar por uma semana na cidade, para que tivéssemos tempo de participar do encontro e ainda visitar a unidade da empresa no local. No entanto, ao sabermos que o furacão se aproximava, resolvemos manter as tvs ligadas na CNN dia e noite, de forma que pudéssemos acompanhar os desdobramentos do problema, e ao mesmo tempo, monitorar a categoria com a qual o furacão se aproximava da costa e da cidade. A ideia era que buscássemos o máximo de informações para que tomássemos a decisão mais acertada.

Todos os dias pela manhã, na hora do desjejum, nos reuníamos e avaliávamos o que íamos fazer. Deveríamos partir ou ficar? Precisávamos de ajuda? Tínhamos que contatar alguém no Brasil? A equipe local poderia nos ajudar a antecipar as passagens? Estava na hora de escapar?

A situação dos dois hotéis onde nos encontrávamos já nos dava uma pista do que viria, pois neles estavam os desabrigados do Mississippi, aqueles que tinham acabado de sofrer as consequências desastrosas do furacão Katrina, que havia passado por aquele estado destruindo tudo (o Katrina passou pelos estados do Mississippi e da Luisiana em agosto de 2005, na categoria 3, e deixou 1200 mortos). Por mais que a gente olhasse bem para as instalações dos hotéis e achasse que eles tinham como se preparar para o evento, fomos informados pela administração que eles teriam que fechar e que todos deveriam deixa-lo até o dia previsto para que o furacão chegasse. Então, sair era uma questão de tempo, pouco tempo. Só precisávamos saber se voltaríamos para o Brasil ou nos mudaríamos para outro hotel, com mais infraestrutura.

Rita aproximava-se da costa ganhando força. Quando ele chegou na categoria 5, assistimos a um repórter responder a uma moradora de Houston que ela deveria rezar, pois não havia mais nada a fazer. Isso realmente nos alarmou. No mesmo dia, durante o evento, fomos informados pela coordenação que ele seria interrompido, e que infelizmente, não haviam condições para finalizá-lo.

Ao ligarmos para a empresa, recebemos a recomendação de que voltássemos ao Brasil, mas que teríamos que conseguir a troca das passagens pela sede, ou direto no aeroporto. Sentimos um pico de tensão aqui: conseguiríamos escapar?

No nosso grupo (éramos 8), tínhamos três grupos menores. Dos dois que teriam que deixar a cidade pelo aeroporto de Houston, cada um estava num hotel diferente, e o outro deveria ir a Dallas para retornar. Ou seja, não poderíamos pôr nosso plano em prática juntos, cada um teria um percurso a seguir. Só reencontraríamos um dos grupos no aeroporto e o outro, no Brasil.

Na quarta-feira, nos reunimos e conversamos sobre o plano. Sairíamos no dia seguinte, pela manhã bem cedo. Deveríamos deixar as malas prontas para a partida no dia anterior, descartando o que fosse possível (mala mais leve = mala mais fácil de carregar). Teríamos que fazer um farnel no hotel para passarmos o dia, pois no mercado já não havia água nem muita comida processada. Há dias a população estava se planejando para ter estoque de comida e água em casa. O carro em que eu estava não tinha GPS (na hora de alugar, optamos por uma mini-van e dispensamos o GPS, erro grave para quem circula em Houston). Então, alguém ia precisar ser o navegador da tropa, e como eu gostava de mapas, fui a eleita. Tinha uma noite para estudar as possiblidades e me preparar para guia-los.

Estávamos todos com os nervos à flor da pele. E sabíamos disso. Tanto que combinamos que desconsideraríamos qualquer fala atravessada no percurso.

Na quinta-feira, dia da partida, acordamos cedo e nos reunimos no lobby do hotel para uma última checada dos detalhes. Celulares não funcionavam. O carro estava a meio tanque, e por “beber” muito combustível, teríamos que evitar o ar condicionado, lidando com um calor bem sufocante. Eu tentava controlar o nervosismo, mapeando os postos de gasolina que tínhamos pelo caminho. Foi quando nosso colega, eleito para dirigir durante o trajeto, nos avisou que havia tomado uma decisão de risco: dirigiríamos na direção do furacão, para leste. Segundo ele, a decisão se motivava pelo fato de que todos os moradores da cidade tentavam escapar pelo lado oeste, e que, segundo os seus cálculos, tínhamos duas horas para fazer o trajeto antes do furacão chegar na cidade (um trajeto que normalmente fazíamos em torno de 40 minutos). Eu tive que reprocessar aquele mapa, analisar tudo novamente e pensar as rotas alternativas, pensando em tudo que pudesse acontecer no meio do caminho.

Figura 1 - Nosso trajeto. Desenho sobre Google Maps. A direita, o trajeto que o Rita faria, em laranja.


Partimos e em uma hora e trinta minutos chegamos no nosso destino, pontualmente às 9:30h da manhã. Nossos colegas que foram para oeste levaram 9 horas para fazer o trajeto convencional. Os que foram por Dallas saíram mais cedo e chegaram em segurança, mas levaram outro tanto para chegar.

Alguns aprendizados que carrego para a vida:

  1. As highways estavam fechadas naquela direção, então pudemos ir por elas até certo ponto e, depois, tivemos que buscar estradas alternativas, as chamadas estradas vicinais.
  2. Não haviam postos de gasolina abertos, pois seus gerentes e empregados também estavam fugindo para se proteger. Ou seja, tínhamos que chegar com o combustível que dispúnhamos. Também estavam as lojas de conveniência. Ou seja, precisaríamos nos sustentar com o farnel que havíamos recolhido no hotel até embarcar.
  3. No aeroporto, tivemos que lidar com enormes filas para o check-in nos totens, sem nenhum apoio dos empregados das Companhias Aéreas, pois estes não tinham conseguido chegar. Paciência era palavra de ordem. Não havia quem organizasse a fila, portanto, a negociação entre os passageiros foi fundamental, de sorte que todos pudessem embarcar a tempo do seu voo.
  4. Se você fuma, bom ter em mente que ficará sem fumar por um bom tempo. O lugar mais seguro para esperar é na sala de embarque, ainda que você tenha que privar do seu vício.
  5. Ah, sinal de celular é para mensagens rápidas. Nada de conversas desnecessárias nesse momento. Se você conseguir sinal, considere um milagre.
  6. Não adianta somatizar, ficar nervoso, ter dores de cabeça e coisas parecidas. Nesta hora, você precisa guardar toda a sua energia para a tomada de decisão, que neste caso implica em salvar sua vida.
  7. Menos é mais. Libere bagagem. As companhias aéreas não aliviam e, ainda assim, cobram pela mala extra.
  8. Ainda que dentro da sala de embarque, pode ser que você não consiga comida. Então, saboreie o sanduíche que você conseguir como se fosse um banquete francês.
  9. Prepare-se para lidar com uma viagem mais longa, porque por vezes, os aviões precisam contornar o furacão para passar com tranquilidade. Eles abastecem com gasolina suficiente. Ou fazem uma parada intermediária, fique tranquilo.
  10. Provavelmente, depois do evento, você sofrerá de um pouco de stress pós-traumático. É normal. E passa. Se não passar, procure ajuda.

Na chegada, a melhor coisa do mundo é dar um abraço na família. Não dispense esse momento. Guardo essa experiência como uma prova de que sou capaz de lidar com o imponderável. Só não gostaria de repeti-la. Sempre checo a previsão do tempo antes de ir para aquela região agora, e havendo qualquer indício de furacão, reprogramo a viagem sempre que possível.

O furacão Rita atingiu a cidade de Houston como uma tempestade nível 2. Fez bastante estrago, com algumas inundações. Nossos colegas locais protegeram-se em abrigos subterrâneos e ficaram bem. Mas um furacão é sempre um furacão.

Até o próximo artigo!

#gestãodoconhecimento #liçõesaprendidas #casoprático

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