A difícil arte de investir
By Ptra

A difícil arte de investir

"Investir é uma das coisas mais sofisticadas que você fará no mundo financeiro"

Imagine três hipotéticas situações: i) você ganhou na megasena acumulada; ii) você herdou uma fortuna milionária; iii) você tem dinheiro acumulado de uma vida inteira de trabalho duro. Para qualquer um dos cenários propostos, seu objetivo neste momento é colocar o dinheiro “para trabalhar para você” e não o perder em decisões equivocadas. Em outras palavras, você precisa decidir onde melhor investir seus recursos e percebe que a coisa não é nada simples. Bem-vindo um dos mais complexos ambientes de decisões financeiras: o dos investimentos!

Navegar na internet nos dias de hoje é ter a certeza de que se irá “esbarrar” com postagens as mais diversas propondo a você onde investir, todas protagonizadas por sorridentes influenciadores digitais que, com alguns vídeos e comentários, faz você se sentir o sujeito mais incompetente, “cego” e até mesmo “burro”, por não enxergar de forma tão clara aquilo que eles afirmam ter ao alcance de um clique e alguns dados pessoais, gentilmente cedidos para fins “cadastrais”. Em geral, essas ofertas são voltadas para produtos de renda variável que, por mais interessantes que possam parecer, nem sempre se afinam com o seu perfil e objetivos de investimentos, isso para entrar na seara de lançar dúvidas sobre a qualidade das recomendações dos citados “gurus”.

A verdade é que investir é uma das coisas mais sofisticadas que você fará no mundo financeiro, pois envolve colocar em perspectiva as alocações de dinheiro, visando resultados que só se efetivarão (se suas decisões caírem nas graças de Deus – talvez Ele considere que não tem nada a ver com isso!) no futuro. A ação de decidir sobre investimentos coloca na mesa do presente aspectos que estão associados a momentos subsequentes, muitas vezes anos ou décadas à frente. Só para citar como isso é complicado, no ano passado as empresas planejavam seus cenários para 2020 e, muito improvavelmente, imaginaram que a partir de março as coisas mudariam e suas atividades seriam fortemente impactadas e até mesmo suspensas por uma pandemia que se estenderia pelo menos até o terceiro trimestre do ano (onde estamos agora). Esse é um dos ingredientes mais potentes do ambiente de investimentos e até mesmo da vida como um todo: a incerteza!

Ora, viver é uma atividade de risco, isso considerando que se vive apenas no presente! Imagine então viver imaginando o que há de ser do futuro... pois é o que faz quem toma decisões de investimentos. Investir diz respeito a decidir pela alocação de recursos em oportunidades de produção ou de mercado. Quem decide com foco nas primeiras está disposto a empreender, no sentido mais estrito do termo, abrindo novas empresas, expandindo a capacidade daquelas já existentes ou dedicando recursos ao trabalho voltado à produção de bens e serviços de forma direta. No segundo grupo, residem os investidores que estão dispostos a alocar recursos em ativos financeiros, que buscam monetizar de forma nem sempre tão direta o mesmo ambiente produtivo, “mimetizando” a produção real ou sintetizando ativos financeiros que acompanham o comportamento de resultado do ativo subjacente assemelhado.

Pode-se dizer que quem investe deve decidir se o fará por sua plena disposição de assumir a conta e o risco de gerenciar os ativos nos quais alocou os seus recursos ou se deixará sobre a tutela de outrem tal missão. Qualquer que seja a resposta, a combinação de risco e incerteza estará presente. Se por um lado, empreender por conta própria elimina a assimetria de informação quanto às decisões que são tomadas e como são tomadas, por outro alarga os riscos associados à gestão dos recursos, especialmente quando não se é habilidoso o suficiente para administrar o que quer que seja, ainda mais dinheiro. Então resta a decisão de “emprestar” a decisão de administrar os recursos a terceiros, confiando que esses são mais competentes, preparados e dispostos a gerar os melhores resultados sobre os seus recursos. O risco e a incerteza se apresentam neste cenário na forma de um conjunto de elementos que vão desde a já citada assimetria informacional quanto às decisões tomadas, passando pelos conflitos de interesse e mesmo elementos mais sinistros, associados às chances de fraudes e crimes financeiros. Tudo isso somados aos típicos e inevitáveis riscos do negócio e do mercado, como o atual coronavírus, só para citar algo desses tempos.

“Que se evitem investimentos de risco, então!”, dirão alguns. Contudo, isso significa assumir a postura confortável de alocar recursos em ativos de baixa capacidade de rentabilizar o capital, o que, em tempos de juros em baixa, significa entregar à desvalorização os recursos que se esperam venham a evoluir em margem e poder de compra. Não há ganhos sem dor é um mantra dos pugilistas que parece cair como uma luva no mundo dos investimentos. Perder, ou pelo menos sofrer com quedas aqui e ali, faz parte do contexto que levará os recursos ao pódio da rentabilidade. Pensar em investimentos, seja diretamente na produção ou no mercado financeiro, como uma linha reta que leva ao Everest dos ganhos é uma ingenuidade tão grande quanto acreditar que os “gurus das finanças” que querem seus likes e dados pessoais nas postagens das redes sociais são sujeitos infalíveis que só acumulam acertos e ganhos.

Sem querer esgotar ou simplificar o assunto, quando se trata de investimentos, pondere ao menos quatro conjuntos de elementos antes de decidir entrar em qualquer projeto, seja ele de que natureza for: i) estabeleça seus objetivos de forma clara e precisa (como se diz, saiba “o que quer da vida”); ii) conheça o seu perfil como investidor (se tem disposição para risco, para ser empresário ou investidor no mercado financeiro, para ganhar “muros”, enfim); iii) defina o escopo e o prazo para realizar o investimento, ponderando riscos e oportunidades (imediatismo ou síndrome do “Superman” podem destruir sua estratégia) e; iv) evite “receitas prontas” ou “miraculosas”, que podem não ter nenhum fundamento ou não serem adequadas para suas necessidades e perfil.

Após tudo isso, não se esqueça, é o “olho do dono que engorda a boiada”. Nunca deixe de acompanhar o seu investimento, monitore o fluxo de resultados e estabeleça a hora de sair de campo, quando as coisas derem errado. Aguentar apanhar não deve ser entendido como morrer no octógono. Assuma e respeite os seus limites, entendendo que perder uma ou outra luta faz parte da trajetória rumo ao que interessa, que são os seus objetivos, que nem sempre serão a medalha de ouro, mas simplesmente subir ao pódio ou concluir a maratona. Ou seja, vencer a si mesmo!

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