Dignidade Humana e Coletividade
Quando somos perguntados o que é dignidade humana muitas vezes cometemos o erro crasso de defini-la como sendo um relacionamento entre pessoas que se mantenha dentro dos limites do que é moralmente correto. Ao longo da história da humanidade muitos acontecimentos foram moralmente corretos:
1- Na Grécia Antiga, povos vencidos eram escravizados;
2- Na Roma Antiga cristãos eram jogados aos leões;
3- A Igreja Católica praticou por anos a Inquisição e as Cruzadas;
4- O comércio transatlântico de homens negros e a escravidão foi negócio de homens de bem;
5- Aos maridos do início do século XIX era moralmente aceito que matassem suas esposas, por defesa da honra, em caso de traição;
6- Os czares da Rússia lutavam e eliminavam revolucionários;
7- A Operação Condor entre 1970 e 1980 eliminava líderes comunistas.
Esses são apenas alguns exemplos entre muitos outros que podem ser enumerados. Existe uma moral em cada coletividade, entretanto trago à discussão a essência humana e seu comportamento nas relações sociais da atualidade. No século XVI, John Locke argumenta que a solução seria a criação de uma autoridade soberana oriunda de um contrato social no qual as pessoas abdicam de sua liberdade pela segurança e direito a propriedade. No século XVII, Jean-Jacques Rousseau explica que os problemas da interação entre os homens, criou a desigualdade e a agressão culminando no desenvolvimento da sociedade civil - algo que ele lamenta (e Locke não). No século XIX, Sigmund Freud afirmou que somente um pacto social permitiria um mínimo de paz para se viver numa comunidade composta por diversas personalidades humanas. O terceiro fundamento do artigo primeiro da constituição brasileira de 1988 coloca o Estado como garantidor da dignidade humana. Talvez, viver em comunidade seja uma maneira de conviver sem se destruir, totalmente.
Falatórios calorosos sugerem que a ação dos direitos humanos em prol da dignidade humana tem causado a desunião das sociedades. É preciso definir o que é união e quem é merecedor de fazer parte da coletividade como cidadão pleno. Nos EUA, após a Guerra da Secessão, os negros ainda não tinham os plenos direitos civis. Movimentos feministas e de afrodescendentes surgiram durante a década de 1960. Feministas, exigindo seus direitos civis e políticos, estavam desestruturando a sociedade? Martin Luther King Jr. causou desunião nos EUA? No mundo, alguns católicos e religiosos estão preocupados com uma suposta ‘ditadura gay’, se acolhêssemos o pensamento desses religiosos, então não teria problema colocar na fachada de uma igreja que ‘homossexuais devem ser punidos pelos seus atos’. Assumir a ideologia de que uma sociedade unida é aquela que não permite que minorias lutem pelos seus direitos fundamentais é, no mínimo, uma hipocrisia sem limites.
Cada vez que penso no cotidiano brasileiro me recordo da famosa afirmação de Paulo Maluf: “Estupra mais não mata!”, um belo exemplo de como esquecemos da dignidade do ser humano. Saliento, aqui, que a dignidade humana não tem sexo, ambos, homem e mulher, são detentores do direito à preservação de seus templos corporais. Ainda falando de Brasil, uma potência no agronegócio que serve de morada para um povo, que graças aos programas sociais desde 1990, passou de faminto para subnutrido. É impossível admitir que haja dignidade humana aos excluídos de alimentação diversificada e nutritiva. Ainda mais recentemente, no dia 8 de outubro de 2017, o prefeito da capital paulista lança uma proposta para "erradicar a fome" da população pobre da capital paulista, que prevê a distribuição de alimentos processados a partir de sobras da indústria. Há uma preocupação do estado com dignidade humana, entretanto, o prefeito tem o direito de comer tudo que quiser, sem restrição alguma. Caso o indivíduo que tem sua dieta garantida por essa proposta quisesse exigir o direito de comer outros alimentos, e cometesse um furto ou roubo, este indivíduo estaria agindo criminosamente?
A dignidade humana é um valor inerente ao homem, que traz em si características físicas, orgânicas, mentais, psicológicas, afetivas, percebidas como idênticas, imutáveis e comuns a todos os seres humanos. Qualquer ser humano tem dignidade, pois esse é o primeiro princípio que rege todos os seres humanos. Cabe a cada um o dever de prezar pela dignidade humana de qualquer pessoa em prol de garantir o senso de coletividade.
Fonte:
PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Autonomia da vontade versus coletividade. Obrigações na Democracia (humanística). Jusbrasil: 2017.
~Toni Carvalho
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