Dinheiro sumiu ... e agora ? ... como lidar com a equipe ?
No artigo anterior arrisquei tecer considerações sobre a relação com os fornecedores ... neste estou ousando um pouco mais e escreverei sobre a difícil tarefa de lidar com a equipe.
Creio que não existe uma "formula mágica" ou "pedra filosofal" que transforme nossos problemas em soluções ... mas creio que existem alguns "princípios" que podem ser considerados no momento de ponderar sobre cada passo/movimento que se fará diante de sua equipe quando os recursos financeiros se tornarem escassos ou ... sumirem de vez.
Para que o leitor possa valorar o conteúdo deste artigo, humildemente informo sobre a minha experiência para escrever sobre tão delicado momento: a) Como empresário passei por situações difíceis e me vi negociando ajustes com minha equipe; b) Também como empresário passei pelo infeliz dia em que tive de demitir minha equipe; e c) Já como empregado eu passei pela demissão ... infelizmente a crise brasileira arrasou com minha área de atuação.
Isto posto, sigo sugerindo alguns "princípios" que, ao olhar no passado, me transmitem um forte sentimento de que foram eles que me trouxeram emocionalmente bem até aqui.
Na época em que precisei negociar "ajustes" com meus empregados para manter o negócio funcionando, éramos uma empresa pequena com nove pessoas, busquei ser totalmente transparente quanto às nossas dificuldades e também sobre os possíveis resultados de um esforço concentrado.
Expus o máximo que sabia e respondi a todos os questionamentos. Fiz de tudo para que todos ficassem à vontade para ou continuarem conosco ou iniciarem suas buscas por outra oportunidade ... ninguém saiu ... fomos juntos por mais de um ano ... até o fim.
Não obstante nossos esforços e nossa condição estável de clientes e faturamento, nós tínhamos um sócio majoritário que passou por sérios problemas financeiros e foi obrigado a vender ativos e desativar algumas operações ... nossa empresa foi uma delas.
E me vi na situação de demitir empregados que estavam comigo há mais de 4 anos ... e o que fiz foi usar meus contatos como empresário para buscar recolocação para todos.
Felizmente consegui para dois e infelizmente não consegui para os demais. Além disto negociei a transição de minha base de clientes para um concorrente com capacidade de manter a qualidade que ofertávamos. Avisei aos clientes da migração e seus motivos e os acompanhei até migrarem e ... segui em frente.
Ao longo dos 18 anos que me afastam daqueles eventos, estive com todos os ex-empregados e tenho com eles vínculos de amizade e respeito.
Como escrevi, segui em frente e resolvi ser empregado, fui contratado por uma multinacional e depois por uma empresa nacional de grande porte, da área de projetos e engenharia com mais de 40 anos de mercado e eleita várias vezes como um excelente local para trabalhar.
Nos anos em que fiquei nela compreendi o quão certo tinham sido meus atos no fechamento da minha pequena empresa ... por trabalhar em projetos, a empresa de grande porte tinha por cultura buscar/patrocinar a realocação de seus empregados/colaboradores de um projeto em finalização para outros em contratação ou mesmo em andamento.
Ela dispunha de profissionais de RH e meios para ou realocar em projetos próprios ou indicar para projetos em que era parceira ou mesmo indicar para outras grandes empresas com as quais se relacionava frequentemente nos ambientes de seus negócios.
Não era uma tarefa fácil e, como toda tarefa, tinha custos.
Os anos ali me trouxeram a amizade de muitas pessoas, dentre elas algumas do RH, de uma destas amizades ouvi um resumo muito sensato sobre a motivação da postura de realocação: "A empresa é algo para ser eterno ... nós vamos passar o bastão para alguém seguir com ela ... de tempos em tempos teremos fases muito boas onde contrataremos profissionais excepcionais ... de tempos em tempos teremos de abrir mão deles para o mercado ... e, pelo nosso tamanho, em algum momento todos nos conhecerão ... ou como um ótimo lugar para se trabalhar ou ... ou ... "pra lá não volto mais" ... se a segunda opção prevalecer, o risco é de acabarmos ou com profissionais de baixa qualidade ou com profissionais muito caros ... ambas as consequências nos levarão a fases muito ruins!".
Leitor, você lembra dos meus ex-empregados ? ... pois 2 deles e um antigo fornecedor (autônomo) foram indicados por mim para vagas e foram contratados pela empresa de grande porte ... quando eles aceitaram os convites ... me vi emocionado na primeira opção acima descrita.
Trabalhando em projetos, fica claro que reter talentos é crucial para eternizar uma empresa. Reter talentos não significa tão somente tê-los sob contrato imediato ... significa também ser um "Porto Seguro" desejado por muitos seja para ficar ou para voltar.
Lá eu convivi com pessoas que "vestiam a camisa" da empresa há mais de 15, 20, 25, 30, 35 e mais anos de vida profissional ... existiam prêmios anuais para cada quinquênio ... fantástico aprendizado profissional e de vida.
No início da crise brasileira, a empresa citada acima foi atingida severamente e tanto o meu Diretor como o RH me chamaram e perguntaram sobre minhas possibilidades e intenções ... mesmo afirmando que ficaria ... de ambos recebi a sugestão de aceitar convites de outras empresas/projetos, se eles surgissem.
Uns dois meses mais tarde surgiram dois convites e aceitei o último (decidido com ajuda da "minha vontade" ... esposa). Infelizmente aquela empresa, de onde trago muitos amigos, não suportou a "pancada" da crise e pediu recuperação judicial. Sigo rezando para que se recuperem com força !!
Como disse, cheguei por convite na nova empresa e fui muito bem recebido.
E essa nova empresa pode ser considerada "gigante" perto da anterior ... uma empresa com mais de 6000 funcionários em apenas um dos empreendimentos, mais de 70 anos de vida e parte de um grupo com mais de 160.000 empregados/colaboradores diretos.
Pela longa história, pela amplitude e complexidade de suas operações, os processos internos de RH eram mais amplos ... me surpreenderam as vantagens que eles conseguiram agregar para os empregados/colaboradores.
Lembrando que já fui contratado em plena crise brasileira para um escopo delicado até em momentos de fartura: ajustar/alinhar os novos processos industriais a novos sistemas e soluções digitais integradas e, no âmago do escopo, preparar e atuar na gestão de mudança cultural das pessoas.
Para atingir meu escopo era necessário estudar os processos documentados e, principalmente, entrevistar o máximo possível de colaboradores envolvidos neles e observar os processos sendo realizados e controlados.
Das entrevistas amealhei novas amizades ... oriundas de respeito pela ética e forte comprometimento com a imagem da empresa.
Das entrevistas obtive novas experiências com profissionais sêniores. Vários com mais de 30 anos de casa, muitos com mais de 40 anos ... e um com impressionantes 52 anos de casa. Deste último tenho uma entrevista filmada durante um "tour" de "aprendiz" pelos complexos processos industriais ... algum dia a publicarei nas redes sociais como homenagem àquele profissional ... ou em anexo a este artigo :) .
Voltando ao foco deste artigo, também me surpreendeu a abordagem nos dias que antecederam minha demissão ... a empresa, após vários meses lutando para manter a folha em dia, não obteve em suas negociações o tempo necessário para manter suas operações e o meu escopo.
Em poucos dias centenas foram demitidos.
E as equipes operacionais que entrevistei foram, na quase totalidade, desmobilizadas ... ou seja, meu escopo estava findando por falta de pessoas e processos industriais.
Testemunhei Gerentes "cascudos" emocionados em reuniões porque tinham de demitir os aprendizes ... e os antigos de casa ... era algo nunca antes feito na empresa. Em todas as desmobilizações de projetos/obras, os aprendizes eram realocados ou para a empresa controladora ou para outros projetos/obras.
Naqueles dias não houve como realocar.
No entanto, todos foram chamados a conversar com seus Gerentes ... um a um foram informados da grave decisão da demissão e da perda que eles significavam para a empresa e trabalhos remanescentes.
Todos foram orientados a manter seus contatos ativos com o RH e com seus Gerentes.
Foi acompanhando algumas daquelas "entrevistas" de "adeus" que consolidei estas minhas humildes sugestões de como lidar com a equipe em momentos de crise:
- é essencial manter a equipe sempre informada ... e informar traz responsabilidades para manter a equipe motivada;
- a equipe precisa estar envolta em confiança. E isto significa confiar nos Gerentes, no RH e na boa-fé de todos os envolvidos no seu dia-a-dia na empresa;
- mesmo caminhando por momentos muito difíceis, mesmo testemunhando a demissão de seus pares, você, como parte da equipe, deve manter seu comprometimento e buscar forças no grupo para fazer mais e mais e suprir a falta dos demitidos ... o risco positivo é de quê o seu esforço ajude a empresa a passar pela crise e voltar a contratar ... agir sem comprometimento é acabar com seu emocional e dos que estão ao seu lado;
- prestigiar os aprendizes alicerça o futuro da empresa ... incerto ou não, o maior risco positivo está em prestigiar eles;
- atender um a um, deixar um canal aberto e, se possível, acompanhar a realocação é semear para um futuro melhor da empresa. Lembrando que as empresas são parte dos alicerces de nossa sociedade ... se elas semeiam para um futuro melhor ... cresce o risco positivo da sociedade alcançar um futuro melhor.
Na esperança de estar colaborando,
Pedro Feu