Direitos Fundamentais de 1ª Dimensão (Geração): Liberdades Públicas em espécie

Direitos Fundamentais de 1ª Dimensão (Geração): Liberdades Públicas em espécie

Apresentação do Texto


Neste texto, a proposta é identificar, exemplificativamente, alguns direitos fundamentais que reconhecem autonomia à pessoa humana, garantindo-lhe iniciativa e independência diante dos demais membros da sociedade e do próprio Estado. Alexandre de Moraes1 define-os como sendo os direitos e garantias individuais clássicos (liberdades públicas), surgidos a partir da Carta Magna. Na definição de Slaibi Filho2, as liberdades públicas (ou liberdades) são a espécie de direito objetivo - previsão jurídica de determinado interesse, norma de conduta - cujo conteúdo é a interdição da atividade do Poder Público e da sociedade em atenção à proteção do indivíduo.

Observe os itens abaixo abaixo:

LIBERDADES PÚBLICAS ou DIREITOS INDIVIDUAIS

(RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA)

... da Pessoa Física

 Direito à vida e à Integridade Física - art. 5º, caput e III

Direito de Ir, Vir e Ficar (Locomoção) - art. 5º, XV

Direito à Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XV

... da Pessoa Moral ou Espiritual

  Direito à Liberdade de Consciência - art. 5º, VI

Direito à Liberdade de Crença Religiosa e de Culto - art. 5º, VI

Direito à Vida privada, Intimidade, honra e imagem - art. 5º, X

... da Pessoa Social

 Liberdade de Reunião - art. 5º, XVI

Liberdade de Associação - art. 5º, XVII, XVIII, IXX , XX e XXI

... da Pessoa Intelectual

 Liberdade de Expressão do Pensamento - art. 5º, IV

Liberdade de Expressão Intelectual - art. 5º, IX

Liberdade de Acesso à Informação - art. 5º, XIV

... da Pessoa Econômica

Liberdade de trabalho, ofício ou profissão - art. 5º, XIII

Direitos à Propriedade e à Herança - art. 5º, XXII, XXVII (propriedade imaterial), XXX e XXXI

A seguir, examinaremos estes direitos identificados como liberdades públicas.

Direito à vida e à Integridade física

A antesala do “Catálogo dos Direitos Fundamentais” na Constituição Federal de 1988, o caput do art. 5º, institui que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (...), sendo, sem sombra de dúvidas, o direito à vida o mais fundamental de todos os direitos, pois é pressuposto à existência e exercício de todos os demais. Afonso da Silva3, esclarece que a vida humana, que é objeto do direito assegurado no artº 5, caput, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais) e se constitui como fonte primeira do todos os outros bens jurídicos.

Mas, afinal, como se pode conceituar vida? Seria ela definida biologicamente ou pela formação da consciência – ou mesmo autoconsciência? Ou será que a vida tem cunho social e está correlaciona à possibilidade de fruir direitos, cumprir obrigações e participar do Estado como cidadão?

Desde Schödinger, se difundiu a ideia de que, para se conhecer um organismo, é necessário conhecer sua organização dinâmica. Em outras palavras, diz-se que os organismos atendem a duas propriedades: (1) têm estrutura e (2) padrão de organização, sendo estrutura a matéria que os compõem e organização o padrão de relações entre seus componentes que produz o próprio sistema. Os seres vivos são auto-organizáveis, produzem e reciclam seus componentes, diferenciando-se do meio exterior (Teoria Autopoiética – de autopoiese que provém do grego e significa criar ou produzir a si mesmo). Portanto, o ser vivo é um “ser que se faz”, enquanto um ser não-vivo é feito. O ser vivo tem consciência de si mesmo e interage com o meio exterior, sendo a consciência diretamente proporcional à complexidade do sistema. Neste sentido, o ser humano é o ser vivo mais complexo e mais consciente, sendo responsável por reconhecer a limitação de consciência dos demais seres vivos e o único capaz de fruir direitos e cumprir obrigações.

O direito à existência, nas palavras de Afonso da Silva4 “consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável”.

O Direito à Integridade Física decorre do direito à vida, uma vez que a agressão ao corpo humano traduz-se como agressão à própria vida. A Constituição Federal determina que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (5º, III) e assegura ao preso o respeito à integridade física e moral (5º, XLIX). Também, situada esta disposição na mesma dimensão protetiva, a Lei Maior reserva à lei toda a regulamentação sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização (199, § 4º). Isto coloca os órgãos humanos fora do comércio.

Direito de Locomoção (Ir, Vir e Ficar)

A chamada liberdade de locomoção compreende os direitos de ir, vir e ficar e é, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho5, a primeira de todas as liberdades, sendo condição para as demais. Consiste no poder que o indivíduo tem de deslocar-se de um para outro lugar ou permanecer onde bem lhe convenha, desde que o exercício desta liberdade não atente contra o bem geral ou legítimo direito individual de terceiro.

Conforme a Constituição Federal, em tempo de paz, é livre o deslocamento no território nacional, sendo o direito de circulação uma manifestação da liberdade de locomoção, a qual tutela a liberdade em sentido estrito, ou seja, a prerrogativa de não ser preso ou detido de forma arbitrária6. A Constituição faz duas exceções a esta liberdade: (1) a prisão em flagrante e (2) a determinada por ordem judicial escrita e fundamentada (art. 5º, LXI).

O habeas corpus, previsto no inciso LXVIII do art. 5º, é o remédio jurídico previsto constitucionalmente que legitima qualquer pessoa ameaçada em seu direito de ir, vir e ficar a procurar a proteção do Poder Judiciário para obter a tutela da sua liberdade de locomoção, podendo tal ação ser proposta por uma pessoa em benefício de outra.

Direito de Refúgio (Inviolabilidade de Domicílio)

A proteção que a Constituição oferece ao domicílio decorre da expressa disposição do art. 5º, XI, que define a casa como asilo inviolável do indivíduo. Na dicção do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, 10 de janeiro de 2002), domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo (art. 70, do CC), bem como, em relação as suas atividades profissionais, o local onde a profissão é exercida (art. 72, do CC).

É de se considerar que, para os efeitos da proteção constitucional, domicílio deve ser considerado como uma projeção espacial da privacidade e da intimidade7 e, então, mesmo residência ocasional (como, por exemplo, a casa de praia) será considerada domicílio enquanto ocupada pelos titulares do direito de estar lá. Pelo mesmo motivo, assim pode ser considerado o motorhome, o trailer, o barco e mesmo o estabelecimento de habitação coletiva (hotel) onde a pessoa resida.

As exceções à inviolabilidade do domicílio estão previstas na própria Constituição:

a) flagrante delito – sendo que a condição de flagrância (situação em que ocorre o flagrante, aquilo que é visto ou registrado quando acontece) define-se quando o agente está cometendo o delito, acaba de cometê-lo ou, perseguido, é encontrado em situação que permita presumir que ser ele o autor da infração ou com instrumentos, armas, objetos ou papéis que admitam a mesma presunção (art. 302 do Código de Processo Penal).

b) desastre – entendido este como evento de grandes proporções, tal como catástrofe, inundação, etc8.

c) socorro – submetida esta exceção aos requisitos de a pessoa efetivamente estar precisando de socorro e, também, que ela não possa pedir ajuda por seus próprios meios.

d) ordem judicial - desde que a ordem provenha de autoridade judicial competente que deverá analisar a relevância das razões para a invasão. Assim, diferentemente do que estava previsto na Constituição anterior e ainda consta no Código de Processo Penal (art. 241), a busca domiciliar só pode ser determinada pelo juiz, descabendo à autoridade policial que a realize sem mandado judicial.

Direito à Liberdade de Consciência

No inciso VI do art. 5º, a liberdade de consciência se configura como possibilidade de a pessoa viver conforme lhe determina a própria consciência, pautando sua conduta pelas convicções religiosas, políticas e filosóficas que tiver. Por conseguinte, pode-se dizer que o ser humano tem direito a conduzir sua vida como “melhor lhe parecer”, desde que suas escolhas não firam o direito de terceiros.

A este propósito, Ferreira Filho9 distingue como sendo duas as facetas da liberdade de pensamento, a saber: a liberdade de consciência e a liberdade de expressão ou manifestação do pensamento. A liberdade de consciência é de foro íntimo e, enquanto não se manifesta, é absolutamente livre, pois ninguém pode ser obrigado a pensar de uma ou de outra maneira. A respeito da segunda trataremos um pouco adiante.

Cabe destacar aqui que, da liberdade de consciência (e de crença), decorre o direito à chamada “escusa de consciência”, ou seja, o direito de recusar-se à prática de determinados atos ou comportamentos e escusar-se de imposições gerais e aplicáveis às pessoas em geral em virtude de convicções individuais religiosas ou filosóficas. A Constituição, em seu art. 5º, VIII, prevê que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. Portanto, o legislador constituinte reconheceu o direito de escusa, mas impôs ao recusante a prestação de obrigação alternativa. Desta maneira, aquele que se negar à prestação de serviço militar obrigatório (art. 143, § 1), por exemplo, deverá, na forma como dispõe a Lei nº 8.239/91, exercer atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo em estabelecimentos militares ou outros a eles conveniados.

Direito à Liberdade de Crença Religiosa e de Culto

A Liberdade Religiosa, que se inclui dentre as liberdades espirituais10, está assegurada pelo inciso VI do art. 5º e é complementada pelos incisos VII e VIII do mesmo artigo, mais os arts. 19, I, 150, VI, b, e 210, § 1º da Constituição Federal. Assim, além de declarar inviolável a liberdade de crença e livres os cultos, a Lei Maior assegura a prestação de assistência religiosa nas entidades de internação coletiva e o direito de escusa de consciência fundado nas razões de crença religiosa. Também é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que estabeleçam cultos religiosos ou Igrejas, subvencionem os mesmos ou lhes imponham embaraços ao funcionamento ou mantenham com eles relações de dependência ou aliança, salvo as situações que representem colaboração de interesse público.

Consoante ao que ensina Afonso da Silva11, a liberdade de religião compreende três formas de expressão: (a) a liberdade de crença; (b) a liberdade de culto e (c) a liberdade de organização religiosa.

O mesmo autor anota que a liberdade de crença e de consciência não se confundem, pois “o descrente também tem liberdade de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito”, assim como a primeira compreende tanto a liberdade de ter uma crença quanto a de não ter crença. Por que é livre para tanto, o ser humano pode escolher uma religião, aderir a qualquer seita religiosa ou mesmo ser ateu, desde que não embarace o direito alheio à ter crença.

A liberdade de religião se exterioriza através da prática de ritos, nos cultos e cerimônias. Portanto, a liberdade de culto consiste na possibilidade de orar e praticar atos religiosos em casa ou em público. A liberdade de organização religiosa, por sua vez, diz respeito à organização das igrejas e ao estabelecimento de suas relações com o Estado.

No Brasil, a República inaugurou a separação da Igreja do Estado, tendo a Constituição de 1891 estabelecido os princípios básicos da liberdade religiosa, os quais permaneceram praticamente os mesmos até a Constituição vigente, havendo tão somente pequenos ajustes.

Direito à Vida Privada, Intimidade, Honra e Imagem

Não é tarefa simples delimitar âmbitos diferenciados para a intimidade e para a vida privada, todavia, a considerar o preceito segundo o qual a Constituição não possui palavras vãs, precisa-se admitir que ela tenha consignado a diferença. Tércio Sampaio Ferraz Júnior12, o faz, salientando que, embora os comentadores não vejam a distinção entre vida privada e intimidade, é possível vislumbrar um diferente grau de exclusividade entre ambas. Assim, na pauta do que ensina Ferraz Júnior, a intimidade refere-se ao âmbito do exclusivo que a pessoa reserva para si, sem que mesmo aqueles que comungam de sua vida privada possam participar (por exemplo, o diário íntimo, o segredo sob juramento, as próprias convicções, as situações indevassáveis de pudor pessoal, o segredo íntimo cuja mínima publicidade constrange). Vida privada, por outro lado, envolve a proteção de formas exclusivas de convivência, como a escolha de amigos, a freqüência a lugares, os relacionamentos civis e comerciais, ou seja, dados que não afetam, em princípio, direitos de terceiros, mas que dizem respeito ao indivíduo, tais como cadastros de clientes, vida bancária, situação tributária, comunicações comerciais escritas ou orais dirigidas a uma ou mais pessoas determinadas.

A honra, por sua vez, é o respeito devido a cada um pela comunidade. Portanto, o direito de inviolabilidade da honra traduz-se pela proibição de manifestações ou alusões que tendam a privar o indivíduo desse valor. A honra, por assim dizer, “veste a imagem de cada um”, sendo esta – a imagem - a visão social a respeito de um indivíduo determinado (neste sentido, Ferreira Filho13).

Houve um tempo em que a intimidade, a honra e a imagem estavam compreendidas no âmbito da proteção ao domicílio (Constituições de 1824 e 1891). Tampouco as Constituições de 1934, 1946 e 1967 foram explícitas ao proteger a imagem.

Inovando, o inciso X do art. 5º da CF de 1988 é claro e assegura o direito a indenização pelo dano decorrente da violação destes direitos.

Liberdade de Reunião

O inciso XVI, do art. 5º, estabelece que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.

Diferentemente daquilo que era previsto na constituição que vigorou durante o regime militar, no art. 150, § 27, não se diz mais que a lei poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autoridade, bem como a designação, por esta, do local da reunião. Agora se faz necessário apenas que a autoridade seja avisada, sendo seu dever garantir a realização da reunião. José Afonso da Silva14, lembra o ilustre Pontes de Miranda para definir que reunião “é a aproximação – especialmente considerada – de algumas ou muitas pessoas, com o fim de informar-se, de esclarecer-se e de adotar opinião (deliberar, ainda que só no foro íntimo).

A reunião, em última análise, é uma maneira de a liberdade de expressão manifestar-se de forma coletiva, uma associação passageira de pessoas que têm um objeto ou interesse comum. Como prevê a Lei Maior, ela possui os seguintes requisitos: (1) ser pacífica – seu intuito há que ser lícito e seus fins pacíficos, (2) os participantes não poderão portar armas, (3) deve ocorrer em local público e (4) não prejudicar reunião anteriormente marcada para o mesmo local, havendo necessidade de (5) avisar à autoridade pública - muito embora este comunicado não tenha o propósito de buscar autorização, mas de prevenir para que as providências necessárias à realização do evento sejam tomadas, bem como para que não existam duas reuniões no mesmo local.

Quando for decretado Estado de Defesa (CF, art. 136, § 1º, I, a), o direito de reunião poderá sofrer restrições, ainda que exercida no seio das associações. Na hipótese de Estado de Sítio (CF, art. 139, IV), poderá haver suspensão temporária deste Direito.

Liberdade de Associação

A liberdade de associação é reconhecida pelos incisos XVII a XXI do art. 5º da Constituição Federal, os quais prevêem ser plena a liberdade de associação para fins lícitos (vedada a de caráter paramilitar) e que sua criação e, na forma da lei, a de cooperativas, independem de autorização, não podendo o Estado intervir em seu funcionamento. Igualmente está estabelecido que as associações podem ter suas atividades suspensas por ordem judicial e, por decisão da qual não caiba mais recurso, serem dissolvidas. Por fim, a Constituição define que ninguém pode ser coagido a associar-se ou a permanecer associado, podendo as entidades associativas, com legitimidade, desde que expressamente autorizadas a isso, representar seus filiados em juízo ou fora dele.

Agora citado por Araújo e Nunes Júnior15, Pontes de Miranda assenta que o direito de associação “é direito de exercício coletivo que, dotado de caráter permanente, envolve a coligação voluntária de duas ou mais pessoas, com vistas à realização de objetivo comum, sob direção unificante”. A partir deste conceito, os dois autores enunciam os seguintes elementos de uma associação:

1)    duas ou mais pessoas (plurissubjetividade);

2)    base estatutária, uma vez que, havendo adesão voluntária, pressupõe-se o estatuto como instrumento do acordo de vontades a ser deliberado de maneira autônoma pelos associados;

3)    permanência, muito embora isto não represente perpetuidade, uma das diferenças entre a associação e a reunião consiste exatamente neste ímpeto de manter-se associado de maneira não temporária;

4)    fins comuns e lícitos, a ordem jurídica como um todo exige a finalidade lícita para as ações humanas, diferente não poderia ser para a associação.

5)    Por último, “direção unificante” é o que revela o propósito comum dos associados, a vocação de seus membros à união.

A proteção constitucional dirige-se a toda e qualquer forma associativa entre pessoas, inclusive a comercial, e se concretiza através da possibilidade de as pessoas constituírem ou dissolverem uma associação, filiarem-se à associações já instituídas, respeitando os seus termos estatutários ou desfiliarem-se quando assim entenderem oportuno. As associações, por outro lado, têm autonomia estatutária e assim estabelecem suas regras, não podendo o legislador ou o administrador público firmarem condições ou regulamentações que intervenham na vida das associações. Reservada, todavia, ao Poder Judiciário a possibilidade inclusive de dissolver, compulsoriamente, a associação.

Por fim, vale esclarecer que o caráter paramilitar de uma associação está relacionado ao fato dela, não importa se com armas ou sem elas, se destinar ao adestramento de seus membros no manejo de utensílios bélicos.

Liberdade de Expressão do Pensamento

A Constituição garante ser livre a manifestação do pensamento, vedando o anonimato (art. 5º, IV). Como já foi dito antes, a liberdade de expressão do pensamento difere da liberdade de consciência porque esta é de foro íntimo. A manifestação do pensamento, por outra banda, pode dirigir-se de uma pessoa a outra ou outras, sendo, na linguagem de Ferreira Filho16, “expressão fundamental da personalidade”.

Muito embora a forma mais comum de manifestar o pensamento seja a fala, é preciso considerar todas as outras maneiras desta expressão, tais como carta, telegrama, telefone, e-mail, etc.

De acordo com os ensinamentos de Sampaio Doria, trazidos por José Afonso da Silva17, a liberdade de pensamento “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É um dos aspectos externos da liberdade de opinião que é, conforme a doutrina, uma espécie de liberdade primária da qual decorrem várias outras. A opinião pode ser um pensamento íntimo (liberdade de consciência e crença - art. 5º, VI) ou uma convicção filosófica ou política (art. 5º, VII) e, por exemplo, manter-se sigilosa ou ser manifestada publicamente através de palavras, atos ou condutas.

A liberdade de expressão do pensamento decorre diretamente da vida em sociedade e da necessidade que o ser humano tem de expressar seus conhecimentos, suas crenças, a forma como vê e interage com o mundo em sua volta, suas opiniões políticas e religiosas, as descobertas e estudos científicos que realiza, etc. Afinal, a pessoa humana não vive só e, vivendo em sociedade, tem a inevitável tendência de exteriorizar suas ideias, impressões e sentimentos, estabelecendo relações de convivência que, naturalmente, a aproxima de uns e a afasta de outros.

Liberdade de Expressão Intelectual

O inciso IX, do art. 5º, estabelece que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Existe correlação entre a liberdade de expressão intelectual e a de expressão do pensamento, pois as manifestações artísticas e culturais, bem como as intelectuais e científicas, são formas de expressão do pensamento. Aliás, bem dito por Araújo e Nunes Júnior18, que o pensamento humano é pluriforme, ou seja, pode manifestar-se por meio de juízos de valor (opiniões) ou através da música, da pintura, do teatro, da fotografia, etc. O direito à livre expressão intelectual cuida das situações nas quais a forma de manifestação do pensamento humano não é um meio, mas um fim em si mesmo. Estes mesmo autores, referem que a expressão sublima a forma, através dela o indivíduo exterioriza seus sentimentos ou sua criatividade independentemente da formulação de juízos de valor, conceitos ou convicções. Evidente que uma pintura pode, por exemplo, carregar em si um juízo crítico, todavia, lembram os autores, neste caso temos a concorrência de dois direitos fundamentais: opinião e expressão.

As expressões artísticas (artes plásticas, música e literatura) são livres, porém, na forma como define o art. 220, § 3º, a lei regulará as diversões e espetáculos públicos, bem como estabelecerá os meios legais para a sociedade se proteger de programas de rádio ou televisão que contrariem os princípios contidos no art. 221 da Constituição ou que difundam produtos, práticas ou serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Liberdade de Acesso à Informação

A Constituição Federal (art. 5º, XIV) assegura a todos o acesso à informação e resguarda o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional. O direito à informação se configura como direito de informar, se informar e ser informado. Ou seja: (1) a liberdade de transmitir ou comunicar informações e as difundir sem impedimento, tendo ao seu alcance meios para tanto; (2) o direito de reunir informações, buscando fontes e cuidando de manter-se informado acerca das coisas da vida e do mundo. Para se tornar eficaz, o direito de ser informado pressupõe que exista em contrapartida um dever de informar. Em outras palavras, uma pessoa só terá o direito de ser informada se outra tiver o dever de informá-la. Existindo, portanto, uma necessária imbricação entre “direito de ser informado” e “dever de informar”.

O Poder Público tem o dever constitucional de informar e todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, as quais serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). Saliente-se, ainda, que o artigo 37 da Carta Constitucional define a publicidade como um dos princípios básicos da administração pública.

O direito que estamos estudando remete a uma expressão originária do Direito Português que dá conta de garantir aos partidos políticos espaços gratuitos dos meios de comunicação para a propagação de ideias, convicções, políticas, etc. Trata-se do lá denominado “Direito de Antena”. É bem verdade que, na versão lusitana, este direito é mais amplo e alcança, além dos partidos políticos, as organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas. No Brasil, o art. 17, § 3º, da CF, prevê aos partidos políticos acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

Da mesma forma, relaciona-se ao direito à informação a liberdade à informação jornalística, sendo esta a “herdeira primogênita da antiga liberdade de imprensa”19, cuja nomenclatura foi renovada e tornou-se mais ampla, contemplando as várias espécies de mídia que podem veicular e divulgar notícia, crítica ou opinião.

À época do regime militar a censura restringia em muito a liberdade de expressão jornalística. A Constituição Federal de 1988 sepultou a censura prévia em nosso país, permitindo a livre expressão intelectual, artística, científica e de comunicação e vedando o controle e a exigência de autorização para a divulgar qualquer texto ou programa ao público (art. 5º, XI e 220, § 2º).

Liberdade de Trabalho, Ofício ou Profissão

A Constituição proclama ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII). O direito de exercer o trabalho que lhe agrada e para o qual tem aptidão é outra das dimensões da liberdade individual. O Poder Público está impedido de criar normas que obriguem as pessoas a exercerem profissões que não tenham escolhido. Ao mesmo tempo, salvaguardando o interesse público, a Constituição limita o exercício de algumas profissões quando a lei exigir determinadas qualificações específicas. Trata-se de fixar a pretensão à autodeterminação individual na escolha da profissão.

As limitações à liberdade de trabalho só têm eficácia se impostas pela lei e, enquanto a profissão não estiver regulamentada, vige a mais ampla liberdade para o respectivo exercício profissional.

Para José Afonso da Silva20, o teor do dispositivo constitucional sob exame não constitui o chamado direito social ao trabalho sobre o qual trataremos depois. Aqui, estamos lidando com um direito de escolha, um direito individual que confere liberdade de opção por trabalho, ofício ou profissão. O ilustre autor lembra ainda que, como acontece em relação a todo direito de liberdade individual, a norma apenas o enuncia, sem se ocupar das condições materiais de sua efetividade.

Lamentavelmente, a realidade dos fatos nos impele a reconhecer que esta liberdade tem sido até aqui meramente formal para a imensa maioria das pessoas, as quais trabalham para obter sustento próprio e da família.

Direitos à Propriedade e à Herança

O caput do art. 5º da CF declara a inviolabilidade do direito à propriedade e o inciso XXII proclama sua garantia expressa. Mais adiante, pode-se dizer que a Constituição “relativiza” o outrora absoluto direito de propriedade, determinando que esta atenda sua função social (XXIII).

Em várias outras oportunidades a Constituição Federal regula temas relacionados à propriedade. Vejamos: permite a intervenção do Estado na propriedade, por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, através de desapropriação mediante justa e prévia indenização em dinheiro, reservando à lei sua regulamentação - art. 5º, XXIV; permite que, em caso de iminente perigo público, a autoridade possa usar propriedade particular, assegurando indenização em caso de dano - art. 5º, XXV; afasta a possibilidade de penhora da pequena propriedade rural para pagar débitos decorrentes da atividade produtiva - art. 5º, XVI; reconhece direitos autorais (propriedade imaterial) referentes às obras intelectuais e artísticas - art. 5º, XXVII; assegura a propriedade dos inventos industriais, protegendo criações, marcas, nomes de empresas, etc. - art. 5º, XXIX; garante o direito à herança, portanto à sucessão de bens post mortem (após a morte) - art. 5º, XXX. Finalmente, neste rol apenas exemplificativo, a Lei Maior institui a propriedade privada e a função social da propriedade como princípios gerais da atividade econômica (170, II).

Na amplitude que o constituinte lhe conferiu, a propriedade atinge qualquer bem patrimonial, coisa ou serviço que possa ser avaliado economicamente. Pode-se dizer que é a atribuição jurídica que alcança à pessoa a condição de usar, fruir (obter os frutos) e dispor de um bem de maneira a satisfazer suas necessidades ou legítimos interesses. Todavia, a função social é intrínseca à propriedade, não sendo suficiente que a pessoa disponha do título aquisitivo para que tenha legitimidade no exercício dos poderes conferidos ao titular. O proprietário há de cumprir um dever social e dar à propriedade uma função que seja relevante não só a si mesmo, mas também à sociedade.

Desde os tempos mais remotos, a configuração do direito de propriedade passou por variadas etapas, partindo de uma concepção que a pretendida absoluta (verdadeiro Direito Natural, conforme aludiu Locke) até a redefinição de seus contornos, já no âmbito de sistemas constitucionais voltados à realização da Justiça Social. Em outras palavras, poderíamos dizer que a ideia de propriedade transitou entre uma noção individualista e outra de caráter social.

As concepções que giram em torno do direito de propriedade mudaram significativamente. De um lado, pelo impulso da revisão de conceitos e da mudança na postura não intervencionista do Estado provocada em grande parte pela Revolução Industrial e seus reflexos sociais. De outro lado, pela feição renovada e renovadora de um Estado vocacionado à proteção dos direitos sociais, cujo símbolo histórico pode-se dizer que foi a Constituição de Weimar (1919).

Fernanda de Salles Cavedon21, pontua que “a configuração do Estado Contemporâneo, voltado para a proteção dos direitos sociais e o caráter marcadamente social da constituição de Weimar influenciaram grande parte das constituições dos Estados contemporâneos, que incorporaram a noção de propriedade vinculada a uma função social”.

O art. 182, § 2º, da CF, define que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. O art. 183, por sua vez, admite a quem possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe o domínio (propriedade), desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Parece-nos que é ainda na esteira de incutir à propriedade um cunho social, transmudando aquele poder absoluto que tradicionalmente o proprietário exercia sobre os bens patrimoniais da vida, que a Constituição acolheu também a produtividade como meio de aquisição da propriedade. Assim, aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade (art. 191).

O art. 186 da Lei Maior define que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, simultaneamente, segundo os critérios e exigências da lei, os seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Os imóveis rurais que não estiverem cumprindo sua função social podem ser desapropriados para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária (art. 184). A Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, regulamentou os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, definindo os critérios que torna a propriedade rural passível de desapropriação por não cumprir sua função social.

Não cumprem sua função social, podendo ser confiscadas, sem direito à indenização, as glebas de terra onde forem cultivadas ilegalmente plantas psicotrópicas (art. 243). Da mesma maneira, todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício do tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias (243, parágrafo único).

Segundo Sílvio Venosa22, herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmite, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas que sobrevivem ao falecido”. Portanto, o termo tem um sentido de universalidade, compreendendo bens, direitos e obrigações deixados aos herdeiros ou legatários em decorrência da morte do titular. Nos incisos XXX e XXXI do art. 5º, a Constituição Federal trata do sistema de transmissão de bens causa mortis, sendo o direito de herança complementar ao de propriedade e à livre iniciativa, segundo Nogueira da Silva23. Existe uma tão direta relação entre o direito de propriedade e o direito de herança que na União Soviética, por exemplo, inexistindo o direito de propriedade, igualmente não existia o direito de herança.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Atlas:

São Paulo, 2003, p. 58.

2. SLAIBI FILHO, Nagig. Direito Constitucional. Ed. Forense: RJ, 2004, p. 366.

3. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora JusPodium / Malheiros Editores, São Paulo, 2020, p. 37, p. 198.

4. _______________, ob. Cit., 198.

5. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2005, p. 295.

6. ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2004, p. 133.

7. __________________________, Ob. Cit., 2004, p. 127.

8. __________________________, Ob. Cit., 2004, p. 128.

9. FERREIRA FILHO, ob., Cit., 2005, p. 296.

10. SILVA, José Afonso da, ob. Cit., 2020, p. 248.

11. __________________, ob. Cit., 2020, p. 248.

12. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, nº 1. São Paulo: 1992, p. 79.

13. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Volume I (arts. 1º a 103), 2ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p. 35..

14. SILVA, José Afonso da, ob. Cit., 2020, p. 264.

15. ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Ob. Cit., 2004, p. 137.

16. FERREIRA FILHO, ob., Cit., 2005, p. 297.

17. SILVA, José Afonso da, ob. Cit., 2020, p. 241.

18. ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Ob. Cit., 2004, p. 114.

19. ___________________________, Ob. Cit., 2004, p. 117.

20. SILVA, José Afonso da, ob. Cit., 2020, p. 256-257.

21. CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. Florianópolis: VisualBooks/Momento Atual, 2003, p. 26.

22. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 20.

23. SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de Direito Constitucional. Forense: RJ, 2003, 542.

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