Discriminar não é uma exclusividade hetero ou LGBTQIA+

Discriminar não é uma exclusividade hetero ou LGBTQIA+

O casamento é um contrato.

 

Pretender que o casamento seja um contrato entre pessoas de sexo diferente é privar seres humanos do direito a casar. Portugal corrigiu a lei e retirou a necessidade de os contratantes serem de sexos diferentes (a 17 de Dezembro de 2009 a proposta do Governo é aprovada em Conselho de Ministros, em 8 de Janeiro de 2010 a proposta é aprovada na generalidade na Assembleia da República e a 10 de Fevereiro é votada e aprovada na especialidade a versão final do diploma).

 

Privar um ser humano de casar só porque não é hetero é o «b, a, ba» da discriminação.

 

Bem esteve Richard Zimler quando, a propósito do aniversário que acabou com a exclusão do casamento entre pessoas de sexo diferente na lei portuguesa, disse ainda aguardar o pedido de desculpa de alguns deputados que então votaram contra. Certamente, todos quantos hoje percebem que apenas se eliminou um estúpido entrave aos sonhos de alguém, mas em tempos lutaram para que a alteração à lei não passasse.

 

Não se pode confundir apedrejar ou punir criminalmente um ser humano porque é gay ou com não lhe permitir o reconhecimento do casamento. E também não se pode confundir não pretender o reconhecimento de uma união entre pessoas do mesmo sexo, ou diabolizá-la, com o pretender chamar-lhe outra coisa, como: «união civil», seja por motivos religiosos, conservadores, intelectuais ou alquímicos. Porém trata-se sempre de faces da discriminação.

 

O simples facto de se pretender reservar o casamento para contratos entre pessoas de sexo diferente e relegar uniões entre pessoas do mesmo sexo para uma «união civil» é, em si mesmo, discriminatório. É a igualdade caridade, aquela que pretende o agradecimento de alguém vulnerável porque já lhe foi dado muito, como se não fosse direito próprio não ser discriminado ou ver reconhecidos o seu direito à igualdade. E esta acepção de não inclusão, de inclusão com condições, não muda porque se preveja ou não uma mudança gradual, um adaptar da moral ou pensamento social a esta abertura legislativa.

 

Em Portugal eliminou-se a discriminação legal e nenhum mal veio ao mundo, não houve qualquer convulsão social, as pessoas limitaram-se a não se meter no casamento dos outros (sempre e quando não estejamos a falar de violência física, psicológica ou de coarctar a liberdade e autodeterminação de alguém), cada um casa com quer, porque pode.

 

Pretender, pois, a reserva de «casamento» para uniões entre pessoas de sexo diferente é uma discriminação, um perpetuar de desigualdades. É reconhecer que o outro tem direitos, mas um bocadinho menos iguais, para que não se perca a tónica da diferença, da desigualdade, para que a maioria tenha redutos só seus, privilégios e redutos de normalidade?

 

Porém, é absolutamente indiferente se o agente da conduta discriminatória é homossexual ou heterossexual. Discriminar é atentar contra a igualdade, é ser intolerante mesmo que se pregue a tolerância.

 

Havia escravos que lutavam apenas pelo direito dos libertos a ser plenos cidadãos, e apenas contra determinados castigos, não acreditavam os próprios no seu direito a ser livres. Sempre houve naturais de países colonizados que não pretendiam a independência, convivemos (diariamente) com o machismo no feminino, a Mutilação Genital Feminina é, na maioria das sociedades em que se pratica, uma prática feminina, nas comunidades ciganas (também em Portugal) são as mulheres anciãs quem, com um pano, viola as meninas para as saber de hímen intacto e provocar o sangramento.

 

Pensar que por ser gay um ser humano é avesso à desigualdade ou é propulsor de igualdade é ter um filtro de desigualdade e ilusão, é estar imerso em fantasia pseudo-urbana. A igualdade, a inclusão, a tolerância, o respeito pelo reconhecimento (de forma positiva e activa) de que todos nascemos iguais em dignidade, liberdade e direitos não é hetero nem LGBTQIA+, é um imperativo ético que não exclui nenhum ser humano, mas do qual muitos se excuem.

Os que foram favoráveis à «união civil» tinham-se, ou têm-se, por defensores da igualdade, sem perceber o preconceito que fere a sua posição. Não devemos ser tolerantes com a intolerância, mas apontar o dedo em julgamentos fáceis, com moralismos de «eu sei onde estiveste, ou onde não estiveste, em 2009/2010» também não nos torna tolerantes.

Maria L. Duarte

 


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