Do campo à mesa: como criar seu próprio roteiro de turismo gastronômico
Autora Renata Cabrera de Morais
Fotos Loiro Cunha
Um guia inspirador para estimular as pessoas a conhecer a origem dos alimentos, valorizar cada elo da cadeia produtiva e apreciar a rica sociobiodiversidade brasileira
Viajar é uma forma de ganhar distanciamento de nossa pequena e limitada vida cotidiana e ter dimensão das infinidades de outras perspectivas pelas quais podemos enxergar o mundo. Conhecer novas paisagens, experimentar outros sabores, observar diferentes formas de viver e pensar não só geram prazer como também ampliam nossa capacidade de tolerância e entendimento. Essas experiências alimentam nossa alma com inspirações e despertam novos sonhos. Sou uma exploradora de mundos, fascinada pela diversidade cultural e pela inteligência da natureza. Aprendo profundamente por meio da observação e valorizo uma de minhas maiores virtudes: a escuta ativa. Descobrir novos lugares e ouvir as histórias e sabedorias das pessoas são duas grandes paixões que acendem em mim fagulhas de pensamentos e alimentam a chama de uma mente sempre inquieta. Também sou uma apaixonada pela comida de verdade e pela agroecologia. Cozinhar e plantar são atividades que me conectam profundamente com o que há de mais íntimo do meu ser, algo que descobri como um dom natural, herdado pela sabedoria de minha família de agricultores. Embora eu faça parte da primeira geração que não se dedica economicamente à agricultura, minha reconexão com a terra anos depois de ter saído do sítio em que nasci, em Jarinu (SP), para morar em São Paulo, foi um processo de autoconhecimento inenarrável, sobretudo quando me dei conta de que essas raízes permanecem intrinsecamente vivas em mim. Desde 2021, tenho o privilégio de ser Secretária de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer do município de Jarinu, onde parte do meu trabalho é a missão de valorizar nossas tradições, nossa cultura do interior e fomentar o turismo rural e artesanal. Essa jornada une minha paixão pela terra e a vontade de sensibilizar e transformar a relação das pessoas com a cultura e os alimentos. Um dia li a seguinte frase da velejadora Tamara Klink e me dei conta do poder transformador das viagens: “Uma mulher precisa viajar para saber por si mesma onde é capaz de chegar”. Há alguns anos, me aventuro em viagens gastronômicas dedicadas a conhecer diretamente os pequenos produtores — e a mim mesma. Descobri que essa jornada de conhecer de onde vem nosso alimento é revolucionária e nos permite um (re)encantamento do mundo. Nossa relação com a comida se torna outra, passamos a enxergar o que antes não era visto e entendemos a complexidade por trás do que comemos. O turismo gastronômico como experiência de conhecer as origens e o saber-fazer é uma tendência mundial recente, que se intensificou na pandemia da Covid-19. Até pouco tempo atrás, as pessoas viajavam principalmente para visitar praias, museus, patrimônios históricos e religiosos, lugares famosos, conhecer a arquitetura e a natureza etc. Hoje, é inegável que a gastronomia tornou-se um dos recursos culturais mais relevantes e vem sendo prestigiada cada vez mais como um atrativo turístico. Assim, cresce um novo perfil de viajantes: os que viajam intencionalmente para comer e, entre um restaurante e outro, visitam pontos tradicionalmente turísticos. É claro que sempre houve uma busca por comidas consideradas ‘típicas’ como forma de conhecer a cultura e as tradições locais; mas aqui eu apresento um fenômeno muito mais profundo do que isso. Meu objetivo é enfatizar o que chamo de turismo gastronômico “do campo à mesa”, aquele que vai muito além do prato no restaurante ou de comprar um produto no supermercado. O essencial é vislumbrar que o maior valor de um ingrediente é o seu entorno, a conexão com a história, as técnicas, a qualidade de produção e a responsabilidade no uso dos recursos naturais, além da relação afetiva com quem está por trás daquele alimento. São conhecimentos que merecem e precisam ser contados. Entre as diversas vivências gastronômicas que já tive, duas foram marcantes para mim, as quais me despertaram de vez para esse universo fascinante. A primeira foi uma expedição de carro, sozinha, pelas deslumbrantes paisagens da Serra Mantiqueira de São Paulo e Minas Gerais, visitando dezenas de produtores e restaurantes, como a cervejaria e fazenda Zalaz (Paraisópolis-MG), o restaurante e vinícola Entre Vilas e a fazenda e restaurante produtora de azeites Oliq (São Bento do Sapucaí-SP), onde cada visita me conectava mais profundamente à terra, aos processos e às histórias.
Em parte dessa viagem, acompanhei o grupo guiado por Daniel Nunes, jornalista especializado em turismo, idealizador do livro Paisagens Gastronômicas. Daniel criou experiências e trocas riquíssimas para refletirmos sobre toda essa revolução em curso que é a conexão direta com quem produz nosso alimento. Considero este um dos momentos mais especiais da minha vida, em que, a cada lugar que passava, saía mais inspirada e com o desejo enorme de contribuir de algum modo para tudo isso florescer. A segunda foi uma imersão na Fazenda Lila, um portal mágico em São Bento do Sapucaí (SP), com uma floresta de 35 mil árvores plantadas por Lila e sua família, onde criam vacas felizes, cultivam e cozinham alimentos orgânicos e agroflorestais. Enquanto colhíamos PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) e cogumelos silvestres comestíveis em uma expedição com o etnobotânico Jorge Ferreira, o aroma da terra, o frescor das plantas e os sons dos passarinhos invadiam os sentidos, criando uma conexão imediata com o ciclo da natureza. No fim do dia, o jantar preparado pela chef Bel Coelho foi um convite a essa mesma conexão — uma experiência em que cada prato trazia o sabor de estar próximo da natureza pulsante. Em todas as cidades que visitei nos últimos anos, me preparava com pesquisas e dicas de amigos para fazer um roteiro de restaurantes, mercados e produtores que tinham um propósito ligado a esse movimento. Percebi que, por paixão, me tornei uma curadora de lugares onde o alimento, as pessoas que o produz, a paisagem e a identidade são as estrelas. Este livro nasceu dessas inspiradoras jornadas, de algumas inquietações e do desejo de transformar o ato de viajar em algo muito além de uma simples descoberta de novos sabores. Acredito que o turismo gastronômico pode e deve ser um catalisador para novos modelos de desenvolvimento sustentável, onde cada prato, cada ingrediente e cada saber-fazer represente não apenas a cultura local, mas também um sistema de produção que respeita o ecossistema, valoriza os pequenos produtores e promove uma economia mais justa. Há muita responsabilidade em ser turista; por isso, pessoas como eu, apaixonadas e fortemente conectadas ao alimento, buscam uma interação humana genuína, com os pés na terra e respeito à natureza. Uma das inquietações que me movem é o desejo de ser uma voz de conscientização, que traz luz para o potencial transformador do turismo gastronômico e seu papel de impulsionar uma complexa e interconectada cadeia de valor. Por isso, no contexto de crise climática e do fortalecimento de um sistema alimentar industrial monocultor, o ecoturismo pode ser um grande aliado na conservação de nossa megabiodiversidade, das florestas em pé, de mais saudabilidade e da valorização de cada elo da lavoura e suas tradições. E mais: existe ainda um campo enorme a prosperar, já que, de acordo com a Organização Mundial do Turismo (OMT), a gastronomia é o terceiro maior motivo que influencia viagens no mundo e, para o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, “o turismo é o grande instrumento de geração de renda do século 21”. Por outro lado, chamo a atenção sobre os efeitos do turismo de massa no turismo gastronômico. Devido ao grande número de visitantes, muitos deles buscando mais quantidade do que qualidade, essa demanda pode gerar uma tipicidade estereotipada de pratos, e a padronização do gosto favorece a monotonia alimentar. É um movimento contraditório: para se adequar aos desejos do turista pouco aberto ao diferente, o território perde aquilo que o particulariza e o torna atrativo turisticamente. Nesse sentido, acredito que o turismo também tem um importante papel formador. É uma ótima oportunidade de descobrir o valor do diferente, sobretudo quando nos atentamos aos detalhes, ao que é cotidiano dos locais, com um olhar apreciativo para o aparentemente simples, com curiosidade e ênfase na experiência contemplativa e na imersão cultural. Assim, além de contribuir para o território, essa jornada em si é uma grande oportunidade para o desenvolvimento pessoal, as interações humanas e uma vida com mais significado. Meu foco é o nosso querido, imenso e complexo Brasil. Com uma vasta riqueza imensurável, o país ainda é pouco apreciado pelos brasileiros e, infelizmente, ainda não consegue ofertar um turismo gastronômico à altura de suas potencialidades. Precisamos dar mais holofotes e apreciar a diversidade, as sabedorias, os fazeres tradicionais e as culturas alimentares que deixam qualquer estrangeiro enlouquecido. Minha intenção é incentivar a celebração desse patrimônio único; e parte desse exercício compreende “recuperar a magia, o encanto ou o sentido inerente às coisas. Valorizar as emoções e a transcendência”.
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“Não é um guia de viagem convencional, mas uma contribuição de como você pode elaborar seu roteiro, com autonomia e responsabilidade, e tornar-se também seu próprio curador.”
O objetivo do livro “não é dar o peixe, é ensinar a pescar”. Não é um guia de viagem convencional, mas uma contribuição de como você pode elaborar seu roteiro, com autonomia e responsabilidade, e tornar-se também seu próprio curador. Apresentarei primeiro algumas reflexões e argumentos sobre a relevância de se fazer um turismo gastronômico valorizando os ingredientes de boa qualidade, sustentáveis e socialmente justos, usando diversos lugares como referência. No capítulo 7, proponho algumas sugestões de experiências, rotas, empreendimentos rurais e restaurantes que adotam esse conceito. Adoraria fazer um mapa completo, contemplando as inúmeras dádivas que a natureza, nossos antepassados e os produtores atuais nos presentearam neste país tão diverso. Porém, de forma sintética e exemplificativa, tentei abranger a multiplicidade de riquezas do país com um guia (que não é bem um guia) inacabado. Muita coisa incrível vai ficar de fora, mas pretendo continuar a escrever sobre isso em um blog, até porque eu mesma ainda tenho muito chão para percorrer. Sou grata por cada experiência vivida e por ter a oportunidade de compartilhar essas histórias. Escrever este livro também faz parte do meu próprio processo de autodescoberta, de expandir meus horizontes e de me lembrar do encanto que é desvendar novos lugares. Entregue-se e prepare-se! Que seja um mergulho cultural e sensorial através da comida e que te inspire a ampliar suas perspectivas sobre o rico e complexo trajeto dos alimentos do campo à mesa. É um convite para que você se torne não apenas um turista aprendiz, mas um agente de transformação. Que cada viagem e cada refeição sejam oportunidades para celebrar as maravilhas pouco percebidas da abundância que nos cerca. Junte-se a mim nesta jornada, em que a comida se torna um elo entre o homem, a terra e o futuro que queremos construir.
Para adquirir o livro:
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Renata Cabrera de Morais nasceu e cresceu no sítio de sua família de agricultores em Jarinu (SP). Movida pela paixão de conectar pessoas, comida e cultura, tem uma alma “renascentista” que valoriza a potência de ser e saber de tudo um pouco, com um olhar holístico sobre o mundo e as conexões sistêmicas da natureza.