Do Sofá ao Cume - Subi por fora mas desci por dentro!

Do Sofá ao Cume - Subi por fora mas desci por dentro!

Março de 2018, uma expectativa grande pela iminência de fazer algo que sempre achei épico, mas nunca conheci ninguém que havia feito, afinal, subir montanhas não é algo tão comum na nossa cultura brasileira. E ainda mais subir uma das montanhas mais altas do Brasil, num cenário eleito pelo National Geographic como um dos 10 mais inóspitos do planeta. Lá fui eu!

Hoje, depois de um ano, relembro das experiências e traço um claro paralelo com minha vida e carreira, vou expor abaixo alguns fragmentos marcantes da aventura, e depois vou explicar como cada ensinamento extrapolou a trilha e me ensinou para a vida toda.


A JORNADA

Pois bem, dois meses antes da jornada, iniciei a pesquisa pessoal para saber o que eu precisaria, como deveria me preparar. Criamos um grupo de mensagens para facilitar a troca de experiências de todos nós novatos que encararíamos aquela experiência tão desafiadora. Lá eu descobri que a trilha era muito penosa! 14 km de trilha entre morros, pedras, montanhas e vales, e para tanto eu iniciei o preparo físico! Do auge dos meus 100 kg apoiados em 1,72m de altura, seria arriscado correr o risco de comprometer meu joelho num preparo de corrida, portanto, comecei a andar horas a fio. As três caminhadas semanais de 12 km visavam manter o ritmo desempenhado do terreno plano na subida. Meu foco não era desempenho, era resistência!

Chegando mais perto da data, fizemos contato com um guia local, o Chicão, um sessentão com mais de 30 anos experiência nas trilhas naquela região. Grata surpresa foi conhecer esse Coach de alto nível, que nunca segurou nenhum livro de administração e nunca sequer assistiu nenhum Ted Talk.

Na data da aventura, chegamos em Piquete, no interior de SP, aos pés da Serra da Mantiqueira. Chegando perto do destino, combinamos de fingir que um de nós era cego, pra ver a reação do guia. Assim que chegamos ele nos recebeu no portão, descemos todos e dois voltaram pra ajudar o “cego”. O guia disse:

- Eu nunca guiei um cego pra montanha, mas tem como fazer sim, só vai levar mais tempo. Qual é seu nome filho?

Rimos e falamos da brincadeira, ele também riu, mas disse que era plenamente possível fazê-lo. Um pouco depois, dormimos no chão da casa humilde com nossos equipamentos de camping, já nos ambientando pra o que viria em seguida. Acordamos as 4:30 e fomos para uma das maiores incursões de coaching involuntário da minha vida!

No início da trilha havia um restaurantezinho com café da manhã. Comemos enquanto o guia sumiu no meio da mata. Logo ali começava o aprendizado! O guia nos orientou sobre nossas mochilas cheias de quinquilharias que compramos a partir dos vídeos que assistimos sobre a preparação para o apocalipse:

- O Mínimo necessário é mais que o suficiente! Não carreguem mais peso do que precisam! Quando estiverem cansados, cada grama pesará um quilo!

Ajustadas as mochilas, iniciamos a trilha...          

Logo no começo, o guia recolheu um galho longo ali mesmo, de uma árvore caída no chão, e fez dele um cajado. Mostrou para nós e disse:

- Carreguem consigo o seu apoio, suas pernas nem sempre serão o suficiente!

ele continuou: Vocês vão usar seus apoios para se apoiar nos passos maiores do que vocês estão acostumados, para transferir até 1/4 do nosso peso para ele, evitando a fadiga concentrada num ponto só do corpo, e para sondar um terreno diferente antes de colocar os pés nele.

Cada um com seu cajado em mãos, seguimos caminho...

Ao andarmos sem parar por meia hora, seguindo-o cegamente, sempre subindo, ele parou numa das bifurcações da trilha, olhou pra trás e perguntou o que faríamos se precisássemos voltar sozinhos a partir dali? Como navegaríamos de volta? Ninguém respondeu!!! Aí ele quebrou um galho, deixando-o pendurado pela casca ainda verde do lado da estrada que devíamos seguir na volta:  

- Deixe marcas pelo caminho pra sempre saber como voltar. Elas precisam ter a sua assinatura, você não pode confundir com as marcas dos outros que passaram por aqui.

Continuamos andando trilha acima, cansados, exaustos... Eu, sendo o gordinho da equipe era o que mais estava sentindo o resultado do meu próprio peso, além da mochila cargueira com 20 kg, por isso fiquei por último da fila indiana. De repente, minha pressão caiu, meus olhos escureceram e eu só me lembro de conseguir me apoiar no cajado e gritar “Tô passando mal”. Era uma crise de hipoglicemia!

Meu cunhado e um amigo voltaram uns 30 metros e me socorreram antes que eu caísse... me deram um sachê de glicose enquanto eu recobrava o fôlego. Ainda antes de eu me sentir totalmente bem, o guia que não voltou nenhum passo atrás gritou:

- Aqui não é lugar de fraco! Eu só volto se for pra marcar aonde o morto caiu.

A equipe que estava comigo ficou indignada com a frase do cara, mas ninguém reagiu. Ele estava mexendo com o meu brio. Naquele momento não me importava mais a dor...eu só queria ser o primeiro daquela fila, eu queria que ele engolisse aquilo que ele tinha dito a meu respeito. Comecei a andar na cola dele, em silencio, cara feia...Conforme a vegetação ia abrindo, a serra ia nos presenteando com vistas lindíssimas...minha cara ia ficando mais amena à medida que eu esquecia meu orgulho ferido.

Chegamos num ponto de escalaminhada de uns 200 metros...pedra íngreme e escorregadia pra subir. De baixo dava para ver a continuação da trilha lá em cima. Qualquer cidadão lógico lembraria que “a menor distância entre dois pontos é uma reta”, mas aí, frente à nossa perplexidade de como faríamos aquilo, o velhote lança:

- Subir em linha reta é loucura, ziguezague é a melhor opção! Assim o equilíbrio é melhor e você distribui o esforço, além de contemplar a paisagem.

Subimos em ziguezague... um trecho de 200 metros pareceu ter 800, mas terminamos ele sem contratempos e, pela paisagem deslumbrante, começando a sentir alegria por estar ali apesar do perrengue. Ao terminarmos a subida, ele citou:

- Passos pequenos te poupam a energia! Curtir o caminho te leva mais longe do que só almejar o cume.
Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Já estávamos numa altitude de uns 2000 metros de altura, ali, a vegetação mudou, e entre uma montanhazinha e outra ou longo da trilha, haviam os vales de altitude, lugares aonde o capim-elefante chega a 3 metros de altura, e é tão denso que te segura o corpo quando você tenta atravessá-lo. Num determinado ponto, o capim fechou completamente a trilha a nossa frente. Mais um aprendizado:

- Se o caminho se fechar, observe a base dele!

Ele continuou: "Quando a vegetação fechar o caminho, observe sempre a base dela, porque, por mais que o vento movimente a superfície, a base sempre aponta um bom lugar aonde colocar o seu pé."

Íamos procurando a trilha olhando para a base do capim, que mantinha um corredor de que cabiam dois pés na base, mas que na altura do joelho já não podia se notar.

Passando aquele vale, chegamos na base do Pico dos Marins, o dito cujo que fomos atrás de vencer...ali era praticamente pedra e raízes. Mas por onde continuar? Não há demarcação clara de trilha em cima da face de pedra. Olhando um pouco melhor, notamos que várias pegadas de barro na pedra mostravam que, horas antes, alguém tinha passado por ali.

- Reconheça os passos de quem já subiu antes que você, eles te ajudam a chegar lá.
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Começou a parte final da jornada...praticamente um paredão de 400 metros, mais íngreme que o anterior. Havia dois pontos críticos, o primeiro no começo, aonde precisávamos passar por um ponto aonde só cabia o pé, e você precisava passar de frente pra montanha, abraçando-a como pudesse, tentando vencer o peso da mochila que deslocando seu equilíbrio pra queda de uns 20 metros de altura. Ali os nervos floresceram...mais a frente vem o segundo, um ponto aonde era necessário pegar embalo, dar uns dois passos no paredão pra conseguir alcançar uma fenda com a mão. Nesse ponto, já de cima, vi um dos meus amigos ficar paralisado, em choque, estático.

O guia grita:

- Ninguém aqui vai se render por causa do SEU medo! Ou você vence agora, ele ou ele acaba com você.
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Nesse momento eu percebi a estratégia do velhinho que nos guiava...ele nos provocava a dar o melhor que tínhamos. Assim que conseguiu passar aquele trecho, parecia ter mal de Parkinson de tanto que tremia. O guia chegou perto de mim e disse reservadamente: me perdoa por fazer aquilo com você lá atrás no começo da trilha, mas era necessário, eu precisava despertar seu brio pra que você não se entregasse pra aquele limite. Você precisava passar dessa fase. Aliás, acabei de fazer a mesma coisa com ele agora. Mais tarde ele também se explicou para o meu amigo.

Continuamos e atacamos o último paredão. Alcançamos o cume.

Lá em cima, nos abraçávamos felizes, pela conquista.

O guia nos parabenizou por termos chegado até ali, e antes que nossos egos se inflassem demais pela conquista, ele emendou:

- Só se orgulhe do caminho depois de ter chegado no cume e voltado ao início da jornada. Aqui em cima é só a metade do caminho... amanhã vamos voltar pelo mesmo lugar que viemos.

Já mais tarde, fomos presenteados pelo pôr-do-sol mais lindo que já presenciei, montamos acampamento e dormirmos. No dia seguinte o nascer do sol foi igualmente incrível. De lá de cima eu descia bem mais humano e profundo que no dia anterior.

no dia se


Aquela foi nossa primeira montanha. Uma semana depois um Francês experiente, marido de uma juíza brasileira, subiu pelo mesmo lugar aonde subimos, mas não desceu! Ele morreu alí mesmo. Teve uma grande repercussão na mídia. Olhando as notícias na TV, já no sofá de casa, percebi que aquele guia levou 4 caras completamente inexperientes a um dos trekkings mais difíceis do Brasil, e não nos contou nada disso, porque ele entendeu que se nós não soubéssemos que era impossível, não seria impossível para nós.


Moral da História:

Eu nunca guiei um cego, mas dá sim!

               Não importa o quão difícil seja fazer! Se você sabe como fazer, é possível promover isso a alguém!

O Mínimo necessário é mais que o suficiente!

Quando sabemos aonde queremos chegar, e planejamos, temos a OPORTUNIDADE de abrir mão de quinquilharias e vaidades que só farão peso na nossa bagagem.

Carreguem consigo o seu apoio, suas pernas nem sempre serão o suficiente!

Aquele cajado grande em certos pontos era desajeitado de carregar, mas sem ele, em outros pontos era IMPOSSÍVEL passar. Não o carregar seria sinônimo de não completar a jornada. Valorize as pessoas que hoje estão “nas suas costas”, mas que são seu terceiro pé quando seus joelhos fraquejam. Aliás, o cajado foi muito mais necessário na volta, quando as pernas já estavam bastante cansadas da subida do dia anterior.

Deixe marcas pelo caminho pra sempre saber como voltar

Em alguns momentos da caminhada é importante parar, quebrar o ritmo, e MARCAR algumas vidas de pessoas do seu convívio profissional e pessoal. Um elogio, uma honra pública, um presente, isso sempre cai bem! Essas marcas SEMPRE estarão latentes com sua assinatura na vida deles, e na volta, quando você estiver cansado e precisar de orientação, essas marcas suscitarão corações dispostos a te ajudar a completar a jornada.

Subir em linha reta é loucura, ziguezague é a melhor opção

Não adianta projetar uma escalada sem escalas, sem paradas, sem desfrutar de sua beleza. O esforço demasiadamente concentrado não nos deixa fazer cada passo valioso.

Passos pequenos te poupam a energia!

Pequenas recompensas ao longo do caminho são muito mais motivadoras a longo prazo do que apenas um raro troféu no fim da estrada.

Se o caminho se fechar, observe a base dele!

Identificar cada fase em que vivemos e a discernirmos é uma arte! Sempre que uma situação tornar a visibilidade do futuro muito incerta, foque nas bases de aonde você está apoiado e de aonde você vai se apoiar. Seguramente haverá, na sua matriz de valores, aquela base que indica os traços de um caminho já percorrido antes por outros que você admira, mas pouco visível aos seus olhos quando se está com a cabeça quente. Esse é o instante em que a razão deve vencer a ansiedade, e essa batalha acontece num campo de 30 centímetros, entre a sua mente e o seu coração .

Reconheça os passos de quem já subiu antes que você, eles te ajudam a chegar lá!

Não somente siga os passos de quem já passou por ali. REconheça-os! Faça um exercício mental imaginando como aquele seu ícone naquela determinada área se comportaria naquela situação aonde você se encontra. As respostas fluirão à medida que a você tenta não provar pra você mesmo que já cobriu todas as possibilidades. As vezes, nós temos explicações demais, e isso não combina com quem está procurando respostas.

Se você não souber que é impossível, não será impossível pra você!

Aquele cara tem meu respeito! Ele sabia aonde pisar e sabia que para nós, “atletas de escritório”, aquilo tudo não cabia! Ele não se tentou reter nem mesmo um suposto cego. Não importava quanto tempo levaria, chegaríamos lá.


Você está fazendo algum curso de liderança? Se quiser eu te passo o contato do Chicão. Mas já te adianto: VÁ DESARMADO DE SI!!! Lá suas armas não vão servir para nada senão pra pesar contra você na sua bagagem , e invariavelmente, você precisará larga-las pelo caminho pra seguir, queira você ou não.

Diogo Bueno

Gestão de pessoas e Gerente de Novos Projetos

5 a

Grande Chicão! Muitas vezes pessoas passam despercebidas por nossas vidas... Outros deixam grandes marcas!

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