Do "tem café na copa" ao "acabou o pó, preciso comprar": minha visão e experiência sobre o Home Office
Durante os últimos 8 anos trabalhei em uma grande agência de publicidade da minha cidade, como desenvolvedor web. Foi meu primeiro estágio, que depois virou o primeiro emprego de carteira assinada.
Desses 8 anos, os últimos 2 foram em casa. Existe toda uma história por trás disso e do que levou a gestão a tomar esta decisão, a qual vou pedir licença para pular por enquanto. Quero falar aqui do que vivi, das minhas experiências e da visão que tenho hoje sobre este modelo de trabalho que vem sendo adotado em muitas organizações, mas também ainda enfrenta resistência em tantas outras (e cada uma com seus motivos particulares).
Home Office é pra todos?
Bem... não. No meu caso, sou desenvolvedor (programador), e na minha atividade é comum que se fique na frente de um computador e se use internet o dia inteiro e pra tudo: estudar detalhes sobre aquela nova versão da linguagem/ferramenta, integrar uma API, baixar e subir o código-fonte do projeto para repositórios na nuvem, como Github e o Bitbucket... Ou seja, quando a internet cai, você precisa se virar só com o que tem para dar andamento aos projetos (e é até ideal que você saiba fazer isso...), mas é inegável que com ela as coisas se tornam muito mais fáceis e sim, muitas vezes há a necessidade de uma conexão ativa para executar atividades pertencentes ao seu fluxo.
No entanto, existem empresas ainda dentro da área de TI que utilizam outras metodologias em seu workflow. Por exemplo, o repositório de códigos fica em um servidor dentro do próprio prédio. A ferramenta de gestão de projetos também. E por N motivos talvez seja inviável "liberar um acesso externo" para colaboradores acessarem o ambiente de outros lugares, que não o próprio escritório. Fora da área de TI, acredito que não preciso falar que há muitas áreas onde o home office é totalmente fora de cogitação (minha esposa, por exemplo, é enfermeira - não dá pra dar assistência aos pacientes do hospital onde ela trabalha pelo WhatsApp, rs). Então, não, o home office não é pra todos. Mas, pra onde ele se aplica, é uma oportunidade que vale a pena experimentar, nem que seja uma pequena experiência pra ver como a empresa se adapta. Cada caso é um caso e deve ser estudado. Aqui, vou falar sobre o que vivi.
Da implantação à persistência do modelo
Em 2017 a gestão da agência onde trabalhei começou a fazer uma experiência com os membros da equipe: primeiro, um foi pra casa enquanto o restante ficou. Durante 1 mês inteiro, a comunicação com esse integrante foi 100% online, com reuniões presenciais (durando um turno, geralmente uma manhã inteira) uma vez por semana. Essa comunicação era feita por ferramentas como nossa intranet, usada para repassar as atividades e também para chat corporativo, e quando necessário pelo grupo da empresa no WhatsApp. Deu certo. No outro mês, o restante da equipe foi mandado pra casa.
A estratégia era: às segundas-feiras, passávamos a manhã inteira em reunião. Era o início da semana, e pra quem acabou de sair do presencial isso era necessário para lembrar a todos uma das regras primordiais do Home Office: Estávamos em casa, mas para trabalhar.
Nesta reunião, cada um falava sobre:
- O que fez na semana anterior;
- As dificuldades que enfrentou;
- O que tinha pra fazer naquela semana que se iniciava.
A direção colocava os pontos que julgava pertinentes e, assim, íamos cada um pra casa já cientes das missões. Caso surgisse alguma problema/dúvida durante a semana, a comunicação era online, e em casos extremos, combinávamos um horário para ir até o espaço de coworking (onde as reuniões presenciais aconteciam) para tratarmos frente a frente com os envolvidos. Ah, sim, todos os dias havia comunicação entre a equipe: quando um projeto terminava, quando outro começava, quando um cliente precisava de uma atenção especial... Continuávamos funcionando como qualquer empresa normal, com a diferença que cada um estava "no seu próprio escritório". Este modelo deu tão certo que, em aproximadamente 1 ano, chegamos ao ponto em que as reuniões presenciais foram dispensadas, dando lugar às reuniões via Skype, que seguiam o mesmo modelo e pauta.
Sobre auto-gerenciamento, aprender a fazer o próprio café e outras coisas importantes...
Aqui vai só uma pequena nota: eu não gostava de café até poucos meses antes de deixar de trabalhar presencialmente :p. Comecei a tomar café ainda no escritório, mas sempre tinha pronto na copa do coworking, então nunca precisei fazer em casa. Quando eu cheguei em casa, agora para trabalhar, vi a necessidade de aprender a fazer. Posso dizer então que esse foi o primeiro benefício que o Home Office me deu...
Quando se fala em home office, muita gente que é contra (ou que tende a ser) pensa logo na questão da disciplina:
Ora, se você vai pra casa, tem sua cama, seu sofá, sua TV e sua comida favorita na geladeira, você vai trabalhar ou vai passar boa parte do tempo se distraindo e baixar a produtividade?
Basicamente, a tendência é que a segunda opção aconteça. E aí é nesse ponto onde as coisas devem ser conversadas, alinhadas e trabalhadas entre você, trabalhador home office, equipe e gestão.
Se você é da gestão, pense o seguinte: Há uma mudança de paradigma. Ontem seu funcionário estava no seu escritório. Hoje ele está na casa dele. Não se desespere se na primeira semana ele parecer um pouco "desleixado" (se parecer muito, a história é outra, rs). Mas talvez na segunda semana, se perceber que continua assim, já seja a hora de relembrá-lo sobre suas responsabilidades e que Home Office não é férias. Mas faça isso de forma sutil... Deixa pra pegar um pouco mais sério se as coisas não mudarem com o tempo. A dica que eu dou: Dialogue bastante, desde o início do "projeto home office" (quando ele ainda nem tiver começado). Explique quais serão suas expectativas, estabeleça as metas e horários do novo modelo, como devem ser os fluxos. Se for aplicável, incorpore ferramentas na nuvem de comunicação, gestão de projetos e gestão de tempo na cultura da empresa antes mesmo do home office começar e faça todos entenderem que desde o primeiro dia de home office você vai querer que tais ferramentas sejam utilizadas, gerando seus relatórios, etc. Comunicação é a chave do sucesso pra tudo. Ouvir e ser ouvido(a) é o que trará benefícios pra organização neste modelo.
Se você é um funcionário (e aqui eu vou me alongar, afinal, fui um funcionário neste modelo), entenda uma coisa: você ganhou uma excelente oportunidade de demonstrar seu valor pra empresa. De mostrar que você não trabalha somente porque é supervisionado ou porque "tem medo" de levar bronca da gestão se chegar atrasado, se for pego no Facebook no horário de trabalho, se extrapolar 15 minutos do horário de almoço, etc. Você trabalha porque quer, porque leva a sério a missão que lhe é dada. E olha só: você agora está em casa. Não tem mais aquele trânsito infernal. Se seu expediente começa às 08h, você pode acordar às 07:45h, tomar um café (mesmo que você tenha aprendido a fazer recentemente e ainda não seja uma maravilha :p) e já ligar o computador para iniciar suas atividades. Dá "bom dia" pra equipe toda! (Imagem pronta encaminhada de whatsapp não vale). Mostra pra eles, "olá pessoal, eu já estou aqui disponível". As distrações vão existir e isso é normal... Você vai, sim, se ver em alguns momentos querendo voltar pra cama ou ficar um pouco na TV, às vezes vai ser uma vontade incontrolável. Mas mesmo que isso aconteça - e que você ceda algumas vezes - coloque na cabeça uma coisa: você provavelmente não quer voltar pro presencial. Então, tente criar o hábito de aumentar sua produtividade, mesmo estando em casa. Aqui vão algumas dicas que eu adotei e consegui me disciplinar bastante dentro do modelo:
- Estabeleça cronogramas. Utilize ferramentas para isso ou simplesmente abra o Excel, Calc, o que seja, e crie uma planilha DATA x HORÁRIO e coloque as atividades que pretende executar. Planeje os próximos 3 dias ou até mesmo uma semana inteira. Coloque tudo: desde o expediente da empresa até o jantar na pizzaria pra comemorar o aniversário do namoro, o jogo do seu time que você vai parar pra assistir e até mesmo as horas de sono (sim, eu fiz isso por muuuuuuuuito tempo!).
- Nos horários combinados, priorize o trabalho a todo custo. Se você combinou com a equipe/gestão que estaria online às 08h, esteja online às 08h. Faça o possível pra atender as ligações da equipe em no máximo 10 segundos. Pra responder no WhatsApp o mais rápido possível (dica: silencie grupos que não fazem parte do trabalho durante o expediente). Lembre-se: você não está sendo supervisionado, logo, precisa passar confiança para o restante da equipe.
- Se algo fugir do seu controle, explique assim que possível pro restante da equipe: faltou energia, internet caiu, acordou bastante indisposto e vai precisar ir ao médico, teve qualquer outro problema... Como você não está mais no escritório, ninguém vai saber dessas coisas se você não falar explicitamente sobre. Todo mundo sempre vai achar que você está disponível e é seu papel explicar que não é esse o caso.
- Durante o trabalho, concentre-se. Fecha a porta do quarto se preciso, coloca um fone de ouvido e topa a música. Pode ser normal, por estar em casa, que pessoas que moram com você ou até mesmo as que não moram achem que você está ali "livre", ou "1 horinha que pare não tem problema". Explique, gentilmente, que você reporta a uma equipe que precisa de você, e que naquele momento não é possível atendê-las. Que você está EM casa, mas não está PARA A casa naquele momento. Em um caso de extrema necessidade, siga o que está no passo 3...
- ... Mas também não precisa ser tão "rigoroso" desde que a relação com sua equipe/empresa permita uma flexibilidade maior. Lembre-se que um dos objetivos de você estar em casa é melhorar a qualidade de vida. Então você pode sim dar uma atenção maior pro cônjuge, mãe, pai, irmão. Pode ir cozinhar se isso for uma atividade que te relaxe (e acabe te ajudando a pensar melhor em como vai concluir aquele projeto que está "empacando"). Pode trabalhar 3 horas ininterruptas e descansar 30 minutos quando sentir que a pálpebra tá tremendo (não tem coisa pior que forçar o corpo e a mente pra fazer um trabalho)...
- ... Só não se esqueça, e realmente não se esqueça, de que existem responsabilidades pra você cumprir em prazos determinados. Se o seu acordo / contrato com a equipe é de cumprir 8 horas por dia e você não cumpriu 4 pela manhã, use a noite pra isso. Madrugada, se preciso. Fim de semana / feriado também conta. Comunique isso a todos. Deixe claro: "Pessoal, hoje pela manhã não pude estar online mas podem passar as coisas pra mim, a noite vejo". E de fato cumpra o prometido, afinal, acordo é acordo (se você não tá satisfeito com os termos atuais, converse com a gestão para mudar o acordo, mas jamais, jamais, deixe de cumprir sem avisar).
O que levo dessa experiência
Hoje, após ter saído da empresa, confesso que voltar a trabalhar em um escritório é uma ideia que passa bem longe da minha cabeça. Não é descartada, mas não é o que objetivo. Já conversei com várias pessoas sobre tudo isso o que escrevi aqui e a pergunta principal (depois da questão da disciplina) é se eu não sinto falta de socializar, conviver com outras pessoas em ambiente corporativo. A resposta é não, pelo simples fato de que existem outras formas de socializar: você pode comparecer a eventos da sua área, por exemplo. Se tiver amigos na área/atividade, marca um almoço. Se tiver aquela pessoa mais próxima e que também trabalha na mesma empresa, também home office, marca 1x por semana pra ir um na casa do outro trabalhar junto e tudo certo. Mas entendo, sim, que há quem considere isso uma desvantagem. Da mesma forma, entendo quem já tentou implementar o modelo e deu errado por algum(ns) motivo(s) e acabou deixando a ideia de lado (mas dou a dica de tentar novamente quando puder, já com as lições aprendidas).
O home office foi algo que deu muito certo e me fez crescer muito como profissional. É algo que defenderei sempre a quem me perguntar e por onde eu passar. Lá no início eu falei que cada caso é um caso, e reafirmo isso aqui. Mas acredito que onde houver a possibilidade, ela deve ser levantada e, se possível, o modelo implementado. Seja ele em todos os dias, seja 2 dias na semana, mas seja. Quanto mais focarmos no QUE deve ser feito e não ONDE deve ser feito, a tendência é que a qualidade daquilo que é produzido melhore.
Advogada Trabalhista em Contagem, Ribeirão das Neves, Betim, Belo Horizonte e região - MG - (31) 9 8344.7840
5 aParabéns. Metas, confiança e produtividade resumem o Home Office. Adianta ir para a empresa e gastar seu tempo com cafezinhos, lendo notícias, "barrigando"? Em casa eu nem sempre tenho tempo pro café, para o almoço, trabalho 10/12h por dia. Trabalho sábado/domingo. Mas, não troco. Estar com meu cachorro, dentro da minha casa, usando uma roupa confortável, usando meu banheiro quando quero, não tem preço!
Sócio proprietário das empresas: SUPER TI 360 - Gerenciamento de Serviços de TI MSP e do Sistema LEADY para agência de viagens
5 aMuito bom! Isso tudo resulta na coisa mais importante na vida de alguém: A LIBERDADE! Todos temos que ganhar dinheiro para prover nossas necessidades, manter nossa família e realizar nossos sonhos. Mas, nada compensa se perdermos nossa liberdade, se perdermos nosso tempo criativo. Parabéns, excelente tudo que expôs!
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5 aExcelente! Tenho visto muitos artigos sobre Home Office recentemente, mas esse foi o que mais ressaltou um dos principais pontos na minha opinião: o respeito à responsabilidade do funcionário. Acredito que empresas querem contratar profissionais, e por isso devem dar a devida credibilidade àquela pessoas como responsáveis e dignas de confiança - se assim for possível observar, claro. Infelizmente o que mais existe hoje no mercado é a lógica de tratar o funcionário como um adolescente imaturo que precisa do pai mandando arrumar a cama.
Account and Marketing Manager
5 aPerfeito, Clenisson. Trabalho nesse modelo já há 4 anos, de forma compulsória pq cada integrante da equipe tá em uma cidade/estado diferente. Os desafios são esses mesmo. Sobre a questão do horário, tive que colocar limite de “expediente” não só para estar disponível nos horários certos, mas também para não exceder. Como não tinha um horário certo pra “sair”, um final de expediente, eu achava que tinha que completar todas as tarefas para poder terminar o dia. E aí eu ficava até tarde trabalhando. Hoje já tenho equilíbrio e o desafio é passar essa responsabilidade para outros integrantes da equipe. Vou compartilhar seu texto com o pessoal :)