Doação de bens e a Colação: possibilidades de dispensa da colação com o Planejamento Sucessório.
É comum as pessoas pensarem que não existe mal algum doar aquele apartamento para o filho mais velho que vai casar, ou a loja da família para aquela filha que cuida melhor dos negócios e tem se destacado. E quando essas situações ocorrem e alguém próximo pergunta “Mas José, é permitido você doar o apartamento ao Pedrinho? Não vai dar problema na justiça com os seus outros filho?” e então José, orgulhoso do seu ato, esbraveja “Claro que não! eu pesquisei bem na internet e o valor do apartamento está dentro dos 50% que posso doar a quem eu quiser. Está tudo certo! Já resolvi tudo e os outros filhos não podem reivin-dicar”
Será que José está correto?
Mais na frente veremos que não é bem assim como o José falou, assim como tais atitudes impensadas podem acarretar em muitos transtornos. Vamos entender um pouco sobre o instituto da doação de bens e do ato judicial da Colação.
Segundo o STJ, todo ato de liberalidade, inclusive a doação, nada mais é que o adian-tamento da legítima, e portanto, na ação de inventário, os herdeiros necessários (descendentes e cônjuge) podem pedir que os bens doados aos outros descendentes voltem ao acervo do falecido, ocorrendo o ato de colação.
Consiste, pois, a colação, no momento judicial que tem por objetivo incluir junto aos de-mais, os bens doados em vida pelo autor da herança, com a finalidade de igualar todos os herdeiros necessários.
Importante mencionar que tal instituto é aplicado apenas na doação aos herdeiros neces-sários. Pois as doações a terceiros não precisam ser conferidas na abertura do inventário.
Quando os artigos 2.002 e 2.003 do Código Civil trataram de falar da obrigatoriedade da colação, eles deixaram claro que os herdeiros necessários obrigados a tal ato serão os descendentes e cônjuges, pois os ascendentes, apesar de herdeiros necessários, não foram citados pelo artigo e por isso não são obrigados a colacionar os bens recebidos por doação de seus filhos. Mas não poderia ser utilizada a analogia diante da omissão legislativa sobre os ascendentes?
Não, a doação é entendida como uma antecipação da herança. Então a ideia de não incluir os ascendentes na obrigação de colacionar é pela natureza da vida de que os pais falecem antes do descente doador.
Os bens doados para fins de colação são todos aqueles que direta ou indiretamente façam parte do acréscimo patrimonial do donatário. Bens doados diretamente são aqueles que passam pela formalidade legal da doação, com pagamento de impostos inerentes e afins. Já os bens doados indiretamente são aqueles feitos, em muitos casos, com a intenção de fraudar a lei e excluir outros herdeiros, são exemplos: o pai que constrói no terreno do filho; a mãe que compra o apartamento para filha e coloca direto em nome desta; ou o pai que faz um contrato de compra e venda entre ele e o filho para simular uma venda, mas na verdade é uma doação; e entre outras situações, que se descobertas, também serão colacionadas ao inventário com posterior partilha igual entre todos os herdeiros.
Ou seja, devem ser colacionados todos os bens recebidos por doação, inclusive aqueles que não existem mais na data da abertura do inventário, porém são frutos da doação. Por exemplo, o filho que recebeu o apartamento doado e após dois anos vendeu e comprou outro maior, alocando recursos próprios para complementar a compra.
“Ah, mas eu não vou colocar meu apartamento na herança do meu pai, pois o que me foi doado não valia ⅓ do que tenho hoje, não é justo!”
A recusa de colacionar bens que são frutos diretos ou indiretos de doações, importa na aplicação das penas de sonegação. Podendo o donatário até perder o bem.
O fato é que os transtornos causados em uma ação de inventário, ainda por cima quando um dos herdeiros tem que colacionar ao processo o seu atual bem, que é fruto de uma doação recebida há anos, são incalculáveis.
Existe a possibilidade do herdeiro receber um bem doado e não precisar colacionar no inventário? Existe, o Planejamento Sucessório é o caminho e veremos mais a seguir.
Vale frisar que nem todo ato de liberalidade é uma doação. O STJ no Resp 1722691/SP, decidiu que o comodato de bem imóvel utilizado por herdeiros e realizado em vida não é objeto colacionável. No julgamento do recurso o Min. Paulo de Tarso deixou claro que a distinção entre comodato e doação, por si só, não autoriza que os herdeiros solicitem a colação para uso do bem. O comodato é empréstimo de coisa, já a doação é transferência de propriedade, finalidades distintas que não justificam a reivindicação do uso do bem por meio da colação.
Outras situações que não configuram doação: prêmio de seguro de vida, a meação, gastos ordinários com os descendentes (educação, alimentação, saúde, vestuários e etc), despesas com casamento, benfeitorias realidade em bens doados e entre outros dispostos nos artigos 2.010 e 2.011 do CC.
Lembram da história que começamos neste artigo, no qual José enfatizou que poderia doar o apartamento a Pedrinho, sem interferência dos seus outros filhos em posterior inventário, uma vez que ele estava doando o valor que integra os 50% do que ele pode doar a quem quiser?
A atitude de José poderá deixar Pedrinho em maus lençóis daqui alguns anos. E esse comportamento é o que muitos viciados em resolver a vida dando o Google costumam ter.
Sabe o que a simples pesquisa de José não disse a ele?
Que apesar dele ser livre para dispor de 50% de seus bens, antes ele precisa livrar a meação de sua esposa e só depois disso computar o que de fato é seu.
Outro ponto que José não se atentou, é que a única forma do apartamento doado a Pedrinho não ser objeto de colação em seu inventário, é se no momento da doação ele assim determinar no negócio jurídico ou se deixar essa vontade por meio de testamento, inclusive ele deve mencionar que este bem integra parte disponível do seu patrimônio. Pois a dispensa da colação não pode ser tácita ou presumida. Portanto, não se pode sair aos quatro ventos falando que doou. A vontade deve ser expressa em documento hábil.
No mesmo sentido que o artigo 2.005 do CC nos fala que é permitido a dispensa da colação dos bens desde de que expresso no título de doação ou em testamento, e também que essa doação saia da parte disponível, esse mesmo artigo também nos informa que o valor do bem doado não pode exceder a legítima, sendo esse valor computado ao tempo da doação. No entanto o artigo 639 do CPC nos passa que o valor do bem doado será computado na época da abertura da sucessão. Ou seja, mesmo que doado nos moldes do que determina a lei, sendo dispensado da colação, poderá o bem doado exceder a legítima caso tenha seu valor apurado pelo novo código processual e neste caso irá contrariar o que determina o Código Civil.
Como resolver? Existe algum meio legal de resguardar o valor do bem na época da doação? Já temos tema para um próximo artigo.
O que quero sempre deixar claro com esses artigos é que pode ser possível você doar um bem a um filho, ainda em vida, sem que com isso venha prejudicar os demais herdeiros e ao mesmo tempo respeitar sua vontade de dono do bem.
A doação é um dos instrumentos do planejamento sucessório, e muito eficaz. Se utilizada da maneira correta e realizada por profissionais habilitados, ela proporciona a execução da vontade daquele que deseja doar. O importante é realizar com congruência e precisão.
Até mais.
Comparative Law Consultant | LLM in International Law
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